segunda-feira, 18 de março de 2019

TRADUÇÃO DE UM CONTO DE OSCAR WILDE (1854-1900)

Fonte: Google


TRADUÇÃO DE UM CONTO DE OSCAR WILDE (1854-1900)
  
O GIGANTE EGOÍSTA(1)

Cunha e Silva Filho
Articulista, cronista e memorialista

       Toda tarde, enquanto  vinham da escola,  as crianças costumavam ir brincar no jardim do Gigante  egoísta.
       Era um  belo e amplo jardim, com macio e verde relvado. Aqui e ali, havia, sobre  a relva, lindas  flores  semelhantes a estrelas, e havia doces pessegueiros que,   na primavera,  brotavam delicadas   folhas de cores  rosa e pérola,  as  quais, no outono,  davam  ricos frutos. Os pássaros pousavam  nas árvores e cantavam tão docemente  que as crianças paravam de jogar  a fim de poder acompanhar-lhes  o canto.
     Certa vez, o Gigante regressou. Havia ido visitar um amigo,  o Ogre Cornualês. Ao chegar,  viu as crianças brincando  no jardim.
   “O que estão fazendo aqui?” – gritou com uma  voz  ríspida. As crianças  dali sumiram.
    “O meu  jardim só  a mim pertence, disse o  Gigante, “qualquer um sabe disso. E não permitirei que ninguém aqui  brinque  exceto eu próprio. ”Dito isto,  construiu  um muro alto e colocou uma tabuleta – “INVASORES  SERÃO PROCESSADOS.
   Era um Gigante muito egoísta; As pobres crianças agora não tinham  aonde ir  brincar. Tentaram divertir-se na estrada, porém esta  era muito  poeirenta e cheia de pedras duras. Não gostaram dessa experiência. Habituaram-se,  no entanto,   a vaguear em torno  do muro alto  após as lições da escola e a conversar sobre o  lindo  jardim lá dentro.   “Quão felizes éramos!” –  exclamavam   umas para as outras.
  Veio, depois, a primavera  e, por toda  parte,  não se viam quase flores nem  pássaros. Somente no  jardim  do Gigante egoísta o inverno  ainda persistia. Os pássaros não mais desejavam  ali trinar, porquanto  não havia  mais crianças e as árvores  deixaram de  brotar. “Não posso entender por que razão ela  está demorando tanto a  chegar,”   acrescentou o Gigante,    enquanto  sentava-se  diante da janela e olhava para fora  vendo seu jardim  frio e branco. “Espero  que o tempo  mude.”
  A primavera nada de chegar., nem o verão. O outono trouxe  áureos frutos  a todos os jardins,. Somente no jardim  do Gigante o tempo permanecia  imutável.
  Certa manhã,  o Gigante,  encontrando-se  na cama  acordado, ouviu  uma música  maravilhosa. Parecia-lhe  tão  suave aos ouvidos que julgara estarem passando lá fora os músicos do Rei. Mas,  aquela música não era senão o canto de um pintarroxo  do lado de fora da janela. Contudo, fazia tanto tempo que não ouvia mais uma  pássaro cantando  no jardim que lhe pareceu ser a mais bela música do mundo.  Em seguida,  da janela aberta recendia  um  delicioso  perfume. “Creio que a primavera chegou  finamente,”  afirmou   o Gigante que,  então,  saltou  da cama e olhou pra fora.
   Visão mais  encantadora jamais   descortinara. Por um buraquinho do muro, as crianças  haviam passado furtivamente para dentro  do jardim e já se encontravam  sentadas nos ramos das árvores. Em cada árvore ele pôde ver  uma criancinha. E as árvores ficaram   tão alegres com a   chegada novamente  das crianças que desabrocharam e ainda agitavam suavemente  os ramos   por cima das suas  cabecinhas. Os pássaros adejavam e gorjeavam deliciosamente.  As flores, com risos, olhavam por sobre o verde  relvado. Que cena  encantadora! Apenas num canto  do jardim ainda  era inverno e nele havia um garotinho  em pé. Era tão pequeno  que não podia  alcançar  os ramos das  árvore. Gritava em desespero.
   Foi então que o coração Gigante começou a amolecer à medida que olhava para fora; “Como fui  egoísta!” –concluiu; “Agora sei por que a primavera não queria voltar aqui. No  topo da árvore, vou pôr aquele garotinho. Em seguida,   derrubarei o muro, e meu jardim  há de ser o pátio de recreio   para todo o sempre!”
    Seu lamento  por tudo que fizera  de mal era verdadeiro .Desta forma,  descera de onde estava e abriu a porta de frente  com muita  delicadeza e ,  dirigiu-se ao jardim. Entretanto, ao vê-lo, as crianças ficaram  tão amedrontadas  que  saíram todas  correndo. O jardim, outra vez,  voltou  ao tempo de inverno. Somente o garotinho  não correu, pois os olhos estavam tão cheios  de lágrimas  que não  viram  a aproximação do Gigante. O Gigante  subiu furtivamente até ele por detrás,  colocou-o  gentilmente na mão e  o levou até à árvore. Rapidamente em flores  desabrochou a árvore e os pássaros nela  cantar vieram. Logo depois, o garotinho  estendeu os dois  bracinhos enlaçando o pescoço do gigante e o cobriu de beijos. As outras crianças, vendo que o Gigante não lhes parecia  mais  um bicho papão,  vieram correndo  de volta ao jardim e com elas  chegava a primavera.
“ Este jardim  é vosso,  minhas crianças", arrematou  o Gigante e, segurando  um grande machado,  botou abaixo  o muro.  Quando  pessoas estavam indo  ao mercado às doze horas,  encontraram  o Gigante junto das criancinhas no mais belo jardim   que jamais   haviam  visto.

