quinta-feira, 28 de novembro de 2024
terça-feira, 26 de novembro de 2024
Mistérios da vida, do tempo e do espaço
Mistérios da vida, do tempo e do espaço
Elmar Carvalho
O acadêmico Jônathas Barros Nunes postou no grupo de WhatsApp
da APL a seguinte fotografia de uma
galáxia,
“Colegas, é simplesmente alucinante!
ESTA GALÁXIA IC1101 É
UMA DAS MAIORES JÁ OBSERVADAS ATÉ HOJE, NO UNIVERSO!
Os Astrônomos estimam que seu diâmetro seja de milhões de
anos-luz, o que faz com que NOSSA VIA LÁCTEA, comparada com ela, seja tão
minúscula.
Por outro lado, a IC 1101 está localizada a mais de um bilhão
de anos-luz da Terra e contém cerca de 100 trilhões de estrelas.
Tenho por vezes, meditado!
Acho que há um certo exagero quando CARL SAGAN afirma que o ser humano é
apenas e tão somente um grão de poeira cósmica atravessado por um raio de luz.
Na verdade, acho que não chega a ser nem isso!”
Ante seu comentário, postei o seguinte:
Comandante,
Nessa área, quando a gente pensa que já viu quase tudo, descobre que ainda
não viu quase nada.
Ele, então, retrucou:
“Noite de preamar! Bom dia, Comandante Elmar!
Se non é vero, é Bene trovato!”
Fiz, então, uma série de indagações:
E aí eu me pergunto: como um negócio tão descomunalmente
grande poderia sair do nada?
E como o nada poderia criar
algo tão complexo como um ser vivo?
Sequer conseguimos definir ou explicar de forma precisa o
que seja a vida.
Essa galáxia é estonteante em sua grandeza.
Estou me deleitando agora com a Enciclopédia Britânica para
curiosos, que fala dessas coisas de forma didática.
O nosso corretor automático é surpreendente; quando escrevi deleitando, ele (me) corrigiu para deletando. E aí, diante dessa gigantesca galáxia, eu me senti um nadinha de nada. Kkkkkkk.
O Comandante Jônathas contra-atacou:
“Cmte Elmar, suas indagações fazem sentido.
Acredito que essas mesmas indagações povoaram a mente de
Einstein e de Carl Sagan!
Como consequência, o primeiro acabou oferecendo ao mundo a
mais bela de todas as teorias físicas modernas: a Teoria da Relatividade
Restrita, aos 27 anos de idade, e a Teoria da Relatividade Geral, já com 37
anos. O segundo, Carl Sagan, soube explicar de forma didática algumas das
questões mais intrigantes da Ciência, e graças a ele existe hoje um aparelho em
funcionamento permanente, noite e dia, vasculhando a possível chegada de algum
sinal de vida inteligente no espaço galático.”
Não sendo mais jovem, mas ainda sendo ousado, revidei:
Verdade. E para relaxar, segue um poema de minha autoria, tangenciando essa temática:
EM TRANSE
Superando a relatividade
do tempo e do espaço,
quero não estar ao mesmo tempo
no tempo e no espaço.
Indo além
da barreira do tempo e do espaço,
eu galguei o infinito
ao ficar infinitamente
pequeno.
Projetando-me
além do tempo e do espaço,
eu vi o caos
do nada.
Perdido no
tempo parado
e no espaço desfeito,
vi sangues azuis,
cobras multicores,
lagartas de fogo
e outras alucinações
girando vertiginosamente
em apocalíptica
coreografia.
E eu para sempre
fiquei perdido no
tempo e no espaço
perdidos em vão.
Após quase três horas, em que Jônathas Nunes deve ter entrado
em hibernação e altas ruminações mentais, ele arrematou nosso diálogo com chave
de ouro, graças à sua grande inteligência e elevados conhecimentos científicos,
em que analisou meu poema à luz da física, da metafísica e de sua criativa
especulação interpretativa:
“Comandante Elmar,
Bravura de poema! E como você relata, elaborado em estado de transe! Vale dizer, com os circuitos neurais, para além do espaço-tempo!
