terça-feira, 23 de setembro de 2025

O Centenário Almanaque da Parnaíba

 

Componentes da mesa, da esq. para a direita: Dilma Ponte de Brito, Valdeci Cavalcante, Fides Angélica, Antônio Gallas, Suzana Silva e Elmar Carvalho
Pequena solenidade no povoado Baixa da Carnaúba, para entrega da imagem de São José, doada pelos acadêmicos padre Tony Batista e Fonseca Neto à igreja de N. S. Aparecida, situada na localidade Várzea do Simão.
Comitiva dos acadêmicos e acompanhantes no prédio da Federação do Comércio do Piauí, no Porto das Barcas. 


O Centenário Almanaque da Parnaíba (*)

 

Elmar Carvalho

 

1

 

Pedi à inteligência artificial ChatGPT que me desse a definição ou conceituação de almanaque. Ela me respondeu o seguinte:

 

“Um almanaque é uma publicação periódica, geralmente anual, de caráter informativo e recreativo, que reúne uma grande diversidade de conteúdos, como calendários, efemérides (datas e acontecimentos importantes), previsões astrológicas e meteorológicas, curiosidades, estatísticas, provérbios, receitas, poesias, contos, piadas, anedotas, além de informações úteis para a vida cotidiana.

Tradicionalmente, os almanaques tinham como função informar, orientar e entreter, sendo muito populares em épocas em que o acesso a livros e jornais era restrito. Misturam o aspecto prático (indicações de plantio, fases da lua, mapas, tabelas) com o literário e cultural (textos curtos, histórias, ilustrações, conselhos).”

Não poderia ter sido mais didática, precisa e concisa a resposta. Durante a gestão de seu fundador, Benedicto dos Santos Lima, o Bembém, e de Ranulpho Torres Raposo, o Almanaque da Parnaíba se enquadrava perfeitamente nessa definição.

A etimologia da palavra almanaque vem do árabe al-manākh, que significava “clima” ou “calendário astronômico”.

Consta que os primeiros almanaques conhecidos surgiram na Idade Média, principalmente como tabelas astronômicas e astrológicas, com previsões do movimento dos astros, fases da lua e eclipses.

Segundo ainda o GPT, já no século XIII, na Europa, circulavam almanaques manuscritos usados por médicos, agricultores e navegadores, porquanto reuniam informações práticas de grande utilidade.

 

2

 

Ao falar no Almanaque da Parnaíba, termino viajando na memória, retornando ao tempo em que fixamos residência em Parnaíba, em 1975. Nessa época, o escritório de representação comercial de Ranulpho Torres Raposo se encontrava em pleno funcionamento. Tinha (ou tivera) filiais em Fortaleza, Teresina, São Luís e Belém.

Como que vejo ressurgir o velho mestre da Escola União Caixeiral, Joaquim Furtado de Carvalho, postado diante de uma escrivaninha a fazer os registros contábeis dessa firma, que funcionava na Avenida Presidente Vargas, Centro de Parnaíba. Era primo legítimo de meu pai. Falava com fluência o inglês. Tinha certa erudição, mas, sobretudo, era um atraente conversador, um verdadeiro causeur.

Embora celibatário, era um admirador da beleza feminina, como se pode depreender destes versos seus, publicados no Almanaque da Parnaíba, edição nº 50, ano 1973, no poema Banho de Mar:

 

“Quantas lembranças de momentos tais,

Veras saudades, as chamadas roxas,

Quisera que sonhos bons fossem reais,

No desfilar de tantas belas coxas.”

 

Foi através desse velho primo – professor, contador e poeta – que consegui ver, pela primeira vez, um poema de minha autoria estampado nas páginas do Almanaque da Parnaíba, ano 1976, edição nº 53. Tratava-se do soneto Pedra do Sal.

Nas gestões de Benedicto dos Santos Lima e Ranulpho Torres Raposo, o Almanaque da Parnaíba sobrevivia, sobretudo, de propagandas de grandes firmas comerciais e industriais do Piauí, sediadas ou com filiais em Parnaíba, Teresina, Campo Maior, Floriano, Piripiri e outras cidades.

