AS CHAMAS E AS BRUMAS
Elmar Carvalho
Recebi, outro dia, e-mail de
Afonso Lima. Elogiou-me o Blog Literário, do qual sou titular, veiculado no
portal 180 Graus. Tratou de vários outros assuntos, inclusive de que havia
publicado, recentemente, um livro de poemas.
A primeira vez que ouvi falar no
Afonso Lima foi em 1977 ou 1978. Estávamos num processo de aproximação entre os
intelectuais e escritores de Teresina e Parnaíba. Os poetas dessas duas cidades
participaram de obras coletivas comuns, entre as quais citarei Aviso Prévio, da
qual participou o Alcenor Candeira Filho, Galopando, de que participamos o
Paulo Couto e eu, pelo lado parnaibano, e o Paulo Machado, Rubervam Du
Nascimento e Josemar Neres, pela quota teresinense. O livro Em Três Tempos
trazia a participação de Paulo Couto, Elmar Carvalho e Kenard Kruel, que se
mudara para Teresina, onde reside até hoje.
Pois bem, nessa época de
interação cultural entre as duas cidades, havia encontros, palestras,
lançamentos de livros de que eram partícipes poetas da capital e do litoral.
Por esse tempo, estávamos na praia eu, e creio, se não me falha a memória, que
Paulo Couto, Menezes y Moraes, William Melo Soares, Emerson Araújo, e talvez
outros, quando um dos poetas de Teresina disse, com entusiasmo e
inopinadamente, com certo estardalhaço, que naquele momento, por volta de onze
horas daquela manhã ensolarada, na capital, o Afonso Lima estava lançando o seu
livro Opressão.
O nome tinha tudo a ver com a
ditadura militar, então ainda a pleno vapor. Depois, embora à distância, pude
acompanhar a sua carreira de sucesso, sobretudo no teatro, para onde direcionou
o seu esforço, talento e inteligência, como dramaturgo, ator e diretor, sendo
correto afirmar que ele se tornou um dos maiores teatrólogos do estado nas
últimas décadas.
Somos contemporâneos e
conterrâneos, já que nascemos em Campo Maior, mas só viemos a nos conhecer no
final da década de oitenta, posto que ele se mudou cedo para Teresina,
acompanhando sua família, enquanto eu fui morar em Parnaíba, em meados de 1975.
Além dele, pelo menos três de seus irmãos são ligados ao mundo intelectual e
jornalístico.
Carlos Augusto, recentemente
falecido, é um dos mais importantes jornalistas do Piauí. Sua participação no
jornal da Rádio Pioneira de Teresina marcou época, pois era líder absoluto de
audiência; isso lhe deu grande projeção, e lhe permitiu tornar-se deputado
estadual, em mais de uma legislatura; atuou também na televisão, na qual, em
virtude de ser um estudioso e erudito, fazia comentários judiciosos, com
ilações lógicas, pertinentes, recheados de interessantes e anedóticos episódios
da História do Piauí, que ilustravam sua fala e atraíam a atenção do ouvinte.
Domingos Bezerra, além de
jornalista experimentado e talentoso, é poeta de mérito inegável; com ele,
quando fui presidente do conselho editorial da Fundação Cultural Monsenhor
Chaves, fizemos notáveis entrevistas, das quais citarei as concedidas por monsenhor
Joaquim Chaves, Alcenor Candeira Filho, Celso Barros Coelho, Cineas Santos,
padre Raimundo José Airemoraes, Raimundo Nonato Monteiro de Santana, que bem
merecem ser enfeixadas em volume. Paulo Henrique é empresário do ramo da
comunicação, tendo sido proprietário da rádio Difusora.
Afastado de Teresina há vários
dias, em virtude dos meus afazeres na Justiça Eleitoral, surpreendi-me
agradavelmente ao retornar a minha residência e me deparar com um volume de A
Cidade em Chamas, de Afonso Lima, que dessa forma retorna triunfalmente como o
poeta de valor que nunca deixou de ser. A dedicatória, que não transcreverei,
são palavras de estímulo. Trata-se de
uma bela obra, tanto no aspecto físico, com capa e ilustrações de Paulo Moura,
que é um grande artista plástico, também campomaiorense, como no conteúdo.
Tem o subtítulo de “Poema trágico
de um crime impune”. É um verdadeiro poema épico, tanto pelo assunto, em forma
de narrativa, no caso histórica, e não apenas fictícia, como até pelo tamanho,
numa época em que virou quase exclusividade os poemas curtos, de apenas 3 a 5
versos. Em linguagem trabalhada, de quem conhece o seu ofício, o poeta aborda
os incêndios que aterrorizaram Teresina, na década de 1940, quando vários
casebres de palha foram misteriosa e perversamente consumidos pelo fogo, sem
que se saiba até hoje, com certeza, quais foram os seus autores e mandantes.
Várias obras abordam o assunto, mas sempre na base de suposições, de hipóteses,
de especulações.
O poema foi elaborado em dez
movimentos, e a sua musicalidade e diversidade rítmica e rímica, que englobam
versos longos e curtos, com poucas ou muitas sílabas métricas, com rimas
toantes e consoantes, em ritmos que, em alguns trechos, trazem ressonâncias de
cancioneiros populares, remetem a uma espécie de sinfonia poética, ou até mesmo
a algo semelhante a uma ópera ou teatralização poética, sendo de se enfatizar
que o autor é um dramaturgo experiente e respeitado.
Em algumas passagens faz
referências a figuras da mitologia greco-romana, o que denota a cultura
literária do autor. Pelas notas e pela bibliografia se percebe que o poeta fez
uma acurada pesquisa historiográfica, com o que enriqueceu o poema. Ao longo do
texto surgem pessoas do povo, os filhos de ninguém, os miseráveis, os chamados
pobres diabos, as principais vítimas da tragédia premeditada e criminosa, mas
também aparecem os poderosos da época.
Em certas cenas, podemos perceber
os costumes e o cotidiano de então, tendo por pano de fundo essa história ainda
envolta nas brumas do mistério e das
especulações do imaginário individual e coletivo. Em síntese, é um belo poema,
feito com muito esforço, transpiração, inspiração e pesquisa, mas a que não
faltam a habilidade e o talento do mestre que o concebeu.
1º de novembro de 2010
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