                                               (TRAD.. DE CUNHA E SILVA  FILHO)

NOTA: (1) Apud CAMPOS, JR.J. L. Springtime. 2nd. revised  edition. São Paulo: Companhia Editora Nacional,  1940, p. 158-161.   

domingo, 17 de março de 2019

Seleta Piauiense - J. Coriolano

Fonte: Google


“O Canto do Cacique”
         
(Fragmento - início do poema indigenista)

J. Coriolano (José Coriolano de Souza Lima – 1829 - 1869)

Sou índio, sou forte; se a lida me chama,
Sou raio, corisco, só temo a Tupá:
No campo juncado de iminigos ferozes
Se movo o tacape, mil mortos são já!

Os ares demando co’a frecha empenada,
Que voa infalível à presa onde está;
A onça sedenta, que espuma raivosa,
Se vi-a, mandei-a de mim a Anhangá.

Sou bravo e cordato; se a paz se concerta,
Quem é tão cordato como eu? – quem será?
Na paz sou cordeiro, - sou tigre na guerra,
Sou raio, corisco; só temo a Tupá.

Domino estas matas espessas, sombrias,
Que estão sob a mira do grande Tupá;
Que há poderoso como eu nestas serras,
Que tudo que vejo sujeito me está?

No doce remanso da taba querida
Mil filhas donzelas que adora Tupá.
Dos olhos quebrados me lançam mil setas
Mas uma somente no peito me dá.

(...)

Fonte: Blog Babaçu News   

sexta-feira, 15 de março de 2019

Troca-troca Literário - Biblioteca João Alves Filho - Campo Maior




A Biblioteca João Alves Filho é um presente do Sistema S para a população de Campo Maior, pois é aberta ao público, sendo ótimo ambiente para estudos e pesquisas, contando com ambiente climatizado, acervo de nível acadêmico e computadores com acesso a internet rápido.
.

Além de tudo isso, a biblioteca realiza atividades de incentivo a leitura dos frequentadores, entre elas está o Troca-troca Literário que tem como objetivo  incentivar o gosto pela leitura e a partilha solidária entre os amigos leitores, a Biblioteca João Alves Filho realizar permanentemente essa atividade. Os livros são obtidos através de doações e trocas entre os frequentadores da biblioteca e clientes do Senac Campo Maior.  



O projeto foi idealizado para mobilizar a população campomaiorense, especificamente os alunos das escolas públicas e particulares, para uma ação dinâmica por meio da qual possam interagir, ganhar e trocar livros, conhecer autores, trocar experiências e instigar a leitura de obras literárias.

Além disso, segundo curador do Biblioteca João Alves Filho, Gabriel Meneses Ferreira, o evento visa ainda oferecer aos alunos e comunidade novas oportunidades de descobrir e desenvolver as competências de leitura e de escrita.  Ele destaca que podem ser levados livros infantojuvenil, gibis,  romances, livros de contos ou de poesias.   

Lançamento da Revista LITERAJURIS

quarta-feira, 13 de março de 2019

LITERAJURIS - A Revista da AMAPI



Fazendo parte da programação do Fórum AMAPI 60 Anos, será lançada no dia 15 próximo, às 17 horas, a revista Literajuris, de cujo Conselho Editorial fazem parte Thiago Brandão, Elmar Carvalho e Itamara Santiago. Trata-se de seu primeiro número, que é ao mesmo tempo uma edição especial, comemorativa das seis décadas de criação da Associação dos Magistrados Piauienses.

O volume contém uma entrevista com o juiz e músico Luiz Carlos Guimarães Barbosa, que toca vários instrumentos de cordas, entre os quais violão, violino, guitarra e bandolim, além de contos, crônicas, artigos, ensaios e poemas. A revista é eminentemente cultural, artística e literária, mas também acolhe texto de caráter ensaístico.

São colaboradores do número inaugural os magistrados Raimundo Lima, Elmar Carvalho, Antonio Reis de Jesus Noleto, Délcio Martins Lima, Lirton Nogueira Santos, João Batista da Silva Rios, Des. Valério Chaves, Anchieta Mendes, Des. Edvaldo Pereira de Moura e Itamara Santiago.

Literajuris tem uma excelente programação visual, em excelente material gráfico (papel couchê). Todas as matérias são enriquecidas com belas fotografias e ilustrações policromáticas. A revista traz ainda uma breve história da AMAPI e a Galeria dos Presidentes. O editorial é assinado pelo presidente Thiago Brandão de Almeida.

Na ocasião haverá um breve pronunciamento do conselheiro Elmar Carvalho, que discorrerá sobre o projeto e o objetivo de Literajuris e, em seguida, será apresentado o monólogo Vida in Vitro, de sua autoria, com interpretação e performance de José Teixeira Pacheco, ator, romancista, biógrafo, escritor e poeta.  

terça-feira, 12 de março de 2019

Amapi realiza Fórum comemorativo aos 60 anos dias 14 e 15 de março




A Associação dos Magistrados Piauienses realiza, dias 14 e 15 de março, o Fórum Amapi 60 anos: o Magistrado e as novas demandas da Justiça. O evento, comemorativo aos 60 anos da entidade, reunirá, no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, uma série de palestras e debates sobre temas atuais da Magistratura.



