segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Indo de “Rio Abaixo, Sertão Arriba”

 

Elmar Carvalho, Fonseca Neto, Fides Angélica, Francisco de Assis Sousa e Zózima Tavares




Indo de “Rio Abaixo, Sertão Arriba” (*)

 

Elmar Carvalho

 

Neste sábado (06/12/25), em solenidade presidida pela Dra. Fides Angélica e pelo professor e historiador Fonseca Neto, em diferentes momentos, tive a honra de ser escalado para fazer a apresentação da antologia Rio Abaixo, Sertão Arriba, que, a meu ver, seria – e acredito tenha sido – o ponto culminante do 2º Encontro de Academias de Letras do Piauí.

Além dessa importante coletânea, a Academia Piauiense de Letras – APL, promotora do evento, também lançou mais de uma dezena de livros por ela editados, com o apoio do governo estadual, e várias obras de autores das academias participantes do encontro, bem como a magistral obra Uma trajetória de 120 anos do futebol piauiense – história e fatos (1905-2025), de autoria de Celso Carvalho, escritor, desportista e jornalista.

Em cumprimento à missão que me foi designada, pedi licença para fazer uma síntese da obra de Celso Carvalho.

Expliquei que, em suas páginas, desfilam os grandes craques do futebol piauiense. Tendo sido um goleiro do futebol amador, fiz questão de citar os seguintes arqueiros: Coló, estiloso, espetacular e espetaculoso, em suas coreográficas defesas; Beroso, contido, eficiente e objetivo; Batista, seguro, eficaz, uma verdadeira muralha, cujo apelido – Mão-de-Onça – é o seu emblema e o seu melhor retrato; Hindemburgo, boêmio, mulherengo, um tanto controvertido e pinguço, que às vezes curava suas ressacas deitado sobre o travessão da meta.

Fiz uma referência e reverência à parte ao grande goleiro Morcego, inspirado no qual escrevi um conto, com umas pitadas de ficção. Quem primeiro me falou dele foi meu pai, Miguel Carvalho. Depois, o grande Carlos Said me confirmou o que sobre ele me dissera papai. Falei dele a Celso Carvalho, que em seu livro o homenageia. Bizarro, exótico e estrambótico, sobre ele eu disse, no livro em comento:

“Morcego, grande goleiro teresinense, foi uma bizarra ave mamífera voadora – uma espécie de Higuita antes de Higuita – com suas pulutricas e acrobacias aéreas, em que muitas vezes parecia planar como uma asa-delta sem asas. Estrambótico e exótico, voava, defendia a bola e, no mesmo salto, ficava dependurado no travessão como um grande MORCEGO.”

Antes ainda de entrar no mérito de meu pronunciamento, declarei que tinha a honra de estar participando de dois livros que estavam sendo lançados na solenidade: Avenida Frei Serafim em 18 vozes, organizado por mim e por Dílson Lages Monteiro, e Arte-fatos oníricos e outros, que reúne meus contos, de diferentes épocas, tamanhos, temáticas e formatos, alguns da vertente do neorrealismo, do realismo fantástico, do surrealismo e de outros ismos.

Sobre a obra Rio Abaixo, Sertão Arriba, fiz as seguintes considerações:

Expliquei que fora idealizada e organizada pelo acadêmico Fonseca Neto. Falei que era uma antologia, uma vez que os textos foram escolhidos pelos seus autores e por suas Academias. Enalteci a beleza de sua capa e de sua diagramação, além de sua excelente apresentação gráfica, em material de boa qualidade.

Acrescentei que todas as Academias tiveram direito a duas páginas para traçarem um breve histórico de sua criação, de seus objetivos e atividades, além de mais três para cada um dos cinco autores de cada entidade, o que totalizaria 17 páginas.

A antologia apresentou matérias em verso e prosa. Preponderaram os poemas, de diferentes temáticas e aspectos formais. Nos textos em prosa houve maior participação de artigos ou pequenos ensaios, crônicas – algumas memorialísticas e historiográficas –, contos e outros relatos e narrativas.