Nessa situação vivida por você na elaboração desse poema, EM ESTADO DE TRANSE, quero crer se tornam aplicáveis algumas das conclusões da Teoria da Relatividade Geral, de que qualquer fragmento de matéria ou energia(massa de repouso zero), viajando a velocidade da luz, 300.000 km/s, o tempo para de passar. Em transe, a sensação é a mesma: o amigo ter a sensação de que “galgou o infinito” é a mesma de que o infinito se tornou, durante o transe, infinitamente pequeno para ele. Uma primeira consequência deste fenômeno incrível é que desde o momento em que um fóton(massa de repouso zero) é produzido até o momento em que é aniquilado, nem sequer uma fração de segundo passa por ele. Mesmo que o fóton seja gerado numa estrela muito distante e viaje através do cosmos talvez por bilhões de anos, pois o tempo para ele, não corre, não passa. Do ponto de vista dele, tal como para uma pessoa no ESTADO DE TRANSE, o universo parece congelado para sempre. O bom dessa história toda é que o fóton nasce e morre sem se dar conta da travessia! Já o fragmento de matéria complexa sai dele vivo, embora sem entender o que fez lá dentro.”
domingo, 24 de novembro de 2024
ALGUNS HAICAIS
ALGUNS HAICAIS
Elmar Carvalho
SIMBIOSE AMOROSA
para que me ames
e eu te ame.
ASCENÇÃO
e em cada pingo dizia:
– Saiba cair.
TROVÃO
brincando de trocar
tiros de foguete e rojão.
AMOR
na mesma medida
em que se é possuído.
CHUVA
debulhada em bagos
de água.
RELÂMPAGO
a brincar com
fogos de artifício.
sábado, 23 de novembro de 2024
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
NAQUELA MESA
NAQUELA MESA
Elmar Carvalho
Contou-me Neto Leal, outro dia,
que embora seu pai não bebesse, nunca lhe recriminou as libações. Ao contrário,
quando estava bebendo, seu velho se sentava a sua mesa, para conversar e lhe
fazer companhia. Chegava mesmo a lhe trazer tira-gosto. Sem dúvida, amava o
filho e procurava lhe ser útil, agradável e gentil. Certamente, o rebento fez
por merecer essas dádivas e considerações paternas.
Anos depois, creio que já na
maturidade, Leal estava num barzinho, curtindo umas músicas de seresta, quando
o trovador cantou a música elegíaca Naquela mesa, de Sérgio Bittencourt, que se
celebrizou como jurado do programa de Flávio Cavalcante, por muitos proclamado
como o Rei da Televisão. Sérgio imortalizou-se com essa música, sobretudo
através do gogó de ouro de Nelson Gonçalves, na qual homenageou seu pai, Jacob
do Bandolim, notável virtuose desse instrumento musical, de acordes quase
celestiais.
Ao ouvir essa melodia, os olhos
de Neto Leal marejaram, e ele se retirou do recinto. Seu pai falecera fazia
poucos meses. O seresteiro, ao perceber a “mancada”, lhe foi pedir desculpa por
ter cantado tão sentida endecha, como diziam as belas letras das músicas de
outrora, verdadeiros poemas, de rico conteúdo e de versos rítmicos e elegantes,
que se harmonizavam com as bem elaboradas melodias da Velha Guarda.
Esse depoimento, me fez lembrar
um episódio de que foi protagonista meu amigo Otaviano Furtado do Vale.
Acredito que o fato se passou aproximadamente em 1973 ou 74, pois eu devia ter
17 ou 18 anos. Seu pai, o senhor João Capucho, também havia falecido fazia
poucos meses. Havíamos tomado umas talagadas de serrana, para esquentar as
turbinas, e seguíamos em direção à Praça Bona Primo, à cata de alguma lebre,
como dizia célebre colunista social de então.
De repente, o velho jovem
Otaviano começou a cantar essa música de evocação saudosista ao pai falecido.
Nunca esqueci essa cena simples, mas comovente em sua singeleza. Talvez seja
uma das maiores homenagens que um adolescente poderia prestar a seu pai. Não
foi apenas uma cena patética, sem nenhuma conotação pejorativa a essa palavra,
porque sempre que ele vem de visita ao Piauí, posto que mora em Brasília há
várias décadas, nunca deixou de rever o jazigo de seu pai, no cemitério São
João de Campo Maior.
Essa homenagem me faz recordar um
belo poema do bardo Manuel Bandeira, em que ele pede ao leitor que fosse à cova
de seu pai e rezasse, não pelo pai, mas pelo filho, pois este teria mais
precisão. E arremata o poema se declarando “morto ali”.
28 de setembro de 2010
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Sobre uma obra que já nasce eterna!
Sobre uma obra que já nasce eterna!
Claucio Ciarlini (*)
Algumas vezes já afirmei isso, mas faço questão de neste espaço repetir: as melhores obras literárias são aquelas que, além de trazerem um rico enredo, ainda conseguem nos transportar para as nossas próprias lembranças. São livros deste naipe, que possuem a força de não só tocar nossas mentes, nos deixando mais sábios, como também alcançar os nossos corações. E isso é uma marca presente na maioria das obras do escritor (e ser humano) Altevir Esteves. Com esta mesma confiança, digo que as próximas páginas, premiado leitor, consistem no auge de tudo que Altevir vem produzindo durante os anos, ao menos no quesito já mencionado, ou seja, o de conseguir atingir nosso intelecto, mas também mergulhar na nossa alma, as nossas sensações.
