Reginaldo Miranda |
De Jerumenha a Pastos Bons[1]
(Antonio Fonseca dos Santos Neto, da Cadeira 11 da Academia de Pastos
Bons, da Cadeira 1 da Academia Piauiense de Letras, da Cadeira 27 da Academia
Passagense de Letras e Artes – e membro honorário da Academia Caxiense de
Letras).
A Academia de Letras, História e
Ecologia de Pastos Bons, ao completar os 15 anos de sua instalação, associa a
esse ato celebrativo, a posse de um novo membro, com ânimo de significar a
construção de sua perenidade. O sentido de imortalidade acadêmica de que tanto
se fala é constituído dessa maneira: as cadeiras têm pessoas que se sucedem
para cultivar e manter viva a obra de quem o silêncio calou a voz sonora.
Estamos aqui para apresentar ao
corpo acadêmico e a seus convidados, o cidadão Reginaldo Miranda da Silva, novo
e segundo ocupante da cadeira 9, antes ocupada pelo escritor e jornalista
Herculano Moraes, e que tem como patrono Félix de Valois de Araújo.
Reginaldo nasceu na cidade
piauiense de Bertolínia, no vale do Gurgueia, parte do território histórico de
Jerumenha, no dia 17 de agosto de 1964. Seus pais são Dona Eunice de Miranda e
Silva, também natural de Bertolínia, funcionária pública da prefeitura de
Bertolínia, e Abdon Rodrigues da Silva, natural de Canto do Buriti, também
cidade e município no dito vale, fazendeiro e também serventuário da Justiça em
Bertolínia. Distingo mais o avô paterno de nosso recipiendário, que tinha o
nome sugestivo de Joaquim José Mariano da Silva Brasil, um professor de
primeiras letras e poeta.
Ainda sobre a ambiência em que
existiram os avoengos das gerações mais distantes na história familiar do novo
acadêmico Reginaldo, lembro que a grande região sul do atual Piauí, o extremo
oeste de Pernambuco, a faixa baiana do lado esquerdo do rio São Francisco, e o
grande sul do Maranhão, têm, a unir todos esses rincões, alguns troncos
familiares entre os mais grossos do tempo colonial, com uma parentela estendida
por essas antigas capitanias, hoje estados. O que tem muito pouco – ou
praticamente inexistente, são maranhenses vindos do litoral e das Baixadas do
Maranhão das origens.
Vamos tomar o exemplo do mais
adensado desse tronco familiar existente na referida geografia dos quatro
estados: os Coelho, que todos sabemos chegaram como donatários de Pernambuco,
ainda no primeiro século da colonização – liderados pelo famoso Duarte Coelho.
Foi aqui no norte da América portuguesa o único capitão donatário que não
absentiu, Várias gerações dos Coelho herdando o território capitanial que
incluía o que hoje são a metade sul do Piauí e a metade sul do Maranhão e até o
norte do atual Tocantins. Uma das provas dessa relação “genética” territorial
de Pastos Bons com Pernambuco, atravessando o Piauí, é que sua velha paróquia
de São Bento é uma fração do bispado de Olinda-Recife – aliás, uma fração
gigantesca – e não, do também antigo bispado de São Luís do Maranhão, aquele e
este criados em 1676 e 1677. Pernambuco já uma prelazia desde o início do
Seiscentos.
No terceiro século do logro
colonial, chegou a essa região, para viver e criar gado, um homem que muito
nome deixou por aqui, e também muitos filhos: Valério Coelho Rodrigues,
consorciado a uma “paulista”, Domiciana Vieira de Carvalho – casal fundador da
cidade de Paulistana, num Piauí que é quase Pernambuco. Não se encontra
estabelecido que Valério era parente próximo de Duarte, contudo, seu
protagonismo, e prole, estão significados no tecido familiar-parental da grande
região sertaneja, de agricultura, criatório e extrativismo, configurada na
espacialidade geográfica que acima se aponta e que o autor do Roteiro do
Maranhão ao Goiás pelo Piauí, pretendeu fazer capitania real não-marítima, para
ordenar e florescer culturalmente a vida nos Sertões de Dentro.
