| Elmar Carvalho, Fonseca Neto, Fides Angélica, Francisco de Assis Sousa e Zózima Tavares |
Indo de “Rio Abaixo, Sertão Arriba” (*)
Elmar Carvalho
Neste sábado (06/12/25), em solenidade presidida pela Dra.
Fides Angélica e pelo professor e historiador Fonseca Neto, em diferentes
momentos, tive a honra de ser escalado para fazer a apresentação da antologia
Rio Abaixo, Sertão Arriba, que, a meu ver, seria – e acredito tenha sido – o
ponto culminante do 2º Encontro de Academias de Letras do Piauí.
Além dessa importante coletânea, a Academia Piauiense de
Letras – APL, promotora do evento, também lançou mais de uma dezena de livros
por ela editados, com o apoio do governo estadual, e várias obras de autores
das academias participantes do encontro, bem como a magistral obra Uma
trajetória de 120 anos do futebol piauiense – história e fatos (1905-2025), de
autoria de Celso Carvalho, escritor, desportista e jornalista.
Em cumprimento à missão que me foi designada, pedi licença
para fazer uma síntese da obra de Celso Carvalho.
Expliquei que, em suas páginas, desfilam os grandes craques do futebol piauiense. Tendo sido um goleiro do futebol amador, fiz questão de citar os seguintes arqueiros: Coló, estiloso, espetacular e espetaculoso, em suas coreográficas defesas; Beroso, contido, eficiente e objetivo; Batista, seguro, eficaz, uma verdadeira muralha, cujo apelido – Mão-de-Onça – é o seu emblema e o seu melhor retrato; Hindemburgo, boêmio, mulherengo, um tanto controvertido e pinguço, que às vezes curava suas ressacas deitado sobre o travessão da meta.
Fiz uma referência e reverência à parte ao grande goleiro
Morcego, inspirado no qual escrevi um conto, com umas pitadas de ficção. Quem
primeiro me falou dele foi meu pai, Miguel Carvalho. Depois, o grande Carlos
Said me confirmou o que sobre ele me dissera papai. Falei dele a Celso
Carvalho, que em seu livro o homenageia. Bizarro, exótico e estrambótico, sobre
ele eu disse, no livro em comento:
“Morcego, grande goleiro teresinense, foi uma bizarra ave
mamífera voadora – uma espécie de Higuita antes de Higuita – com suas
pulutricas e acrobacias aéreas, em que muitas vezes parecia planar como uma
asa-delta sem asas. Estrambótico e exótico, voava, defendia a bola e, no mesmo
salto, ficava dependurado no travessão como um grande MORCEGO.”
Antes ainda de entrar no mérito de meu pronunciamento,
declarei que tinha a honra de estar participando de dois livros que estavam
sendo lançados na solenidade: Avenida Frei Serafim em 18 vozes, organizado por
mim e por Dílson Lages Monteiro, e Arte-fatos oníricos e outros, que reúne meus
contos, de diferentes épocas, tamanhos, temáticas e formatos, alguns da
vertente do neorrealismo, do realismo fantástico, do surrealismo e de outros
ismos.
Sobre a obra Rio Abaixo, Sertão Arriba, fiz as seguintes
considerações:
Expliquei que fora idealizada e organizada pelo acadêmico
Fonseca Neto. Falei que era uma antologia, uma vez que os textos foram
escolhidos pelos seus autores e por suas Academias. Enalteci a beleza de sua
capa e de sua diagramação, além de sua excelente apresentação gráfica, em
material de boa qualidade.
Acrescentei que todas as Academias tiveram direito a duas
páginas para traçarem um breve histórico de sua criação, de seus objetivos e
atividades, além de mais três para cada um dos cinco autores de cada entidade,
o que totalizaria 17 páginas.
A antologia apresentou matérias em verso e prosa.
Preponderaram os poemas, de diferentes temáticas e aspectos formais. Nos textos
em prosa houve maior participação de artigos ou pequenos ensaios, crônicas –
algumas memorialísticas e historiográficas –, contos e outros relatos e
narrativas.