Como exemplificação, mencionei o texto Riachão, da autoria de João Erismá de Moura. Falei que essa crônica, a exemplo de outras, cantava a terra natal do autor, como o poeta Casimiro de Abreu fizera nestes versos do poema Minha Terra:

“Todos cantam sua terra,

Também vou cantar a minha,

Nas débeis cordas da lira

Hei de fazê-la rainha”.

Em breve blague, observei que o Riachão poderia não ser um rio, mas também não seria um córrego ou um simples rego. Ilustrei minha assertiva com uma anedota: quando eu tinha dúvida, em virtude de o recinto se encontrar escuro ou por qualquer outra razão, sobre se a autoridade militar era um tenente-coronel ou um coronel, eu o chamava de coronel, uma vez que, se fosse coronel, por motivo óbvio, não poderia se aborrecer; e, se fosse tenente-coronel, também não, já que eu havia subido a sua patente. Em assim sendo, declarei que promovia o Riachão a um rio – um rio de verdade.

Complementando minha brincadeira, lembrei que o excelso poeta Fernando Pessoa, também enaltecendo sua terra, fizera os seguintes versos:

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”

Dessa forma, para João Erismá de Moura, sem dúvida, o Riachão é mais bonito que o rio Parnaíba, o Velho Monge dos majestosos versos de Da Costa e Silva.

Fiz ainda referência ao texto Finada Alta, de autoria do professor Melquíades Barroso de Carvalho Filho, como exemplo de ótima redação aliada a um conteúdo denso, instigante e atraente, e que poderia ser considerado um rompimento de gêneros literários estanques, pois nele se percebe a interpenetração de crônica, memórias, conto e breve ensaio historiográfico e sociológico.

Nele perpassa a vida de Alta – uma vida dramática e mesmo trágica – que enfrentou as vicissitudes de preconceitos e discriminações, sem falar na pobreza, na doença e na morte. Até seu nome ficou perdido nos desvãos da história, porquanto Alta não era seu prenome, que deveria ser Auta, com u e não l. Alta era o seu apelido, já que ela era uma negra alta, corpulenta, que depois definhou, sem dúvida com a tuberculose de que veio a ser vítima.

Até na morte o preconceito a acompanhou, uma vez que seu sepultamento suscitou uma divergência política, em que lhe negaram uma cova do lado de dentro do cemitério da Paróquia. Mas, na tragicidade de sua vida, aparece a figura de uma espécie de anjo protetor: uma senhora da alta sociedade, de nome Amélia, esposa do capitão Adão Rodrigues, que tentou ajudá-la como pôde. Contudo, o povo de Amarante, tempos depois, a “canonizou” como uma alma milagrosa, uma santa popular. 

No poema Parapente, ficamos sabendo que o historiador e poeta Antônio Pinto deixou a limitação de sua cadeira de rodas para alçar voo em seu sonho de Ícaro e se inebriar com as belezas da serra da Ibiapaba, ao sobrevoar suas florestas, suas encostas deslumbrantes e seus vales férteis e verdejantes. Do mesmo modo, em paramotor, sobrevoou as águas do Bezerro e se encantou com as verdes quintas freitenses, para enfim adejar sobre o velho morro do centro da cidade, que me fascinara em minha adolescência.

Por fim, afirmei que essa antologia trazia o panorama da literatura produzida em nosso estado. Era uma espécie de radiografia da qualidade de nossos prosadores e poetas. Disse que ela abrigava escritores experientes ao lado de outros que ensaiavam seus primeiros voos sobre o campo largo da literatura.

Proclamei que não bastava serem fundadas novas academias, mas que as existentes não fossem afundadas pelo abandono e pela inércia de seus membros e dirigentes; que elas deveriam ser mantidas vivas, pulsantes, através de eventos, de oficinas literárias, de publicações impressas e das possibilitadas pelos sites e pelas redes sociais.

Essa rica e bela antologia foi o coroamento do 2º Encontro de Academias de Letras do Piauí. Foi a chave de ouro que encerrou esse memorável conclave de nossos literatos.

(*) Tentativa de reconstituição de meu discurso pronunciado no dia 06/12/25, por ocasião do lançamento da antologia Rio Abaixo, Sertão Arriba. A reconstituição foi feita com a ajuda de meu esquema mnemônico.

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