Pois, do vale do Gurgueia desse
Sertão de Dentro, e das ramas desse coelhado carvalhano, da Paulistana, pelos
domínios gurgueanos, vem o nosso novo irmão acadêmico, para assentar nesta
valorosa Academia de Pastos Bons. Academia idealizada pelo jurista Celso Barros
Coelho, implantada sob sua forte liderança e concurso de conterrâneos e afins
que atenderam – e atendem – a esse verdadeiro chamado aos cultivos da boa
cultura. Instituição que é, já, uma Casa cujas atividades impactam, por década
e meia, a vida da mais longeva municipalidade da metade sul do Estado do
Maranhão.
Por que a Reginaldo Miranda, um
piauiense, foi colocada a sugestão de fazer Cadeira, aqui, e os pares o
elegeram, com entusiasmo?
Diga-se mais: Reginaldo tem um generoso
tributo em pesquisas e livros, de sentido historiográfico, que desvelam a
formação social-histórica do sertão do Piauí, da qual o antigo Pastos Bons é
parte indissociável, na dinâmica da implantação colonizadora desde a era
seiscentista. Jerumenha histórica, que vinca o berço do novo acadêmico,
repita-se, é, por exemplo, irmã gêmea de Pastos Bons, em tudo vizinhas e
intercambiantes por quase um século, entre o Seiscentos e Setecentos, época em
que o rio não marcava uma divisa geopolítica entre Piauí e Maranhão, contudo
marcava – e marca – uma via fluvial a fecundar as ribeiras e unir as gentes de
um lado e do outro. Seria somente mera coincidência, ser uma gente,
sobrenominada Ribeiro, uma das mais expandidas do imenso vale médio do rio
Punaré, depois chamado de Parnaíba?
Contemplemos as cartas
geográficas e veremos que Bertolínia é uma freguesia, hoje município distinto
de Jerumenha e defronte a Nova Iorque, nova, filha das injunções do alagamento
da Boa Esperança. Nova Iorque? Um notável quase bairro de Pastos Bons – com
todo respeito!
O recipiendário desta noite vem
para muito contribuir com estudos relevantes tão ainda faltos nos municípios da
mesorregião médio parnaibana, a zona leste-sul do Maranhão e também o valongo gurgueiano. Será um grande acadêmico,
sucedendo a outro dedicado filho do sul piauiense, Herculano Morais, filho,
cujo nome está entre os fundadores desta casa, em 2005.
Reginaldo Miranda da Silva é
bertolinense, já se disse. Feitos os estudos primários no ardor do berço
nativo, ainda adolescente, foi estudar em Teresina, a bela cidade verde, como
lhe chamou o escritor Coelho Neto.
Este não é o primeiro sodalício
acadêmico que o confrade Reginaldo integra. Ele é o quarto e atual ocupante da
Cadeira 27 da Academia Piauiense de Letras, entidade que presidiu com destacado
êxito. Historiador, contista e cronista. Antes graduara-se em Direito, pela
Universidade Federal do Piauí (1988), logo a seguir estabelecendo-se com
escritório de advocacia. Na vida pública, foi vice-prefeito em sua terra natal.
As obras que escreveu e publicou são muitas, entre as quais, Bertolínia:
história, meio e homens (1983); Cronologia histórica do município de
Regeneração (2002); São Gonçalo da Regeneração, Aldeamento dos Acoroás (2003).
Recentemente, pela APL, publicou, Piauienses Notáveis, robusto livro que
perfila figuras que marcam a história brasileira em chão do Piauí e arredores.
A Academia de Pastos Bons se
alegra grandemente ao receber o novo ocupante da Cadeira 9.
Integre-se, caro recipiendário, no
berço afável dos Pastos Bons, que você já conhece, de ver in loco, e sobretudo
de nele imergir pelos vários relatos e outras memórias que sobre essa projeção
histórica do Piauí foram assentados.