No dia 14 de março, a partir das 19 horas, o evento será aberto com as palestras do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Jayme de Oliveira, que abordará “Os desafios da Magistratura para consolidação da democracia”; e do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Reynaldo Soares da Fonseca, que falará sobre os “Direitos Fundamentais no Brasil: em busca de concretização”.



Na sexta-feira, dia 15 de março, os debates seguem, a partir das 15 horas, abordando temas como Direitos Fundamentais, ativismo judicial processual, equalização da força de trabalho no Poder Judiciário e novidades do processo penal brasileiro.



“Este Fórum vem para marcar os 60 anos da nossa Associação. Preparamos uma rica programação, com todo o carinho, com palestras de conteúdo científico e reflexivo. Por isso, aproveitamos para reforçar o convite aos nossos colegas magistrados para que se façam presentes e abrilhantem ainda mais o nosso evento”, frisa o presidente da Amapi, juiz Thiago Brandão de Almeida.



Confira a programação preliminar do Fórum Amapi 60 anos: o Magistrado e as novas demandas da Justiça:



14.03.2019 – Quinta-feira


18h – Credenciamento

18h30 – Abertura solene

19h – Palestras de abertura

Os desafios da Magistratura para consolidação da democracia

Jayme Martins de Oliveira Neto – Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB

Direitos Fundamentais no Brasil: em busca de concretização

Reynaldo Soares da Fonseca – Ministro do Superior Tribunal de Justiça



21h – Coquetel



15.03.2019 – Sexta-feira


15h – Painel Neoconstitucionalismo, tutela de Direitos Fundamentais, Ativismo Judicial e teoria da decisão judicial

Prof. Me. Plauto Cardoso – Escritor, advogado, pesquisador e docente – PUC/Minas

Prof. Me. Juan Weimberg – Advogado, pesquisador e docente – Universidad de Concepción del Uruguay, Argentina.



16h – Palestra: Ativismo Judicial Processual

Prof. Doutor Fernando da Fonseca Gajardoni – Juiz do TJSP



17h – Lançamento da Revista Literajuris

José Elmar de Melo Carvalho – Juiz do TJPI e conselheiro editorial da revista



17h15 – Monólogo: Vida in Vitro

Autor: Elmar Carvalho
Interpretação e performance: José Teixeira Pacheco – Ator, escritor e poeta



17h40 – Coffee Break



18h – Painel: Resolução CNJ 219/2016 e equalização da força de trabalho no Poder Judiciário Brasileiro

Maria Aparecida Sarmento Gadelha – Juíza do TJPB e Presidente da AMPB

Frederico Mendes Junior – Juiz do TJPR e Coordenador da Justiça Estadual da AMB

Renata Gil de Alcântara Videira – Juíza do TJRJ, Presidente da AMAERJ e Vice-Presidente Institucional da AMB.



19h30 – Painel Novos Desafios do Processo Penal

Alicia Cristina Vivian – Desembargadora do Tribunal de Justiça da Província de Entre Rios da República Argentina

Arturo Dumon – Desembargador do Tribunal de Justiça da Província de Entre Rios da República Argentina

21h – Encerramento

Thiago Brandão de Almeida – Juiz do TJPI e Presidente da AMAPI

Fonte: site da AMAPI   

segunda-feira, 11 de março de 2019

PEQUENO ENSAIO FILOSÓFICO SOBRE TESES INÓCUAS

 

PEQUENO ENSAIO FILOSÓFICO SOBRE TESES INÓCUAS

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com) 

                Sempre e onde quer que irrompam as crises econômicas, principalmente, mas também as políticas, com elas emergem os arautos da verdade absoluta, luminares, sábios, conhecedores de todas as causas e porquês.

                Como bombeiros que avisam sobre as possibilidades de grandes incêndios, mas que não são ouvidos nem chamados a debelá-los quando acontecem. Uma babel de estudiosos das ciências econômicas e administrativas, consultores generalistas, cientistas políticos,  experts em mídia, dialética ou retórica; meros oradores intrometidos ou disléxicos.

                Aqui, no Brasil, essas sumidades apresentam uma singularidade: no mais das vezes, já serviram ao estado e a governos na condição de auxiliares diretos ou de confiança dos governantes de plantão.  Todavia, quando lá estiveram, se não contribuíram para que as catástrofes emergissem, mostraram-se incapazes de orientar ou aconselhar seus comandantes quanto ao tratamento que lhes deveria ser aplicado. Longe do poder público, essas figuras, amiúde, não somente se lançam a fazer presságios, divagações, alertas terríveis acerca das possibilidade de novas crises, como se transformam em prolíficos fornecedores de soluções para evitá-las, criadores de salvaguardas e de fórmulas mágicas que, se postas em prática pelos gestores públicos, provavelmente, impediriam futuros sobressaltos, ou talvez minimizassem ou mitigassem os males intercorrentes ou consequentes à instauração das mesmas. Esses sábios, de uma hora para outra, passam a ensinar como consertar erros que contribuíram para que ocorressem ou permitiram que fossem cometidos; porém, não mais nos palácios governamentais ou ministeriais, mas em púlpitos, em entrevistas, seminários, convenções; e não mais como auxiliares de governos, mas na condição de palestrantes remunerados, consultores, enfim, insignes especialistas em economia e política.