“Escapei Fedendo” é um título um tanto cômico, e o livro também o é em alguns momentos, assim como outros lançamentos do autor, sempre trazendo pitadas preciosas de humor. Porém não se engane, consiste apenas em recurso para que a leitura se torne mais prazerosa. O mesmo digo da ação, das aventuras e do suspense contidos nestas linhas muito inspiradas. Artifícios de um experiente homem das letras que sempre consegue nos prender e nos cativar a cada produção. E nesta, em especial e na minha humilde opção, foi a que mais obteve sucesso. Porém, a maior força desta obra, certamente está na parte dramática, nos instantes em que somos pegos de surpresa, por momentos pra lá de emocionantes, lições de vida forte demais para os nossos sentidos não se comoveram durante o processo, fazendo com que as narrativas se tornem eternas, assim como inesquecíveis são as histórias dos grandes clássicos, de Assis Brasil, Fontes Ibiapina, Elmar Carvalho e outros grandes.
Este livro nasce assim, independente da repercussão que ele irá ter, já nasce eterno. Bem idealizado, escrito e organizado. Com um diferencial importante, de que praticamente não há momentos monótonos ou desnecessários. Tudo é muito bem encaixado, nos momentos precisos, fazendo com que nossa atenção seja a todo o tempo mantida. Isso é ṕara poucos. E assim é Altevir Esteves, alguém que sempre consegue em seus livros, tanto nos prender, como nos fazer refletir, emocionar. Dizer mais do que isso, será estragar a experiência, como dizem hoje em dia, seria “dar spoiler”, de uma das mais incríveis obras que já tive contato, e olha que já andei lendo muita coisa nesta vida (além de também ter escapado de poucas e boas).
(*) Escritor, editor e jornalista cultural. Membro da APAL.
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
terça-feira, 12 de novembro de 2024
O CANAL DE SÃO JOSÉ EM PARNAÍBA
Fonte: Google |
O CANAL DE SÃO JOSÉ EM PARNAÍBA
Vicente de Paula Araújo Silva
Desde o ciclo econômico do Couro na Villa
de São João da Parnaíba, as embarcações de maior porte não tinham acesso ao
Sítio dos Barcos, devido a barra do Rio Igaraçu em Amarração, ser muito rasa,
como é ainda. A partir dessa problemática, já no século XX, quando foi
incrementado o ciclo de exportações de
produtos agrícolas como o algodão, a cera de carnaúba, babaçu, borracha
da Maniçoba e outros produtos agrícolas, bem como, a importação de bens de
consumo domésticos, que eram negociados ao longo do Rio Parnaíba, os
empresários da cidade de Parnaíba, resolveram construir um canal de acesso do
Rio Parnaíba ao Rio Igaraçu, evitando o trecho existente no braço do Parnaíba,
que passa pela Lagoa do Bebedouro e chega até as proximidades do Riacho Molha
Bunda no atual bairro São José. Visava
este projeto, encurtar a distância entre Tutoia e Parnaíba facilitar à veiculação de embarcações ao
Ancoradouro de Tutoia e região do Alto Parnaíba, melhorando assim os seus
negócios comerciais no país e exterior, através do porto fluvial de Parnaíba,
que na época já era conhecido como Porto Salgado. Sobre o assunto, o Almanack
da Parnahyba, edição de 1925, mostra, em
artigo publicado, o seguinte trecho: “ O Porto de Amarração, o Cáes de
Parnahyba, o Canal de São José, a navegação fluvial, o transporte por Tutoya, e
tantos outros importantes serviços públicos, que homens superiores , como o
espírito trabalhador e dedicado de Joaquim Pires, conseguiram iniciar,
reduziram-se a essa formidável fonte de afilhadagens e patotas, por onde se
escoam, sem proveito algum, centenas de contos dos cofres públicos!”
Mesmo com as mazelas mencionadas, a
abertura do canal foi dada como concluída pelo DNPVN (Departamento Nacional de
Portos e Vias Navegáveis) na década de 1940, e já existia em 1953, conforme
registra o documento emitido nesse ano
pelo Cartório do 1º Ofício da Comarca de Parnaíba - Auto de Arrolamento e
Partilha dos Bens deixados pela falecida Raimunda Moreira Cornélio - assim descrito: “HAVERÁ, para este pagamento,
UMA PROPRIEDADE RURAL, denominada Taboleiro, situada na Ilha Grande de Santa
Isabel, deste município, na parte agora também conhecida por Ilha do Taboleiro,
em virtude de estar separada da dita Ilha Grande por um, naquele tempo, pequeno
igarapé, só de inverno e atualmente, um canal trabalhado pelo govêrno e
denominado Canal de São José, por onde está se está fazendo a navegação
fluvial, propriedade que se limita: - pelo lado Sul, com um terreno cercado de Booth & Co. Ltd.; pelo lado Norte com
o terreno de Silvestre Moreira Lima; pelo lado Leste, com o rio Igaraçu, e
finalmente, pelo lado Oeste, com o referido Canal de São José,...”