 

Nessas urbes moravam os principais colaboradores do anuário. Apenas como exemplo, cito o seguinte trecho do artigo Percurso Literário entre Campo Maior e Parnaíba, do historiador Celson Chaves, em que ele lista os colaboradores oriundos da Terra dos Carnaubais:

1. Joel Oliveira – 21 textos;

2. Elmar Carvalho – 16 textos (até 2020) [após essa data, o anuário publicou mais 9 textos de minha autoria, perfazendo um total de 25];

3. Cláudio Pacheco – 11 textos;

4. Octacílio Eulálio – 10 textos;

5. Mário Araújo – 9 textos;

6. Briolanja Oliveira – 1 texto;

7. João Chrysostomo – 1 texto;

8. Bilé Carvalho – 3 textos;

9. José Miranda Filho – 4 textos.

No final de cada ano, o almanaque era esperado com ansiedade por seus inúmeros e fiéis leitores. Teve importantes ilustradores, entre os quais J. Adonias, Bibi Freire (Benedito de Morais Freire) e Nestablo Ramos.

Nesse longo período, foram seus colaboradores, entre mais de uma centena, figuras exponenciais da literatura piauiense, como Berilo Neves, Martins Napoleão, Félix Aires, Higino Cunha, Jonas Fontenele da Silva, Nogueira Tapety, Renato Castelo Branco, Possidônio Queiroz, A. Tito Filho, H. Dobal, Fontes Ibiapina e R. Petit (Raimundo de Araújo Chagas) – este, a partir de seu número inaugural, o poeta mais emblemático do anuário. Recentemente, o escritor e advogado Filadelfo Barreto, seu neto, lhe elaborou uma primorosa obra biográfica e crítica; de leitura agradável e atraente, é quase um romance.

Aconselhado pelo prefeito de então, que também era médico, o poeta R. Petit foi orientado a deixar Parnaíba, em virtude de haver contraído lepra — ou hanseníase, como se diz atualmente. Caso contrário, seria internado compulsoriamente, o que, na época, equivaleria a uma espécie de prisão perpétua. Acredita-se que o vate, esgueirando-se pelas sombras e frestas de certa madrugada melancólica e fria de 1944, deixou a sua mui amada Parnaíba para nunca mais retornar.

 

3

 

Segundo consta no colofão do Almanaque da Parnaíba, ano 2023, edição nº 75, seus editores foram: Benedicto dos Santos Lima (fundador), que editou 18 números (1924-1941); Ranulpho Torres Raposo, 40 edições (1942-1981); e Manuel Domingos Neto, 2 edições (1982-1985).

Através da Academia Parnaibana de Letras (APAL), o Almanaque da Parnaíba voltou a ser publicado a partir de 1994, como sua revista e, portanto, com algumas modificações em sua linha editorial. O presidente Lauro Andrade Correia publicou 6 números; Iweltman Mendes, 1; Pádua Santos, 3; e José Luiz de Carvalho, 6 edições. Em consequência, a APAL editou 16 números.

Como visto, a partir de 1994, edição nº 61, o Almanaque da Parnaíba, na qualidade de revista da APAL, passou a ser editado por essa entidade literária. O número anterior datava de 1985, quando o periódico completara 62 anos de existência.

Passou a ser financiado quase exclusivamente por entidades estatais e paraestatais. Teve a ajuda inicial da Universidade Federal do Piauí e da Prefeitura Municipal de Parnaíba. A partir do nº 70, ano 2017, vem sendo editado graças ao patrocínio do Sistema Fecomércio/Piauí, sob a presidência do empresário e escritor Valdeci Cavalcante, membro da Academia Piauiense de Letras e da APAL.

Com exceção das charadas, efemérides, calendários, quadros estatísticos e propagandas comerciais, a nova linha editorial manteve, em essência, o projeto anterior. Continuou a publicar textos literários, tais como poemas, contos, crônicas, ensaios e artigos, além de matérias de caráter historiográfico ou sobre cultura e arte, inclusive ensaios fotográficos sobre a cidade.

Muitos desses trabalhos são de alta qualidade e, diria, imprescindíveis para quem queira analisar a produção literária parnaibana de 1994 até hoje. Vários colaboradores dessa época já haviam escrito em números anteriores do Almanaque. Cabe ainda salientar que, nos primeiros números editados pela APAL, ainda foram publicados dados estatísticos.