                Outro dia, um veículo midiático convidou alguns desses experts - economistas, na maioria, ex-ministros das áreas econômicas; cientistas políticos, consultores e congêneres - a darem palpites e sugestões que pudessem, imediatamente, solucionar os problemas que impedem o Brasil de se transformar em um foguete desenvolvimentista. O saldo dessa experiência resultou em um ensaio filosófico sobre teses recorrentes, improváveis ou inócuas.

                A ironia ou demagogia que alguns dos iluminados convidados impingiram aos temas elencados pode ser sentida no posicionamento de três deles. Um, apesar de saber e afirmar que são direitos sociais, constitucionais e básicos de todos os brasileiros, dentre outros, a educação e a saúde de boa qualidade, entende que quem, necessária e, complementarmente, paga um plano de saúde e uma escola particular, a fim de ter a educação e o tratamento de saúde que os pertinentes sistemas públicos, mesmo obrigados, não oferecem, deveria abdicar de tais garantias legais, que ele chama de privilégios ou luxo, deixando para os menos aquinhoados a universidade pública e o sistema único de saúde. É, no mínimo, imoral qualquer sugestão imposta ao contribuinte no sentido de induzi-lo a abrir mão dos parcos direitos aos quais faz jus como contrapartida aos tributos que paga. Assim como o cidadão, o estado precisa cumprir as leis. O outro, romanticamente, acha que todo processo judicial teria que ser concluído em até três anos, ou o magistrado responsável por ele não seria promovido. Mera demagogia. A menos que o poder legislativo seja instado a mudar as leis que os juízes apenas aplicam, de modo a diminuir a quantidade de instâncias, recursos, apelações e protelações legais existentes, tudo vai continuar como antes, ou pior.

                O terceiro conselheiro crê que se toda mãe tivesse direito de votar em cada eleição tantas vezes quantos fossem seus filhos menores de dezesseis anos, os eleitos passariam a se preocupar, a longo prazo, com as questões previdenciárias, ambientais e as políticas de investimentos. Será? Ora, se já erramos com um voto per capita, com vários então...

domingo, 10 de março de 2019

Seleta Piauiense - Ovídio Saraiva

Fonte: Google

Soneto XXX

Ovídio Saraiva (1787 – 1852)

Os céus, se os mesmos são, vejo encobertos
De negrume infernal, bulcões pesados;
Entorno ao mundo os montes empinados
De ferrenho nevoeiro estão cobertos.

De anosa Torre compassados, certos
Saudoso Bronze lá me envia brados;
Guincham, e guincham destes quatro lados
Cinzentos Mochos ao sepulcro ofertos.

De quando em quando, ao longe, sem conforto
Vejo tênue clarão; no val profundo
Reina o silêncio da atra noite aborto.

Trevas! Ó trevas! que prazer jucundo!
Parece, ou que no mundo tudo é morto,
Ou que este já não é o mesmo mundo.   

Fonte: A poesia parnaibana (2001)

sábado, 9 de março de 2019

AS CINZAS DO CARNAVAL

Fonte: Google

AS CINZAS DO CARNAVAL

José Pedro Araújo
Romancista, cronista, contista

Antes de entrar no centro cirúrgico, Dr. Pedro Martins deu uma espiada pela janela do corredor e observou o vai-e-vem dos foliões lá embaixo. Eram os últimos que insistiam em transgredir a norma cristã de continuar com o carnaval na quarta de cinzas. Naquele instante as lembranças voaram de encontro a um passado ainda não tão distante. O som do batuque penetrou pela janela e aumentou o ritmo das batidas do seu coração.

Baixou a máscara cirúrgica e respirou intensamente o ar que penetrava pela janela e entrou no recinto asséptico, onde já lhe esperavam para mais uma intervenção médica. Enquanto recebia as luvas, outra instrumentista amarrava os cordéis da bata azul. Mas a sua mente estava longe, e as lembranças fluíam como nunca na sua memória: Salvador fervia ao som dos trios elétricos que arrastavam multidões pelas avenidas do circuito Barra-Ondina. E ele, vivendo os últimos meses da sua carreira acadêmica, misturava-se à multidão de sambistas, sozinho, vez que se perdera dos colegas logo no início do desfile.

De repente, no ruge-ruge daquela tarde que já se encaminhava para o fim, viu-se envolvido por um grupo de alegres passistas. Com elas chegou também um nível de alegria muito superior ao que já era grandioso. E como estavam todas vestidas com o mesmo tipo de fantasia, diferente da maré humana que trajava um tipo diferente de abadá, logo Pedro identificou um grupo de amigas que havia saído para se divertir sem ligação alguma com algum trio. Lindas, corpos esculturais, sambavam desinibidas, sorriso largo nos rostos inundados de alegria.