Após a abertura do Canal de São José, a
chamada Ilha Grande de João Gomes do Rego “Barra”, foi dividida em duas partes,
as quais, atualmente têm as denominações de Ilha do Tabuleiro e Ilha Grande de
Santa Isabel, sendo esta última composta por áreas territoriais nos municípios
de Parnaíba e Ilha Grande do Piauí.
É importante salientar que depois da
abertura do Canal de São José, por ocasião da celebração do centenário da
Parnaíba como cidade, em 14 de agosto de 1944, três demandas econômica eram
notáveis para o desenvolvimento do Piauí :
Construção do Porto do Piauí, Continuação do leito da ferrovia da
Estrada de Ferro Central do Piauí até Teresina, e a plenitude da navegabilidade
do Rio Parnaíba. Hoje, após 80 anos, outras demandas são emergentes,
salientando-se o aproveitamento e realinhamento do atual leito da Estrada de
Ferro Central do Piauí, até a estrutura portuária em Luís Correia, para
consolidação da Zona de Exportação do Piauí.
O mapa a seguir datado de 1826, mostra
como era a situação da Ilha Grande de Santa Isabel, na formatação física do
Delta do Rio Parnaíba, antes da abertura do Canal de São José.
Fonte: Google |
domingo, 10 de novembro de 2024
NO REINO DO SURREAL
Fonte das imagens: Google |
NO REINO DO SURREAL
Elmar Carvalho
I – FUTEBOL
último rei
dec/apitado
fiz o gol
da vitória
com minha própria
cabeça
nas traves da guilhotina
(e o goleiro era o
carr’asco)
II – BASQUETEBOL
tomaram-me
tudo inclusive
o óbolo inútil
o bolo indigesto
a bola murcha
a bala de festim
a balada calada
alada
mas sem voo
mas ainda me sobrou
cabeça para arrancá-la
e enfiá-la
na cesta
III – VOLEIBOL
dei um saque
jornada nas estrelas
em minha
cabeça
de antemão coroada
com o louro/ouro
da vitória
minha cabeça descreveu
uma parábola
bola
sangrando
bola
singrando
o espaço como um
cometa
de cauda sangrenta
(depois a fiz troféu da
vitória)
sábado, 9 de novembro de 2024
O SERESTEIRO
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Passeio evocativo ao poeta Jamerson Lemos
Passeio evocativo ao poeta
Jamerson Lemos
Elmar Carvalho
Às oito da manhã do sábado
retrasado, conforme combinado dias antes, o médico Jamerson Lemos Jr., um dos
melhores ortopedistas de Teresina, chegou à porta de minha casa. Quando cheguei
a seu carro, vi que lá já estavam duas pessoas que eu não conhecia, cujos nomes
eram Helder Higino, que exerceu importantes funções no Banco do Brasil, e
Alessandro Andrade Spíndola, zeloso e dinâmico Defensor Público, como depois
fiquei sabendo. Fomos buscar o delegado de Polícia Civil, Roberto Carlos Sales
Silva, atual Corregedor Geral. Em seguida, fomos comer cachorro-quente na
região do Mafuá, mais precisamente na tradicional Lanchonete Estudantil.
O motivo principal de minha
presença nessa expedição à região de Santana do Gameleira, no município de
Timon, era para que eu revisse o sítio do saudoso poeta Jamerson Lemos, onde
estive tantas vezes, mais de 25 anos atrás, para degustar umas doses do velho
Ron Montilla ou de uma gim tônica. O bardo invariavelmente preferia o velho
pirata caolho e seu papagaio.
Não entrarei aqui em certos
detalhes e em certas conversas ao longo do percurso, já bastante modificado,
por causa da construção de várias casas e sítios à beira da estrada que segue
para Matões. Por volta das 10 horas, chegamos ao nosso destino, ou seja, ao
sítio, hoje administrado pelo Jamerson Jr., que melhorou a casa, construiu um
campo de futebol, uma ampla piscina, uma capela, e a área de lazer e
degustação, onde ficamos, que fica perto da escadaria que desce para o riacho
Gameleira.
Desde o início das tratativas
desse passeio, combinamos que ele seria evocativo ao poeta Jamerson. Assim,
avisei ao Júnior, que leria três poemas, por mim selecionados do livro Sábado
Árido, e faria um discurso. Logo no início das libações, preveni que pronunciaria
meu discurso em plena lucidez, para que nada pudesse macular a memória afetiva
e literária que eu tinha de seu pai.
Acordamos, então, que após a
quarta ou quinta cerveja, tomaríamos uma boa talagada do Ron Montilla deixado
pelo nosso poeta, falecido em 2008, em forma de cubra libre, ou seja, com
Coca-Cola e limão. Cumprido esse ritual, falei que começaria recitando três
poemas de sua autoria, com que me aqueceria para proferir o meu improviso. Após
desligado o som, com o necessário silêncio dos amigos, iniciei a minha fala,
cuja síntese segue abaixo. Espero não tenha sido uma enfadonha arenga.
Recordei que nesse sítio, então
simples, diria mesmo rústico, no melhor sentido da palavra, estivera várias
vezes, na segunda metade dos anos 80, mas sobretudo na primeira metade da
década seguinte, com minha mulher e nossos filhos, então meninos. Olhando a
floresta ao redor, observei que se mantinha bela, verdejante e muito bem
conservada; que as margens do Gameleira estavam bem definidas, sem sinais de
assoreamento, e que esse riacho, para minha exultação, ainda corria de forma
saudável e perene, sem interrupções de sua corrente ao longo de todo ano.
Evocando o poeta e amigo, lembrei
que muitas vezes estive com ele, não só em seu belo sítio, mas em locais e
eventos culturais diversos em Teresina. Não pude deixar de fazer referência ao
conhecido “bar do repórter”, de propriedade do saudoso Mauri Mauá de Queiroz,
cuja sepultura fica ao lado do jazigo que comprei, no Cemitério da
Ressurreição, de sorte que seremos vizinhos pela eternidade.
Nessas ocasiões, vi, algumas
vezes, o Jamerson pegar um guardanapo de papel e escrever um belo e impecável
poema, pode-se dizer que ao sabor do improviso ou repente. Eram poemas
bem-feitos, poemas feitos por um mestre, muitas vezes rimados e metrificados,
de alta sonoridade e ritmo, com esmeradas metáforas e outras figuras de estilo.
Em algumas oportunidades, quando
surgia o ensejo, o poeta, com a sua voz de timbres e entonações peculiares e o
seu característico sotaque pernambucano, declamava um de seus antológicos
poemas, fosse o que relatava a fúria do arimã selvagem, fosse o que falava das
botinas pesadas de areia, da areia de areais infindos, desérticos, fosse ainda
o que externava a angústia e o desespero dos afogados, não sei se dos Afogados
da Ingazeira da velha Recife de sua juventude, que também conheci em tempos
idos e vividos e malferidos.
Lamentei a morte precoce do
poeta, mas em qualquer idade que ele se fosse para mim seria sempre demasiado
cedo, pois ele muito ainda teria a dizer, alegrando o mundo com a força
encantatória de sua poesia.
Certa vez, no sítio Bom Jesus da
Lapa, que também poderia se chamar Bom Jesus do Gameleira, uma faísca arisca e
traquina atingiu a pequena palhoça, que cobria a churrasqueira. Em lugar de se
chatear, o poeta, ao olhar as chamas vorazes nas palhas, parecia admirar a
beleza das línguas ígneas. Esse incidente/acidente até me fez lembrar o
sanguinário Nero, que tinha veleidade de poeta, a contemplar a Roma imperial em
chamas, na intenção frustrada, dizem, de compor um poema épico, em que
pretendia, talvez, se ombrear a Homero. Só que Nero era apenas um perverso e um
poeta abaixo da mediocridade, enquanto o Jamerson era um condor a pairar sobre
os Andes da grande poesia. Tomado de emoção disse ainda outras coisas, que já
não consigo reconstituir com precisão.
Incontinenti, fez um emocionante
depoimento o Jamerson Jr., que nos contagiou. Relatou que certa feita pediu
perdão ao pai, “pelas vezes que me envergonhei de você”, ao que o vate
respondera:
“Deixa eu te
falar uma coisa. Quando eu era muito pequeno e até logo antes da adolescência o
meu pai era pra mim meu herói! Fazia coisas que eu não conseguia! Trocava uma
lâmpada, nadava em um rio, ia no fundo da piscina, me levantava nos braços e
por aí vai. Depois, me tornei um adolescente e meu pai, seu avô, virou pra mim
um obsoleto, atrasado; enfim, um cara fora de moda, talvez até mesmo um babaca,
com as suas lições sem sentido. Quando envelheci é que passei a entender os
segredos da vida e analisei toda a história de meu pai, os altos e baixos , e
tudo o que ele sofreu pra me criar juntamente com meus irmãos; só então percebi
que ele sempre foi aquele herói e eu é que, por um determinado tempo, havia me
tornado um grande babaca!”
Jamerson Júnior, de forma
arrebatada, arrematou o seu discurso, nos confessando que, então, dissera a seu
pai: “Obrigado, pai, por me perdoar e também por me chamar de babaca com tanta
delicadeza!” Não seria necessário dizer que o Júnior nos comoveu de forma
“covarde” e contundente.
Em seguida, surgiu no espaço de lazer uma
borboleta, que começou a esvoaçar sobre nós, em círculos ou de um lado para
outro. Numa de suas evoluções pude notar que a parte de cima de suas asas era
azul turquesa escuro, e tinha uma ilustração semelhante à de certas pinturas
abstratas. Após várias voltas, revoltas e reviravoltas, ela posou sobre minha
cabeça, mas de forma tão suave, que praticamente não lhe senti o toque, como se
ela fosse imaterial ou não tivesse peso.
Logo a seguir, ficou durante
alguns segundos pousada no copo térmico do Júnior, quando ele não se encontrava
presente. Perguntei se no local já aparecera algo semelhante, tendo a resposta
sido negativa. Ousei levantar a hipótese de que o espírito do poeta obtivera
permissão para nos aparecer na forma daquela esplêndida e brincalhona
borboleta, tendo todos concordado com isso, principalmente o Júnior.
Como último tributo ao poeta,
descemos a escadaria, longa e um tanto íngreme, em busca das frias águas do
Gameleira. Passadas mais de duas décadas sem rever esse local de banho, notei
que a paisagem estava um tanto mudada. Uma árvore que se debruçava sobre o
riacho, já lá não se encontrava. E uma minúscula coroa, que eu chamava de Ilha
da Utopia, como uma nova Atlântida, havia também desaparecido.
Contudo, para meu contentamento,
ainda havia muitas e grandes árvores frondosas e muitas palmeiras, sobretudo os
imponentes buritis, tanto na margem como na várzea defronte. De um lado havia
uma ribanceira alta, acentuada, daí a necessidade da escadaria a que me referi,
e do outro lado se descortinava a várzea, quase plana. Muitas vezes, nesse
local, vi o velho vate mergulhar e remexer nas pedras e na terra e trazer, em
suas mãos garimpeiras, belas conchas, que lhe despertavam genuíno prazer, em
simplesmente contemplá-las. Foi um banho refrescante, prazeroso, revigorante...
Algum tempo depois, finalizamos o
passeio e lazer, tomando um gostoso banho na bela piscina do sítio. Retornamos
a Teresina por outro percurso. Porém, antes de deixarmos a vivenda dos Lemos, o
Júnior parou o automóvel na frente da capela, onde dona Das Dores, sua mãe,
costuma fazer suas orações, e me pediu para elevar uma prece no interior da
ermida. Como demorei um pouco, me julguei no dever de dar a seguinte
explicação:
–
Já que tive de rezar, rezei direito.
ALGUNS POEMAS DE JAMERSON LEMOS
ARMADILHA
a música escorre pela noite
como estreito regato.
Igualmente minha mente
escorre pela noite.
isso ou aquilo, antes, depois,
uma rua tortuosa,
pequena cidade a ferver
distante.
quanto tempo fui tolo?
a música escorre pela noite,
pulsa como um coração.
DO MOVIMENTO À 'NOUTE'
O mistério da espuma do mar
é não haver mistério algum.
Fundo longilíneo
maravilhoso o mar não se sabe um
convite à morte ao amor à
vida. Há mistério, há?
A espuma do mar longe de ser algo
incógnito, transcendental, flora
estrelinhas nas algas, águas,
sargaços e areia, namora
da luz às conchas, à lua minguante
e permanente se renova.
Do mar o mistério da espuma
inexiste – bolhitas ou escumas –
existe o mistério à bruma
de noite à noute uma a uma
a onda virada serpente
engole a solidão da gente.
NAS RUAS
não mais voltarei aqui
seguirei as curvas do vento
tentar não tendo
assim eu me perdi
nada do que vi vi
nisso me acalento
foi bom todo momento
vivi
subida descida
noite amanhecida
espuma do Mar
tempo sem bruma
lua me luma
ar
SONETO DA TERÇA
quando você se entristece
uma coisa qualquer se me entrista.
um gole de rum a mais que eu insista
é coisa pouca e você não esquece.
quando, porém, se nada teça
vida minha e pobre de artista
você me toca e me diz: desista
meu bom amor, amo-te na terça.
muito bem, tento-te de novo
alma de pombo, espírito de corvo,
sobras-te-me na estação.
volvo-me a ti amor em praia,
soluço de sol, sal de caia –
da casa, só a luz e verão.
UM SONETO
vou fazer pra você um soneto
rimado, consoante o seu olhar
de avenca e musgo do pomar —
mestiço escuro noturno preto.
um soneto solto, lírico no ar,
pétala-ninfa, luz no alto-mar,
lâmpada azul a clarear do teto
à cama — lâmpada-luz-objeto.
Pra você e esses seus cabelos.
belos.
Pra você.
um soneto rimado de sorrisos,
pequenina barca — S.O.S.
Estou nu, Vê?
terça-feira, 5 de novembro de 2024
JAMERSON LEMOS, UM POETA PERNAMBUCANO, MARANHENSE, PIAUIENSE…
JAMERSON LEMOS, UM POETA PERNAMBUCANO, MARANHENSE, PIAUIENSE…
Raimundo Fontenele
É o seguinte: a primeira vez que ouvi a
expressão “neomalditismo” foi quando o poeta Jamerson Lemos chegou com este
papo:
– É, poeta, sabes como é!...
O negócio é ser poeta neomaldito.
E realmente havia saído uma antologia da poesia francesa assim denominada: os
novos malditos. Pertenciam à herança cultural que nos legaram Villon,
Baudelaire, Verlaine e o genial Rimbaud.
Isso era no Maranhão dos anos
sessenta e nove e eu estava embalado pelo sonho de também me tornar poeta,
pois, apesar da pouca idade, já havia tentado de tudo para encaminhar-me
profissionalmente na vida, e sempre dera com os burros n’água.
O poeta pernambucano Jamerson
Lemos viera de Recife com seu pai, o Sr. Lemos, corretor imobiliário e em São
Luís se estabeleceram. Seu pai enviuvara, era isso, e lhe dava uma mesada com a
qual o poeta resolvia as necessidades mais prementes.
Na Praça Deodoro a gente se
reunia, uma patota de malucos, pra queimar um fumo e jogar conversa fora. O
Cafeteira, quando prefeito, fizera na praça uma espécie de arena, com vários
degraus, a qual chamávamos de Senado.
Foi ali que vi o poeta Jamerson
pela primeira vez. Parou, deu uns pegas num baseado, fomos apresentados um ao
outro e fiquei de lhe mostrar alguns poemas meus.
Lembro que no nosso próximo
encontro, quando lhe mostrei alguns poemas ele disse: “ainda és um poeta
verde”, mas me incentivou deveras. Ele já havia publicado seu primeiro livro de
poesia, o Superfície do Vento, bem recebido pela crítica e leitores. Compre
online os livros best-sellers
Fora também membro da Academia
Maranhense dos Novos, movimento de fôlego curto e vida efêmera, que contara
com, entre outros, o poeta Fernando Braga, já falecido, José Sarney, Edson
Vidigal e Marconi Caldas, entre outros.
Poesia enxuta, liberta, sem
máculas estéticas, herdeira da tradição da grande poesia greco-latina, mas que
trazia em si os signos contemporâneos, com uma dicção poética própria,
inaugurando tudo que é novo, na forma e no conteúdo, com um estilo original e
único.
E o poeta em si, um andarilho, um
inconformado, avesso a qualquer tipo de trabalho e de ação que burocratiza,
robotiza e nos torna secos e vazios, de fé e de alma, de consciência e
renovação constante, mudanças, transmutações psíquicas e experimentação essencial
na busca do ser que somos, embora nunca saibamos o quê, nunca estejamos onde
devíamos estar. E por isso a busca. E por isso o andarilho incansável dentro de
si mesmo, que era isso que o saudoso Jamerson Lemos era e foi.
O caminhante fazedor de
caminhos.
Um dia o poeta meteu na cabeça
que devia levar uma mala cheia de maconha de São Luís pra Recife. Com o
dinheiro publicaria seu novo livro. Era uma boa grana. Coitado, quando desceu
no aeroporto na capital pernambucana a polícia já o esperava.
Ele nunca me disse como, mas
alguém havia dedurado. O poeta amargou seis meses na prisão de Itamaracá.
Voltou pra São Luís apenas para uma breve passagem e mudou-se para Teresina
onde viveu até 2008, quando faleceu, prematuramente, aos 63 anos de idade. Falo
prematuramente porque certos amigos nós gostaríamos que fossem iguais a
Matusalém.
Jamerson Lemos é um poeta único
no panorama da poesia brasileira. Sem mídia, isolado numa região atrasada e
esquecida como sempre foi o nordeste brasileiro durante muitos anos, sua poesia
se iguala à melhor poesia publicada no Brasil a partir dos anos 70.
O Jamerson que conheço é esse: um
maldito como eu, segundo a tradição poética francesa do que esta palavra
significa. É o gauche de Drummond. O deslocado, o que não se adapta a uma
sociedade medíocre, desalmada, empobrecida pela burrice e a hipocrisia. E assim
nos acostumamos a navegar no barco ébrio, navio negreiro dos apátridas como nós
para quem o porto seguro está longe, não existe, ou é só miragem.
A seguir o poeta Jamerson Lemos
visto do ponto de vista formal, na biografia homenagem que lhe dedica o
escritor piauiense Francisco Miguel de Moura. E cinco momentos da mais alta e
inventiva poesia que, felizmente, frutificou entre nós.
JAMERSON LEMOS – BIOGRAFIA
Por Francisco Miguel de Moura
Jamerson Moreira de Lemos nasceu
em Recife (PE), em 22-12-1945 e faleceu em Teresina (5-8-2008). Filho de João
Batista Moreira de Lemos e Ornila Moreira de Lemos. Poeta, deixando sua terra,
viveu alguns anos em São Luís (MA), onde certamente se contaminou com a boa
poesia daquela Província iluminada, de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar, pra
não falar nos mais novos. Tanto é verdade que o seu primeiro livro foi editado
pelo Governo do Maranhão, com a participação da Academia Maranhense de Letras,
no final da década de 60, século XX. Sempre o parto do primeiro livro é longo,
por vários fatores que não cabe aqui explicar. Não poderia ser diferente com
Jamerson Lemos. Saiu com o nome da “Superfície do Vento”, 1968, seleção de um
calhamaço que me mostrara antes, com o título provisório de “Cerca de Arame”.
Depois publicaria ainda “Sábado Árido” (1985) e “Nos Subúrbios do Ócio” (1996),
ambos em Teresina. Deixou muitos inéditos, entre os quais “Istmo Soledad”, ao
qual dei um prefácio já publicado aqui e alhures, situando sua poesia e seu
fazer poético entre os melhores cultores da poesia-práxis, uma corrente
derivada do concretismo, cujos poetas brasileiros mais conhecidos são Mário
Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama e Adailton Medeiros (este natural de
Caxias - MA).
Esse modo de fazer poesia
valoriza o ato racional de compor e busca um sentido intercomunicante entre
versos e palavras, tudo integrado ao real quotidiano, objetivo, ou seja, o dado
social-histórico vai de braços dados com a poesia e a pesquisa semântica ou
semiológica. Quem mais se celebrizou neste “sertão-vereda” foi o João Cabral de
Melo Neto, pernambucano como Jamerson Lemos. A preocupação maior com letras,
sílabas e palavras do que com o espaço em branco ou preto da página faz da
poesia de Jamerson um antilirismo que a muitos preguiçosos assusta. Mas, se bem
observada, sua poesia é de um apaixonado das coisas belas, dos sentimentos mais
puros e da riqueza na expressão, num estilo que parece desinteressado da vida e
do real, deixando visível a veia do bom humor em todos os poemas.
A poesia-práxis é do Brasil dos
anos 60. O CLIP – Círculo Literário Piauiense, movimento daquela década, de
certa forma enquadra bem a poesia deste poeta que entrou para a convivência dos
clipianos. Se do CLIP não fez parte oficialmente, foi por ter chegado ao Piauí
pouco depois. Mas, de tal maneira integrou-se aos criadores do CLIP (Hardi
Filho, Chico Miguel e Herculano Moraes), que seria pecado não o incluir nessa
geração cujos efeitos ainda ressoam.
Casado com dona Maria das Dores
de Morais Lemos, funcionária dos Correios já aposentada, Jamerson Lemos deixa
órfãos seus dois filhos: Juninho e Ceres Josiane.
Duas vidas: uma, a familiar e
sentimental como poucos; outra, a profissional, onde se desdobra para conciliar
o vendedor de imóveis com o poeta. Reconhece Alberoni Lemos que não foi fácil
ao poeta Jamerson Lemos. Daí que é impossível saber bem de sua poesia sem o
conhecimento do homem, que se dizia descendente de judeu, em seus conflitos
filosóficos e existenciais – acrescenta o grande homem de imprensa, Alberoni
Lemos.
(in “O Estado”. 04-10-87, Teresina, PI).
domingo, 3 de novembro de 2024
SEX-APPEAL
SEX-APPEAL
Elmar Carvalho
Movo até o teu
meu amoroso coração
- ânfora de lágrimas e
solidão.
Teu olhar me revida
com uma impressentida
carícia
referta de promessas e
delícia.
Teus olhos escorregam
macios
das penumbras dos cílios
armados em cios
e afagam minha pele
eriçada em arrepios.
Meus anseios
desvelam tuas vestes
e revelam os empinados
penedos
sedosos de teus seios,
sem medos
e sem receios,
e devassam em
tênues e tímidos acessos
os teus mais secretos
úmidos e diletos recessos.
E eu te desejo mais que
tudo,
mas me contenho e me
abstenho
e me deixo ficar inerte e
mudo...