Contudo, sendo essa publicação voltada preferencialmente para a produção dos membros da APAL, esse viés, por não ter interesse literário, não foi mantido por muito tempo. Quanto às charadas, nos dias apressados e cibernéticos de hoje, já praticamente não há quem as faça, tampouco quem as leia; não vai nisso nenhuma crítica, mas simples constatação.

Entre os colaboradores desse notável periódico piauiense, ao longo dessas três últimas décadas, além dos acadêmicos, podemos citar: Paulo Nunes, Renato Castelo Branco, Benjamim Santos, José Camilo da Silveira Filho, Orfila Lima dos Santos, Vítor Athayde Couto, João Evangelista Mendes da Rocha, João Maria Madeira Basto, Marc Jacob, Jorge Carvalho, Norma Couto, Sólima Genuína dos Santos, Flamarion Mesquita, Cláudio de Albuquerque Bastos, James Kelso Clark Nunes, Antero Cardoso Filho, Magalhães da Costa etc. Tive a honra e a satisfação de publicar textos em todos os 16 números editados pela APAL (1994-2024).

A edição nº 67, de 2004, comemorativa dos 80 anos do Almanaque, trazia em sua capa imagens de edições antigas e estampou propagandas históricas e curiosas de velhas publicações.

Durante várias edições, graças ao esforço de Alcenor Candeira Filho, a revista publicou as seções Parnárias, Poesia Parnaibana – Poetas Falecidos e Poesia Parnaibana – Poetas Vivos. Publicou ainda Memória Fotográfica, sobre o patrimônio arquitetônico da velha urbe.

Na gestão de José Luiz de Carvalho, fizeram parte da organização do Almanaque os acadêmicos Antonio Gallas Pimentel, Claucio Ciarlini, Diego Mendes Sousa, José Wilton de Magalhães Porto e Maria Dilma Ponte de Brito.

Em várias edições, o anuário homenageou importantes efemérides e ilustres personalidades parnaibanas, em diferentes ramos da atividade humana, sobretudo da literatura.

A capa da edição de 2023 (nº 75), por sinal muito esmerada, com efeitos visuais modernos, utiliza em sua montagem a capa da edição inaugural do Almanaque da Parnaíba. Esse número comemora o centenário do Almanaque, ainda em plena circulação, e os 40 anos da Academia Parnaibana de Letras, sua editora há três décadas.

Todavia, alguns puristas e críticos consideram que o Almanaque da Parnaíba, enquanto efetivamente almanaque, tal como definido pelo ChatGPT, teve seu último número em 1985. Nesse caso, teria circulado apenas durante 62 anos, e dele só teriam sido publicadas 60 edições. Por isso o escritor e poeta Claucio Ciarlini, em seu pronunciamento Em defesa do Almanaque da Parnaíba, lançou esta oportuna e instigante pergunta:

“Como alguém pode ignorar todo esse rico trabalho desenvolvido ao longo de três décadas?”

A referida inteligência artificial entende que “com a internet e o acesso instantâneo à informação, o almanaque impresso perdeu espaço”. É o que também acho. Essas informações não estão mais na ponta de nossa língua, mas nas pontas de nossos dedos, bastando que se tenha um computador ou celular à disposição. Aliás, muitas vezes sequer precisamos digitar: basta usar nossa voz para fazermos consultas que outrora se encontravam nos almanaques.

Em consequência, houve necessidade de que o velho Almanaque se reinventasse como revista da Academia Parnaibana de Letras.

De minha parte, prefiro entender que o Almanaque da Parnaíba continua circulando (há mais de 100 anos) e que dele já foram publicadas 76 edições. E sei que muitas outras ainda virão.

Prefiro crer que o Almanaque da Parnaíba, ainda vivo, ainda em plena atividade, continua a prestar relevantes serviços à cultura, às artes, à memória e à literatura parnaibana.

(*) Discurso pronunciado por José Elmar de Mélo Carvalho no dia 19/09/2025, no auditório do SESC/Avenida, em Parnaíba, durante a solenidade do Projeto APL Itinerante, com participação do Sistema Fecomércio e da Academia Parnaibana de Letras.

2 comentários:

  1. Belíssimo discurso sobre o Almanaque e inspiradora viagem itinerante, com paradas culturais especiais ao longo do percurso.👏👏👏👏

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