Eram seis. Meia dúzia de beldades destacadas nesse mar apinhado de mulheres estonteantes. E ele, laçado pelo grupo feliz, qual criança dentro de uma roda de ciranda, viu-se encantado e começou a girar para observar melhor aqueles rostos de fada. Rápido giro, parou o olhar em uma e logo conseguiu o que perecia impossível: fixou-se na que lhe pareceu mais bela, mais simpática, mais alegre. Pronto. Estava lá aquela que lhe ocuparia o coração por todo o restante do carnaval, até a quarta-feira de cinzas chegar.

Dez anos passados, ali estava ele a rememorar, mais uma vez, aquele sorriso maroto, cintilante como as estrelas do céu em noite sem nuvens. Mais uma vez, o batuque que ainda se ouviam advindo de um ponto ou outro da cidade, trazia para junto de si aquela gargalhada galhofeira, aquele lábios doces e sensuais que beijou por todo o restante do carnaval.  E foi só. Passada a quarta feira de cinzas, procurou-a no hotel em que se hospedava e lhe veio a triste notícia: havia partido logo na madrugada.

Passaram-se muitos carnavais, mas não passou aquela lembrança que lhe ficaria para o resto dos seus dias. O coração ritmado pelo som dos tantãs era comandado agora pelo som melífluo do sorriso que tinia qual cristais em contato. Era a música que fazia o seu ser se mexer e, inescapavelmente, levava-o àquele estado de melancolia ao relembrar aqueles três dias de intensa paixão. E agia tão forte sobre ele, que nunca mais se abriu para outra emoção amorosa, outra paixão, mesmo que carnavalesca. Não que não houvesse mais voltado às ruas de Salvador para procurá-la durante os carnavais que se seguiram. Voltou sim. Por três anos, consecutivamente. E nada de Helena, nem um fiapo de sorriso que ao menos se assemelhasse a sua alegria de sol rompendo nuvens condensadas de água. Depois não foi mais a sua procura. A dor de não encontrá-la era maior do que a que lhe magoava o coração com suas lembranças. Não voltou mais às ruas de Salvador, também. Nunca mais, durante os muitos dias de carnaval que inundavam e espalhava a alegria pela cidade.

Certa vez, de um amigo obtivera uma boa ideia: “procura pelas redes sociais, dissera ele. Se ainda estiver viva, com certeza aparecerá em uma delas”. Não teve coragem de tentar. E se ela estivesse casada, fosse já mãe. Não! Preferia ficar com aquela esperança ainda que meio impossível, inalcançável. E assim passaram-se os anos, e o sentimento foi se transformando em dor de perda, e o seu coração foi se fechando mais e mais para outras emoções.

Até aquele dia em que, resoluto, ao sair da sala de cirurgia, decidiu que já era tempo de tentar algo, fazer alguma coisa diferente. Nem que fosse para sofrer uma brutal decepção. Então, foi direto para a sua sala e ligou o computador para acessar o Facebook. Ali, diziam, encontraram muita gente de quem nem mais se recordavam. O coração estava irrequieto, não podia negar, pulsante como nunca.

Ligou o computador e, no espaço destinado à pesquisa, digitou as letras amadas: H,e,l,e, outra vez, n,a. Apareceram uma infinidade de helenas. Precisaria digitar um sobrenome para iniciar a filtragem. Não sabia. Nunca lhe ocorrera perguntar. Mas também, amor de carnaval era assim: bastava um nome, e pronto. Às vezes, nem isso. Mas como lhe fazia falta!

Decidiu-se. Começara pela profissão. Também não sabia. Estado natal. Também não. Cidade de origem. Pior. Quedou desanimado. E então começou a rolar lentamente na tela a infinidade de helenas que o face lhe disponibilizara. Olhava o rosto e passava adiante. Não era aquela. Helena disso, Helena daquilo, o rosto lhe dizia que não. Mesmo que estivesse diferente agora, o sorriso jamais mudaria. Reconheceria de imediato. Era certo que ela, caso estivesse ali, estivesse sorrindo. Tempos depois, já desanimado e decidido a parar com aquilo, passou displicentemente por uma Helena que lhe fez voltar atrás, alarmado e com o coração ao pulos: estava ali. Era ela!

Seus olhos encheram-se de lágrimas e os dedos, tremendo, dificultavam atender ao comando do cérebro. A muito custo, foi em busca de mais informações. Pouquíssimas fotografias, nenhuma informação sobre aquela Helena, a sua profissão, a cidade onde morava, nada! Ficou abatido, era daquelas que pouco usava a rede, assim como ele próprio. Desesperou-se.

Resolveu tentar, assim mesmo, um contato. Quem sabe se dessa vez a sorte lhe sorriria! Digitou o nome amado: “Helena?”.  Não esperava resposta imediata, estava claro. Apenas uma tentativa, pensou desanimado. E tomou um susto quando viu aparecer uma mensagem na tela: “Quem é?”. Os dedos desobedeceram de vez ao comando. E mesmo assim, dizer o que? Parou emocionado. E quase perde o "time". Ainda pensou em levantar e ir embora. Mas resolveu colocar aquilo em dia. Desse no que desse. E então respondeu: “Pedro”.

Quando a resposta lhe veio, após passados alguns minutos, parecia ver como se as letras na tela estivessem tremidas: “Não sei quem é”, foi a resposta. Ao invés das letras trêmulas, julgou agora vê-las decepcionadas. Ele insistiu: “Pedro Martins, o carnavalesco de Salvador!” O tempo de resposta foi maior. “De que carnaval?”, letrinhas emocionadas agora, mas, reticentes. “2008!”. Nova pausa. Depois: “vi a sua foto, agora te reconheci”. Isso foi o início da troca de mensagens, porque, depois, o diálogo fluiu e vieram somente notícias boas, alvíssaras. “Estás casada?”. “Não!” Não? divorciada!?” “Também não! Solteira mesmo. Nunca encontrei o meu folião amado!”