Como exemplificação, mencionei o texto Riachão, da autoria de
João Erismá de Moura. Falei que essa crônica, a exemplo de outras, cantava a
terra natal do autor, como o poeta Casimiro de Abreu fizera nestes versos do
poema Minha Terra:
“Todos cantam sua terra,
Também vou cantar a minha,
Nas débeis cordas da lira
Hei de fazê-la rainha”.
Em breve blague, observei que o Riachão poderia não ser um
rio, mas também não seria um córrego ou um simples rego. Ilustrei minha
assertiva com uma anedota: quando eu tinha dúvida, em virtude de o recinto se
encontrar escuro ou por qualquer outra razão, sobre se a autoridade militar era
um tenente-coronel ou um coronel, eu o chamava de coronel, uma vez que, se
fosse coronel, por motivo óbvio, não poderia se aborrecer; e, se fosse
tenente-coronel, também não, já que eu havia subido a sua patente. Em assim sendo,
declarei que promovia o Riachão a um rio – um rio de verdade.
Complementando minha brincadeira, lembrei que o excelso poeta
Fernando Pessoa, também enaltecendo sua terra, fizera os seguintes versos:
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha
aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”
Dessa forma, para João Erismá de Moura, sem dúvida, o Riachão
é mais bonito que o rio Parnaíba, o Velho Monge dos majestosos versos de Da
Costa e Silva.
Fiz ainda referência ao texto Finada Alta, de autoria do
professor Melquíades Barroso de Carvalho Filho, como exemplo de ótima redação
aliada a um conteúdo denso, instigante e atraente, e que poderia ser
considerado um rompimento de gêneros literários estanques, pois nele se percebe
a interpenetração de crônica, memórias, conto e breve ensaio historiográfico e
sociológico.
Nele perpassa a vida de Alta – uma vida dramática e mesmo
trágica – que enfrentou as vicissitudes de preconceitos e discriminações, sem
falar na pobreza, na doença e na morte. Até seu nome ficou perdido nos desvãos
da história, porquanto Alta não era seu prenome, que deveria ser Auta, com u e
não l. Alta era o seu apelido, já que ela era uma negra alta, corpulenta, que
depois definhou, sem dúvida com a tuberculose de que veio a ser vítima.
Até na morte o preconceito a acompanhou, uma vez que seu
sepultamento suscitou uma divergência política, em que lhe negaram uma cova do
lado de dentro do cemitério da Paróquia. Mas, na tragicidade de sua vida,
aparece a figura de uma espécie de anjo protetor: uma senhora da alta
sociedade, de nome Amélia, esposa do capitão Adão Rodrigues, que tentou
ajudá-la como pôde. Contudo, o povo de Amarante, tempos depois, a “canonizou”
como uma alma milagrosa, uma santa popular.
No poema Parapente, ficamos
sabendo que o historiador e poeta Antônio Pinto deixou a limitação de sua
cadeira de rodas para alçar voo em seu sonho de Ícaro e se inebriar com as
belezas da serra da Ibiapaba, ao sobrevoar suas florestas, suas encostas
deslumbrantes e seus vales férteis e verdejantes. Do mesmo modo, em paramotor,
sobrevoou as águas do Bezerro e se encantou com as verdes quintas freitenses,
para enfim adejar sobre o velho morro do centro da cidade, que me fascinara em
minha adolescência.
Por fim, afirmei que essa antologia trazia o panorama da
literatura produzida em nosso estado. Era uma espécie de radiografia da
qualidade de nossos prosadores e poetas. Disse que ela abrigava escritores
experientes ao lado de outros que ensaiavam seus primeiros voos sobre o campo
largo da literatura.
Proclamei que não bastava serem fundadas novas academias, mas
que as existentes não fossem afundadas pelo abandono e pela inércia de seus
membros e dirigentes; que elas deveriam ser mantidas vivas, pulsantes, através
de eventos, de oficinas literárias, de publicações impressas e das
possibilitadas pelos sites e pelas redes sociais.
Essa rica e bela antologia foi o coroamento do 2º Encontro de Academias de Letras do Piauí. Foi a chave de ouro que encerrou esse memorável conclave de nossos literatos.
(*) Tentativa de reconstituição de meu discurso pronunciado no dia 06/12/25, por ocasião do lançamento da antologia Rio Abaixo, Sertão Arriba. A reconstituição foi feita com a ajuda de meu esquema mnemônico.

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