ACADEMIA
PIAUIENSE DE CULTURA
NOTA
DE REPÚDIO
O
Brasil precisa se reencontrar
Recém-criada, a Academia Piauiense de Cultura
– APC valoriza e defende a cultura piauiense nestes tempos difíceis por que
passamos em nosso país, cuja política educacional e cultural vive momentos de
grande provação, em decorrência das dificuldades resultantes da inconcebível
política de desvalorização.
Esta
Academia surge, assim, como uma manifestação de resistência social por entender
que é através da cultura que o povo se liberta da opressão, do obscurantismo,
fortalecendo o sentimento de identidade enquanto nação, em defesa de virtuosos
valores próprios que o identifica.
Não
cumprirá sua razão de existir se não for aberta ao tempo, que não defenda a
liberdade de expressão cultural em que se priorize, e se valorize, a vida digna
que se expressa através das diversas formas do conhecimento, seja através da
arte, seja fotografia, artes plásticas, música, letras, folclore, e de tantas
outras que nos identificam, nos aproximam.
Não se
constitui em uma Academia presa entre quatro paredes, a cultuar o ego de seus
acadêmicos, com o propósito de enriquecer o currículo de muitos. Ela será
aberta ao tempo, a dialogar com a população em sinergia, acolhendo as letras,
as línguas, as artes e as ciências.
Temos
compromisso com a CULTURA e com a HISTÓRIA! Por esta razão, esta Academia
Piauiense de Cultura vem a público para externar sua indignação contra o
assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips na
região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, cobrando punição exemplar para
seus autores.
Este
crime tem um claro propósito de intimidação daqueles que arriscam a própria
vida em defesa da Floresta Amazônica e das nações indígenas que esta floresta abriga.
Trata-se de uma conhecida premissa do modo de produção capitalista que
pressupõe o domínio sem limites do homem sobre a natureza, esgotando-a no
futuro, e levando junto a floresta, os índios, a fauna e a flora ali
existentes. Possui, assim, todos os ingredientes de uma tragédia humanitária
previamente anunciada!
Por
considerar que a consciência democrática constitui um pilar da cultura de que
precisamos, esta Academia considera que o assassinato perpetrado contra o
indigenista e o jornalista fere a humanidade e compromete o futuro da Floresta
Amazônica, que está sendo vilipendiada e queimada em grande escala sob o olhar
complacente do poder público e com preocupação do mundo.
Ao
reduzir os quadros efetivos da FUNAI e demais instituições naquela região, como
vem se acentuando nos últimos anos, o Estado brasileiro dá preocupante sinais
de uma inconcebível leniência com a ação impune de organizações criminosas, de
traficantes de madeira e de peixes, das riquezas minerais existentes em terras
indígenas.
A quais
interesses os gestores do Brasil defendem? Afinal, aparentam ignorar a
Constituição Federal de 1988, que diz: são bens da União os lagos, rios e
quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, os recursos minerais,
inclusive os do subsolo[1]. À União compete assegurar
a defesa nacional.[2]
Ressalte-se
que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público; proporcionar os meios de acesso
à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; e preservar
as florestas, a fauna e a flora.[3]
Em
nossa Carta Magna em vigor os direitos dos índios estão previstos em capítulo
específico (Título VIII, da Ordem Social, Capítulo VIII, dos Índios). A lei nº
6001/73 trata do Estatuto do Índio.
Todo este amparo legal em vigor não impede que o Estado
brasileiro seja visto como um dos principais algozes dos Povos Indígenas,
quando evidencia a omissão do Poder Executivo ao descumprir prazo para
demarcação das terras indígenas (art. 67 do ADCT da CF/88); quando se percebe a
atuação tendenciosa do Poder Legislativo ao barrar processos de demarcação de
terras indígenas e promove a distribuição de terras para o agronegócio; quando
interpretações do Poder Judiciário subvertem o sentido da norma constitucional
(como é o caso da tese do “Marco Temporal e o Esbulho Renitente”).[4]
Bruno da
Cunha Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio – FUNAI por nove
anos, foi exonerado em 2019 da Coordenadoria que cuida de índios isolados e de
recente contato. Encontrava-se há um ano na função. “Era apontado como um
defensor dos povos indígenas e atuante na fiscalização de invasores, como
garimpeiros, pescadores e madeireiros”. Faz sentido o comentário feito por um
pesquisador, de que “não tivesse estrangeiro, Bruno seria só mais um”. Sua vida
não pode ter sido em vão, a exemplo do jornalista Dom Phillips.
O
direito à vida, previsto no art. 5º da Constituição Federal de 1988, está
situada no campo dos direitos e garantias fundamentais. Para que serve, se não
for cumprida e punida para quem lhe dá fim? Ou a nossa Constituição escrita “tem
suas raízes nos fatores do poder que regem o país”, segundo prevê Ferdinand
Lassalle? Afinal, a Constituição do país nada mais é do que uma folha de papel
que expressa a vontade dos detentores do poder, aplicando-a quando lhes convém?
Mais pessoas têm sido covardemente assassinadas no Brasil
por defenderem a nossa floresta amazônica, a exemplo de Chico Mendes,
assassinado em dezembro de 1988 na porta de sua casa, em Xapuri, no Acre, por
Darcy Alves da Silva, a mando de seu pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva. Em
1987, Chico Mendes havia recebido da ONU condecoração por sua luta em defesa do
meio ambiente.
A religiosa Dorothy Mae Stand, conhecida como irmã
Dorothy, líder que defendia reforma agrária no Brasil, quando se encontrava com
73 anos de idade, foi assassinada em Anapu, sudoeste do Pará, a mando de
fazendeiros.
Até hoje não foi esclarecido pela Polícia Federal do
Amazonas o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, ocorrido em
setembro de 2019, com dois tiros na nuca na avenida da Amizade, principal via
pública de Tabatinga – AM.
O Estado de Direito Democrático brasileiro precisa
resistir a estes tempos sombrios em que campeia o radicalismo, a impunidade e a
crescente sensação de abandono da União em defesa do povo que representa, de
nossas riquezas nacionais, nelas incluindo os povos indígenas e a floresta
amazônica.
Se um grande povo
não acreditar que a verdade somente pode ser encontrada nele mesmo [...], se
ele não crer que apenas ele está apto e destinado a se erguer e redimir a todos
por meio de sua verdade, ele prontamente se rebaixa à condição de material
etnográfico, e não de um grande povo. Um povo realmente grande jamais poderá
aceitar uma parte secundária na história da humanidade, nem mesmo entre os
primeiros, mas fará questão da primazia. Uma nação que perde essa crença deixa
de ser uma nação. (Dostoievski. 1871)
O Brasil precisa se reencontrar, com urgência, antes de
ver destituído, em definitivo, de suas riquezas, de suas conquistas, de seus
valores, de sua identidade, de sua cultura!
Parnaíba
– PI, 17 de junho de 2022
Paulo
Cesar Lima
Presidente
da APC
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