Lágrimas de emoção começaram a cair sobre o teclado, e os dedos, agora cúmplices, corriam ligeiro em busca de mais e mais informações. “Não vou perder o "time" agora: nome completo e endereço?” Residiam em cidades próximas, foi a surpresa seguinte.

Dia seguinte, quinta-feira comum, sem nome, uma vez que somente a quarta-feira de cinzas recebeu um nome de batismo, estava ele desembarcando no Aeroporto de Recife para o reencontro esperado por longos dez anos. E ao penetrar no salão de desembarque, lá estava o rosto amado a sorrir feliz. Mas, os últimos vinte metros que lhe separavam da mulher amada foram os mais extenso da sua vida, e alargou demais o tempo até tê-la em seus braços outra vez. Refletiu muito e rápido durante o trajeto, como se estivesse recebendo as cinzas da conversão sobre a sua testa, e aduziu: a vida teria um recomeço! 

quinta-feira, 7 de março de 2019

Professor Amstein


O genial Gervásio Castro fez a magnífica charge do professor Amstein, sem ter conhecido o mestre, já que ele faleceu em 1948, e sem ter acesso a retrato seu. De modo que se baseou apenas nas informações de que ele era um suíço de alta estatura, avermelhado, de bigode e barbas ruivas, e de que era um professor de matemática e desenho, “colega maior e mais velho, barulhento, inconsequente e brincalhão”, como dele disse o ex-aluno Renato Castelo Branco, no seu livro de memórias Peguei um ita no Norte.

Professor Amstein

Elmar Carvalho

Ainda no início de nossa mudança para Parnaíba, em 1975, meus pais, meus irmãos e eu fomos morar no apartamento dos Correios (ECT), na Praça da Graça. Foi na placa da rua, que lhe passa pela lateral externa, que vi estampado pela primeira vez o seu nome: Rua Professor Amstein. Sempre associei-lhe o nome ao do grande físico e gênio Einstein. Por isso mesmo a minha imaginação, às vezes fantasiosa, me levou a acreditar que ele poderia ser um judeu alemão fugitivo dos nazistas. Da janela de um dos banheiros do apartamento, nas madrugadas silentes, eu vi, muitas vezes, uma nesga dessa rua deserta e a placa luminosa da revenda Poncion Rodrigues com o W estilizado da Volkswagen.

Na época em que frequentei a casa do professor Lima Couto, por ser amigo do Paulo de Athayde Couto, seu filho, meu colega de turma no curso de Administração de Empresas (UFPI – Campus Ministro Reis Velloso), ouvi novamente falar em Amstein. Lima Couto, ao me relatar fatos de sua vida, sobretudo de sua experiência magisterial, me contou que o túmulo do velho mestre e engenheiro suíço fora por ele idealizado, tomando como inspiração, creio, o túmulo do Soldado Desconhecido. 

Posteriormente, num comentário (em meu blog), sobre esta crônica, soube pelo professor universitário e economista Vitor de Athayde Couto que o mausoléu na verdade é uma réplica do túmulo de Napoleão Bonaparte, nos Invalides, em Paris. Vitor revela a grande admiração que seu pai, o professor Lima Couto, nutria por Amstein. Aduz, ainda, que o velho mestre teria trabalhado na Companhia de Portos e Vias Navegáveis – CPVN, na função de topógrafo ou agrimensor. Acrescentou que o seu irmão Régis lhe mencionara que o arquiteto Assis Couto dos Reis dizia que foi com Amstein que aprendera Desenho e Topografia, “não só no Ginásio Parnaibano, mas também na CPVN, onde trabalharam juntos”.

Ao visitar o Cemitério da Igualdade, em diferentes ocasiões, descobri, por conta própria ou por informações de coveiros, os túmulos da poetisa Luíza Amélia de Queiroz, à sombra de sua frondosa e bela gameleira, o de minha prima Verônica Melo, morta em plena juventude, no apogeu de sua beleza, e o do professor Alfredo Eduardo Amstein.

Nesse campo santo também foi sepultada minha irmã Josélia, falecida aos 15 anos de idade, em cujo túmulo meu pai afixou uma placa de metal com os imortais versos de Da Costa e Silva: “Saudade! Asa de dor do pensamento!” No túmulo de Amstein, consta: “Nasceu em 27 de março de 1887 – Faleceu em 30 de julho de 1948. Homenagem de seus colegas do Ginásio Parnaibano e Escola Normal de Parnaíba.”