Em sua homenagem e vincando este
rito de chegada, inscrevo aqui uma passagem de Dom Frei Manuel da Cruz, que foi
o instituidor da freguesia de São Bento em Paróquia, no distante ano de 1741, e
que também é autor da primeira notícia dada sobre o lugar “capital” das
imensidões, então, ainda incertas, do sertão dos “pastos bons”. Disse ele, o
primeiro bispo que pisou os pés no sul do Maranhão, em longa Visita Pastoral
feita entre agosto de 1742 e janeiro de 1744 :
“[saindo de Parnaguá, que é a
estrada real dos sertões deste bispado...]. Desta paragem em que se ajuntam
estes dois rios [Parnaíba e Balsas] quatro dias de jornada pela [ribeira da]
Parnaíba abaixo, tornei eu a passar a dita Parnaíba para a nova freguesia de
São Bento dos Pastos Bons, que já situada na Capitania do Maranhão na mesma
chapada adiante nasce o rio Itapecuru; e muito mais adiante em uma serra mui
alta o Mearim [...]. Mas deixados estes futuros, visitada a freguesia de São
Bento que está situada entre a Parnaíba e Itapicuru, distrito o mais delicioso,
e fértil que achei em todo o sertão...”. O bispo está escrevendo “para o
Reverendíssimo padre-mestre doutor frei Manuel da Rocha” que está em Portugal
(Copiador das Cartas de Dom Manuel da Cruz, p. 120-121).
Dom Manuel escreveu essa carta em
1744, quando de volta a São Luís e dando conta de sua longa viagem de “visita
geral ao sertão do bispado”, capitania do Piauí, todas as freguesias, e partes
da capitania do Maranhão.
Feita essa menção de documento
que é matéria que acalanta o labor de nosso recipiendário, agora se faz
necessário parar este discurso, para se tenha outras audições nesta sessão tão
significativa.
Senhor Reginaldo Miranda da
Silva: aqui estais por diletante vaidade pessoal? Claro que não. Aqui viestes
para ombrear esforços da grandeza cultural que a mística do academismo suscita
e dos combates justos que a agremiação ouse enfrentar? Claro que sim. Pois
aproxima-se, dizei mais sobre os nativos Amanajó, os Timbira todos; dizei muito
dessa terra e gente sopradas pelos “ventos gerais” tão poeticamente cantados
por nosso confrade comum Pedro da Silva Ribeiro, filho da histórica Tróia, da
ribeira esquerda, e nascido no vale do Engano, do lado direito do
Parnaíba.
Esta Casa te convoca à
confradagem, mais uma: esta que solenizamos nesta sala virtual, e nos arquivos
das nuvens. Logo mais, mirarás o Pinga – em nossos recônditos de sertão as
serras pingam e criam vales verdejantes plenos de vida; verás a fonte do Senhor
São Bento – águas “bentas”, águas mornas que saem de uma loca do chão e erguem
a própria localidade, no concerto das cidadelas do mundo; visitarás os Fortes –
e até e quem sabe – verás o Jacarandá das meninices inebriantes do nosso mestre
necessário, Celso Barros Coelho, um ícone dos dois lados do Punaré, dos vários
lados e instâncias do Brasil. Ah! Ouvirás das serranias em dobras, os brados de
uma República antecipada, a República de Pastos Bons! Que o Brasil sitiou.
Em nome da Casa, bem-vindo
sejais! Jerumenhas, minhas também; Bertolínia, avoenga de tantos Rocha; “Oh!
Pastos Bons” – parafraseio o versejar do teu Hino... “Tu és cidade, a mais
linda de todo / o Sertão. // Seus filhos trabalhadores / lutando pela verdade,
/ na luta do dia a dia / conquistaram a liberdade”.
Assenta-te na Cadeira. E espera,
de pé, o banho das doces brisas dos pastos culturais desse lugar de gente
bendita.
Dito.
[1] Discurso proferido pelo acadêmico Antônio Fonseca dos Santos Neto, em sessão acadêmica, sala virtual, em 12 de maio de 2021, em recepção ao acadêmico Reginaldo Miranda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário