sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

A VELHA E A NOVA CASA


               

A VELHA E A NOVA CASA


Elmar Carvalho

 

Após 25 anos morando na mesma casa, com o mesmo número telefônico, que foi apenas acrescido compulsoriamente de um três antecedendo o prefixo original, me mudei para nova casa. Posso dizer que, dentro do que é possível a um ser humano nesta passagem terrena, fui feliz, a meu modo. Meus dois filhos nasceram nesse período, e, portanto, passaram a infância e a juventude nessa casa. Tive bons vizinhos, dos quais tenho boas recordações e nenhuma mágoa. Espero que a recíproca seja verdadeira, e creio que o seja; pelo menos o Batista Vasconcelos me externou a sua saudade antecipada, quando soube que estávamos perto da mudança.

 

Segundo acredito, o ser humano não é uma obra perfeita e acabada, mas em permanente construção. Somos a construção, e somos, em parte, nossos próprios construtores. Disse em parte, porque muitas coisas que nos acontecem e nos influenciam e nos dirigem e movem não dependem de nós. Os arrogantes e os tolos, não aceitam essa hipótese. Eles se “acham”, e acham que estão no controle e no comando de tudo, quando, muitas vezes, um vendaval transforma em pó tudo que eles construíram.

 

Um minúsculo inseto, ou menos ainda, uma simples bactéria pode nos destruir ou nos arruinar a saúde. Já pouco desejo e já não alimento ilusões, a essa altura de minha vida. Quando cheguei a minha nova casa, disse a minha mulher que não mais me mudarei, a não ser para o campo santo.

 

O Didi, um rapaz bom e simples, que nos ajudava na mudança, e que nos prestava serviços e aos nossos vizinhos durante todo esse tempo no conjunto habitacional onde morávamos, ou por brincadeira ou porque a ideia da morte o perturbasse, disse que pensava eu estar me referindo a uma futura chácara no campo.

 

O homem vem para esse mundo e nada traz, como todos sabemos. Deixa esse mundo e nada leva, como também é evidente, tanto que existe um aforismo que diz não ter bolso a mortalha. Por isso, já não desejo fazer esforços em acumular bens e coisas, que nos dão muito trabalho e despesas, na conservação, reforma, revisões e com os locais em que ficarão, sem falar nos tributos, nas taxas, tarifas e na inveja que, às vezes, provocam.

 

De certo modo, tenho inveja do caracol, que é a sua própria casa, que carrega para onde vai. Não é espaçoso e nem perdulário, ocupa apenas o espaço de seu próprio corpo gelatinoso e compacto. Quando morre, seu corpo sem osso, quase etéreo, quase espiritual, parece evolar-se, deixando a concha limpa e vazia, na qual o mar parece marulhar e murmurar cantigas inefáveis.

 

Como disse, me fui construindo na velha casa, tentando desbastar meus defeitos, e a casa também se foi construindo, se adaptando a novas necessidades, através de ampliações e reformas. Nela moraram nossas duas cachorrinhas, que estranharam a mudança. Todavia, já se adaptaram porque o lar das cadelinhas somos nós, que somos a família delas. Elas estando conosco estarão bem, estarão felizes, como estão.

 

Nesses 25 anos fui ampliando minha biblioteca, que ainda quero conservar por algum tempo, até doar os livros para umas duas bibliotecas públicas, em que eles possam servir a um número maior de pessoas. Aos poucos, irei trazê-los para perto de mim novamente, como hoje trarei mais alguns. Trouxe as recordações, trouxe as saudades, mas impossível trazer a concretude das paredes, dos quartos, da sala.

 

Espero que eles sirvam a outras pessoas, como me serviram. Posso dizer que é uma casa abençoada. Afinal, nunca sofreu um único assalto. Peço a Deus que abençoe minha nova casa. E os arcanjos dirão no azul: Amém!

12 de outubro de 2010

4 comentários:

  1. Sou desapegado, o termo tá na moda. Mas possuímos o conforto básico. Mudamos sete vezes de morada, desde que nos casamos há 44 anos. Hoje tenho o seu mesmo pensamento: daqui só para o cemitério (cuido de um em José de Freitas). Sobre os livros sugiro fazer um carimbo e presentear várias bibliotecas, notadamente no interior. Abraço grande.

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  2. A ansiedade de todo dono de casa eu ainda sonho em ampliar a minha com cômodos para hóspede desejo comprar a outra banda da casa comprei só uma banda para sair do aluguel

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  3. Obrigado pelo acesso e comentários. Abraço.

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  4. Bom dia querido mestre! Quando resolver doar seus preciosos livros, destine uma pequena quota à Biblioteca Lira Sertaneja, especialmente exemplares des poesias!

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