quarta-feira, 30 de agosto de 2023

NA CASA DO ESTUDANTE E NO LICEU


 

NA CASA DO ESTUDANTE E NO LICEU


Elmar Carvalho


Passando ontem pela rua Rui Barbosa, em direção ao bairro Tabuleta, vi o velho prédio da Casa do Estudante, que fica perto do Verdão e do Estádio Lindolfo Monteiro. Recordei o jovem de 16 anos, prenhe de esperanças e de sonhos, que fui um dia. Nessa época, consegui com o Gilberto Ferreira, então seu presidente, meu conterrâneo, uma vaga, disputadíssima, considerando que em 1973 poucas cidades do interior do Piauí possuíam o 2º Grau.

Cheguei a esse abrigo em março desse ano, na época das chuvas, com pouca bagagem e uma velha cama de campanha, de lona verde, creio, que meu pai tinha e me deu. Os apartamentos já estavam lotados, de modo que fui designado para ficar num grande alojamento, que mais se assemelhava a uma enfermaria de um hospital público, com dezenas de camas bem próximas, espalhadas pelo vasto recinto.

Restou-me um local perto de uma janela de venezianas. Na hora, não atinei por que aquele local ainda estava vago. De repente, acordo atordoado, em meio a grande alvoroço. Chovera, e todos que ficáramos perto da janela recebíamos os respingos da chuva. Não me recordo de como consegui voltar a dormir. O chamado prédio novo estava quase concluído. Os veteranos iriam ocupá-lo.

O Gilberto Ferreira, irmão do Paulo Ferreira, hoje médico bem-sucedido e humanitário, dono do Hospital das Clínicas de Teresina, e do Clemilton, de estrepitosa e contagiante gargalhada, meus amigos, prometeu que os quatro de Campo Maior iríamos “herdar” o seu apartamento, que era um dos melhores do prédio velho, tão logo ocorresse a mudança.

O quarteto éramos eu, o Rui Lima, o Edmar Pinto, já falecido, um dos maiores craques do futebol piauiense, e Alfredo da Paz Neto, hoje advogado da CEPISA. A promessa foi cumprida. As instalações hidráulicas e elétricas eram antigas e já estavam comprometidas, de modo que, às vezes, sofríamos pequenos choques, na hora do banho, o que me deixava sempre apreensivo.

Quando eu passava o final de semana em Teresina, o principal lazer consistia em irmos, em pequenos grupos, a pé, à Praça Pedro II, e contemplarmos os volteios das raparigas em flor, na expressão feliz e poética de célebre escritor.

Eu estudava, à noite, no velho Liceu Piauiense. Quando meu pai foi ali me matricular no primeiro ano do antigo Científico, recebeu a notícia de que não havia mais vagas, o que foi um choque para mim. Meu pai pediu para falar com o diretor. O professor Olímpio Castro nos recebeu. Meu velho lhe explicou a situação, tendo ele dito que só dava para arranjar uma vaga no turno da noite. Dei-me por satisfeito, e fui matriculado.

Achava bonito, como mais ainda acho, o velho educandário. Contemplava, encantado, o seu auditório, e menino-poeta interiorano me sentia o próprio Castro Alves, a recitar os seus versos condoreiros no Teatro Santa Isabel, no Recife. Eu havia lido o ABC de Castro Alves, de Jorge Amado, e aquilo tudo me deslumbrava. As estátuas das mulheres, simulando verdadeiras cariátides, que pareciam sustentar o teto do auditório, se me afiguravam enormes e belas deusas gregas, e a minha imaginação me transportava à Grécia de que ouvira falar através de minhas leituras.

Pouco tempo atrás, revi esse auditório. O recinto já não me pareceu tão grande, e as mulheres já não me pareceram deusas e nem tão belas. Era a diferença entre as perspectivas de um rapazola ingênuo, cheio de sonhos, expectativas e devaneios, e um homem maduro, que já não acalenta ilusões.

Saudoso de minha terra e de meus pais, voltei, como diz a música do Roberto Carlos. Lá concluí o primeiro e fiz o segundo ano letivo. Tive bons mestres, cujos nomes, com alguma involuntária omissão, declino: Altivo da Costa Araújo, odontólogo, homem bom e bem-humorado, José Martins, bioquímico, meu irmão maçônico, Luís Francisco Miranda, meu vizinho, em cuja motoneta, uma Vespa ou Lambreta, peguei carona algumas vezes, Iracema Gomes e Margarida Alacoc, todos competentes e dedicados.

De modo que o meu retorno ao aconchego do lar paterno e materno em nada me prejudicou. 

5 de junho de 2010

Com muita satisfação, recebi, por WhatsApp, o comentário abaixo do amigo e poeta Wilton Porto:

Caneta de um Mestre das letras.

O Liceu tem uma arquitetura de imponente atração. 

Fincado após uma praça de área sugestiva, não tem como não chamar a atenção.


Nunca adentrei naquele educandário. O próprio Olímpio escreveu um livro sobre essa escola.


O "menino-poeta interiorano", hoje tem muitos auditórios à disposição para declamar e ser aplaudido.


Aprendi que, temos que sonhar grande. Ninguém conquista nada, se nos alforges de viagem, não tiver sonhos dourados e imensos.


Elmar sempre foi um el mar de sonhos, potencialidade literária e inteligência plausível.

Parabéns, por mais uma crônica iluminada!  

3 comentários:

  1. Sempre admirei a imponente arquitetura do Liceu Piauiense. Sempre conclui que a arquitetura da escola é um atrativo a mais. Como o da arquitetura antiga dos Colégios das Irmãs e do Diocesano, os quais estudei e sempre admirei. Uma curiosidade, na época do Diocesano, as salas ainda eram no ventilador, quando todas as escolas já possuíam os refrigeradores de ar.

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  2. Poeta, duas coisas em comum com o seu belo texto: primeiro, estudei no Liceu nos anos setenta também, mais precisamente nos anos 70 e 71, e também à noite. Segundo, fui conhecer a Casa do Estudante nessa época para uma visita ao amigo Vagner Moura, dentista e professor da UFPI, que residia por lá. Ele me levou para conhecer o quarto em que dormia, exatamente o salão enorme e cheio de camas de campanha espalhados por todos os lados, molas rangendo feito cãezinhos esfomeados. Era noite e muitos estudantes estavam deitados já àquela hora. Não esqueço uma frase bem humorada dita por um deles quando me viu entrar naquele imenso salão: Ele começou a bocejar estrepitosamente, e um colega ao lado, para coadjuvá-lo, perguntou-lhe: Por que você não dorme? Ao que ele respondeu: Não posso, tenho visita!
    Se referia a mim, o gaiato. Foi uma gargalhada geral e estrondosa no imenso salão.
    Depois, fui lá algumas vezes para assistir a alguns jogos no Lindolfinho diretamente de uma janela no segundo andar daquele velho prédio. O problema era que só dava para ver uma das traves, a que ficava do lado direito. Tornava-se um suplício observar os jogadores atacando para o lado esquerdo do campo, e depois sumindo das nossas vistas. Tínhamos que aguardar pelo grito ou não da galera para saber se havia sido gol. Muitos profissionais de renome da nossa terra hoje, dormiram e sonharam grande naquele velho depósito de estudantes, meu caro amigo.

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