Através do Dr. Lauro Correia, diretor do Campus e meu professor no curso de Administração de Empresas, e que foi seu aluno na segunda metade da década de 1930, tomei conhecimento de outros fatos de sua vida, inclusive de que ele morou na Ilha Grande de Santa Isabel, na mesma casa, por sinal, em que nascera Evandro Lins e Silva, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, eu sabia que Amstein, engenheiro suíço, de porte avantajado, de vastos e bastos bigode e barba ruivos, era um tipo bonachão, um grande contador de estórias e fatos anedóticos, em que a fantasia parecia se misturar com a verdade, em que a ficção se mesclava a fatos reais. Tive certeza disso quando li o capítulo O professor Amstein, do livro Tomei um ita no Norte, de Renato Castelo Branco, com quem, em minha juventude, cheguei a me corresponder por cartas. Dessa obra memorialística extraio os seguintes trechos:

“... Mas ele era bom e todos gostávamos dele. Não como um professor, a quem se respeita, mas como um colega maior e mais velho, barulhento, inconsequente e brincalhão. // ... Suas histórias, geralmente episódios de sua vida, eram ricas, férteis, cheias de pitoresco e de surpresas. Sentia-se que refletiam a verdade. Mas não apenas a verdade. A parte verdadeira as tornava plausíveis. Mas sentíamos que estávamos sendo mistificados, que Amstein enriquecia suas aventuras, que inventava, que acrescentava fatos, acontecimentos, detalhes imaginários. // Onde terminava a verdade e começava a fantasia? Sabíamos que ele mentia. Mas, como o Taubelman de Michel Deon, não sabíamos quando. Pois ele vivia em um mundo a um tempo real e imaginário, do qual era uma espécie de mágico, a nos deslumbrar. // Até mesmo a maneira como viera esbarrar em Parnaíba tinha esta marca de mistério e meia-verdade. Um dia o Diretor do Ginásio Parnaibano recebera um telegrama de Amstein, declarando-se engenheiro suíço, professor de matemática, e disposto a aceitar o convite para lecionar no Ginásio. O Diretor jamais lhe fizera qualquer convite. Nem tampouco o conhecia. Mas precisava de professor e contratou-o. // Assim chegou Amstein em Parnaíba, a cuja vida se incorporou, enriquecendo sua cultura e seu folclore. Deixou muitos amigos. Mas já chegou montado em uma meia-verdade.”   


Foto extraída da dissertação de mestrado da professora Maria do Socorro Meireles Rodrigues, cujo arquivo em PDF me foi enviado pela professora Juliana Lacet, que desenvolve uma pesquisa sobre a advogada Catarina Moura, que foi esposa de Amstein. Na foto aparece o corpo docente do antigo Ginásio Parnaibano. Acreditamos que Amstein não esteja nessa foto, uma vez que não aparece nenhum professor com bigode e barba.

No livro Cada Rua – Sua História, de Caio Passos, sobre as ruas, avenidas, praças e outros logradouros de Parnaíba, no local apropriado, encontro muitas informações sobre o velho professor Amstein, que corroboram o que sobre ele eu já sabia, além de outras que desconhecia. Entre estas, tomo conhecimento de que ele gostava de cavalgar e de cultivar suas hortas. E de que falava amiúde das belezas de sua pátria, louvando-lhe as belezas naturais, sobretudo “as edelweiss, uma linda flor branca dos Alpes”, que certamente lhe enchiam o peito de saudade e lhe faziam relembrar as níveas neves alpinas.


Dois ou três dias atrás, mediante comentário em meu blogue e de notificação em minha página no facebook, pude fazer contato com a professora e historiadora Juliana Lacet, que me pediu informações sobre Amstein, uma vez que ela está fazendo uma pesquisa sobre a vida de Catarina Moura, que foi sua esposa, de cujo casamento nasceram duas filhas e um filho, falecido aos vinte e poucos anos. Catarina foi uma mulher avançada para sua época. Advogada, escreveu vários artigos em defesa da mulher e de seus direitos. Ela era natural de Paraíba do Norte, hoje cidade de João Pessoa. Amstein era filho do cônsul suíço em Recife. Portanto, não era fugitivo dos nazistas, como a minha imaginação me fizera suspeitar.

Em meados dos anos 1980, creio, comecei a escrever uma série de poemas sobre figuras populares, anedóticas e folclóricas de Parnaíba, que faziam parte do cenário cultural, pitoresco e histórico dessa cidade. Mensalmente esses textos eram publicados, com esmeradas ilustrações de Flamarion Mesquita, no jornal Inovação. Flamarion é, como já disse, uma flama flamejante de talento. Em 2009 reuni esses poemas, que tinham o título geral de PoeMitos da Parnaíba, e os publiquei em livro, com geniais charges policromáticas de Gervásio Castro e um esmerado prefácio de Cunha e Silva Filho. Mas desde o início achei que entre eles deveria constar um sobre o professor Amstein. Não sei ao certo porque não o fiz. Acho que me faltou engenho e arte para retratar o velho engenheiro suíço.

Agora, muitas décadas depois, motivado pelos fatos acima relatados, escrevi esse desejado poema sobre o inesquecível professor Amstein, que segue abaixo (e que integrará doravante os meus PoeMitos da Parnaíba), como uma homenagem a essa instigante e fulgurante figura humana, humana no melhor e mais completo sentido da palavra:

