EXPEDITO REGO EM PESSOA
Elmar Carvalho
Meu primeiro contato com a incomensurável poesia de Fernando
Pessoa foi aos 16 ou 17 anos, através da magnífica Antologia Escolar
Portuguesa, organizada por Marques Rebelo, pseudônimo do cronista, contista e romancista
Eddy Dias da Cruz. Comprei-a com o santo e escasso dinheirinho de minha mãe; o
de meu pai seria empregado na compra dos livros e outros materiais didáticos.
Pela mesma época adquiri a Antologia Escolar Brasileira, do
mesmo autor, que tinha o mesmo formato e programação gráfica e visual. Foi
nesta última que tive o alumbramento de conhecer maravilhosos poemas do
piauiense Mário Faustino. Já conhecia e admirava alguns poucos poemas de Da
Costa e Silva, entre os quais Saudade e A Moenda. Desde os dez anos já era
viciado em leitura, e já lera os principais poetas do Brasil e de Portugal nas
antologias didáticas de meu pai, sobretudo as contidas em livros de Aída Costa.
Mais tarde, já lastreado em outras leituras e em outras
antologias, que fui amealhando, pude perceber que as duas seletas de Marques
Rebelo, com textos em versos e em prosa, eram mesmo magníficas, porque o seu
organizador fora muito rigoroso na escolha de textos e autores, e selecionara o
que esses mestres tinham produzido de mais representativo e de mais excelente.
Inclusive, adotou o critério de só admitir autores falecidos, creio que para
não sofrer qualquer tipo de pressão ou influência por parte de amigos vivos. Não
tinha nenhuma discriminação quanto a gênero literário, estilo, corrente,
movimento ou escola literária. Interessava-lhe somente a excelência do texto.
Em junho de 1975 minha família se mudou para Parnaíba, uma
vez que meu pai fora chefiar a ECT – Empresa de Correios e Telégrafos nessa
cidade, onde morei por vários anos. Levei as duas Antologias Escolares, pelas
quais tinha muito orgulho e afeição, tanto que as reli, consultei e folheei
várias vezes.
Certo dia, no apartamento dos Correios, onde morávamos,
mostrei uma dessas antologias a um grupo de amigos, enquanto degustávamos um
vinho. Um deles, com inusitada insistência, pediu-me lhe emprestasse uma delas.
Relutei, mas resistir, como diria o poeta, para rimar com saudade, quem há-de?
Pouco depois esse amigo morreu, e eu para sempre perdi a antologia, que havia
comprado com o rico dinheirinho de minha mãe. Nos anos 80 ou 90, já morando em
Teresina, perdi a outra seleta congênere, em circunstâncias que desconheço ou
de que já não me lembro.
Tentei adquirir essas duas monumentais Antologias, mas elas
já haviam deixado de ser editadas há vários anos e a própria FENAME-MEC, sua
editora, já fora extinta pelo governo Collor de Mello, em 1990. Contudo, creio
que em 2001, o historiador e dicionarista biográfico Wilson Carvalho Gonçalves,
amigo e conterrâneo de meu pai, que se tornara um grande amigo meu, me
presenteou com um exemplar usado da Antologia Escolar Portuguesa. Tentei encontrar
a sua congênere Brasileira. O poeta cordelista Sebastião Evangelista, um
verdadeiro “sebo” ambulante, me informou ter um exemplar desse florilégio. Dias
após ele me vendeu esse exemplar. Como os dois exemplares já não possuíssem as
capas duras originais, mandei protegê-las com uma bela capa preta dura, ornadas
por letras áureas.
Embora possa não parecer, mas essa digressão memorialística me
foi provocada por uma postagem do amigo Carlos Rubem, através de WhatsApp, em que ele me enviou uma fotografia da capa de um velho livro, que
pertencera ao médico, poeta e escritor Expedito Rego, titulado O Guardador de
Rebanhos e outros poemas, da autoria de Fernando Pessoa. Segundo a Meta AI, “Os
poemas de "O Guardador de Rebanhos" são caracterizados por uma
linguagem simples, direta e objetiva, que busca descrever a natureza e a vida
rural de forma quase primitiva”. Sua autoria foi atribuída a Alberto Caieiro,
um de seus vários heterônimos.
A postagem de Carlos Rubem trazia o poema Liberdade, constante
no exemplar que pertencera ao saudoso Expedito Rego, que termina com este
quarteto:
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Abaixo, na página em branco, Expedito escreveu os seguintes
versos, como se fossem uma continuação ou complementação ao poema de Pessoa:
Por isso que entregou a Judas
O dinheiro... Jamais te iludas:
O livro é mesmo uma garrida
Bobagem de gente sabida!
Em rápido comentário por áudio, disse ao Carlos Rubem que Expedito
Rego mantivera o estilo, a mesma semelhança de conteúdo, com algo da ironia, do
desencanto e do pessimismo do poema pessoano, e com a mesma estrutura formal.
Nesse admirável poema, que já conhecia, existe esta magnífica
estrofe:
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Para finalizar esta crônica, direi apenas: de minha parte,
prefiro esperar por Jesus Cristo, que subiu aos céus em toda a sua Glória, à
vista de muitos, e que prometeu voltar. Porque sei que ele voltará, para
instaurar o Reino Divino, no tempo que lhe for determinado por Deus.
Bela crônica parabéns
ResponderExcluirMuito obrigado.
ResponderExcluirIlustre, rendo-me a mais um ótimo texto. Uma afinação ao peso do mundo que já nos pertence — com as palavras poéticas. Ainda bem que temos os bons escritores. Parabéns e um excelente final de semana.
ResponderExcluirBravo, El-mar! Leio, com muito interesse, suas crônicas de antanho e dahora. Na minha crônica "Cidade de Livros", escrita em São Paulo, em 2023, após mais uma "viagem" pelos corredores de estantes do Sebo do Messias (ao lado da velha Igreja de São Gonçalo), eu afirmo que lá tudo se encontra, até mesmo o impensável. Com certeza, essas magníficas antologias ali "residem", com suas capas originais, depois de refugadas por herdeiros insensíveis ao que elas encerram em seu "coração". Marcelino Barroso
ResponderExcluir*) dagora
ResponderExcluirO MEC facilitava a vida dos estudantes, com livros baratos e, às vezes, doados. Eu adquiri boas obras desta forma. Como Professor, a escola adquiria livros, das matérias que ensinávamos.
ResponderExcluirWilton Porto
Muito obrigado pela <> e pelos comentários, prezados amigos.
ResponderExcluir* pelo "acesso"" e pelos comentários
ResponderExcluir* pela visita
ResponderExcluirPrezado, espero que essa mensagem o encontre em um bom momento, gostaria de ter seu contato de email se possível, sou um estudante de Historia da UFMA que vasculhando em minha pesquisa achei seu texto sobre Bernardo de Carvalho e Aguiar.
ResponderExcluirSeu texto sobre o livro de Pe. Claudio Melo foi de grande ajuda.
Atenciosamente, Adryan Moreira.
P.S: Uma ótima crônica, meu pai também trabalhou nos correios, e morei uns anos em Parnaíba, mesmo que em momentos bem distantes, dividimos essa coincidência que me lembrou um pouco da minha infância. Agradeço desde já.