       AMSTEIN

Elmar Carvalho

O professor Amstein,
com seu vasto bigode
e densa barba ruiva,
alto, forte, avermelhado,
chegou a Parnaíba montado
no árdego Pégaso da mistificação.
Assumiu emprego no
Ginásio Parnaibano e na Escola Normal.
Professor de desenho geométrico e matemática,
fazia suas métricas e matemágicas
em suas fantásticas e fantasiosas histórias.
Engenheiro e da Suíça, era um verdadeiro
canivete suíço: polivalente, pau para toda obra,
homem de sete ou mais instrumentos, substituía
qualquer dos professores faltosos.
Novo Barão de Munchausen
recheava suas aulas e recreios
com seus anedóticos e mirabolantes “causos”,
menino grande entre os demais meninos,
“barulhento, inconsequente e brincalhão”,
no dizer do ex-aluno Renato Castelo Branco.
Para sempre restou em sua mente a saudade
de Edelweiss, a divina e linda nívea flor dos Alpes.  

quarta-feira, 6 de março de 2019

REMINISCÊNCIAS DO AÇUDE CALDEIRÃO

Fonte: Google

REMINISCÊNCIAS DO AÇUDE CALDEIRÃO

José Pedro Araújo
Romancista, cronista e historiador

Era começo de 1976 quando conheci o belo Açude Caldeirão, em Piripiri. Fazia parte de um grupo de quatro estudantes, dois de Engenharia Agronômica e os outros de Engenharia de Pesca vindos da Universidade Federal Rural de Pernambuco, para ali estagiar. Pois, além de se desenvolverem ali um perímetro irrigado para a agricultura, havia também uma colônia de pescadores que se utilizava dos 54.000.000 m³ de água armazenada em suas três bacias. A ideia primeira que tivemos foi a de um belíssimo Projeto de Assentamento tocado pelo DNOCS. As casas construídas para abrigar os colonos eram de boa qualidade e enfileiravam-se à esquerda da entrada do projeto, atrás de um belíssimo conjunto arbóreo bem delineado. E sobre um promontório, uma simpática capela dava as boas vindas aos visitantes que por ali chegavam. Mas a melhor parte da nossa primeira visita ao local aconteceu quando fomos conduzidos à bela e aconchegante Casa de Hóspedes do projeto: em frente descortinava-se um lago de águas cristalinas que faiscavam naquele fim tarde. Um belo cartão de visitas, não havia dúvidas.

Como falei no princípio do texto, estávamos ali para um estágio que deveria durar trinta dias. Foi uma experiência incrível e um momento de aprendizagem que marcaria as nossas vidas. Logo após sermos instalados na pousada, fomos conhecer o chefe do perímetro e as instalações do projeto. Tudo de ótima qualidade e extremo cuidado. Fui apresentado ao técnico que iria coordenar as atividades do meu estágio, um espanhol muito simpático e educado, Ariosto Solera, que logo se transformou em um grande amigo, além de instrutor dos mais eficientes durante os dias que passei ali. Ariosto era o representante do IRIDA, instituição espanhola voltada à irrigação, e que mantinha uma parceria com o DNOCS.

Logo no dia seguinte, depois de algumas explanações sobre o projeto levado a cabo pela instituição, Ariosto abriu um mapa sobre a mesa. Era a planta do novo canal de irrigação construído há pouco. O meu primeiro trabalho seria traçar o perfil daquele canal, em papel milimetrado, levantando em campo todas as cotas instaladas a cada cem metros, com as informações necessárias. Depois de concluído o trabalho de campo, chegamos à conclusão de que houve erro na construção do canal principal, situação já observada na prática ao se verificar que, enquanto em alguns pontos o canal permanecia com pouca água, em outros, a água quase chegava a transbordar, evidenciado um erro grave de nivelamento. Tal fato levaria a procuradoria do órgão a ingressar com uma ação contra a construtora responsável pela obra. Pelo menos foi o que ficou acordado na época, uma vez que empresa responsável pela obra alegava um erro na concepção do projeto básico, e  que não era de sua responsabilidade. Não tive mais informações se houve, de fato, ajuizamento da tal ação.

Foram dias muito bons aqueles que passei no Projeto Caldeirão. Sob um inverno tenebroso, as chuvas caiam quase todas as tardes e noites, tornando a estada ali também diferente. A Casa de Hóspedes estava construída sobre uma elevação do terreno, e não a jusante da barragem, como ocorreu no caso da fatídica barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, o que ensejou a morte ou desaparecimento de mais de trezentas pessoas após recente colapso sofrido pela barragem. Tínhamos uma vista esplendorosa do açude, o que transmitia grande paz interior ao ficar contemplando aquele poderoso ajuntamento de águas. Bem, menos nas noites chuvosas, quando o vento esbatia sobre as folhagens das acácias plantadas na frente da pousada emitindo um som pavoroso daqueles filmes de terror, e deixando o ambiente com aspecto fantasmagórico.

Voltei ao Caldeirão umas poucas vezes nesses últimos anos. A maioria delas para degustar uma saborosa peixada servida no restaurante que fora antes a Casa de Hóspedes. Entretanto, por esses dias, a imprensa tem explorado muito a questão da falta de manutenção que essa barragem sofreu nos últimos anos, o que levou a formar fissuras preocupantes na estrutura do seu paredão. E isso, levado pelo que aconteceu em Brumadinho, tem apavorado a população da região. O rio Caldeirão é afluente do rio dos Matos, e este passa ao lado da cidade de Piripiri, situada a menos de 10 km de distância. Em caso de colapso da barragem, fatalmente seus efeitos seriam danosos para as populações ribeirinhas situadas logo abaixo.

O termino da construção da barragem (Açude Caldeirão) se deu em  1945, e dez anos depois, em 1956, apresentou graves problemas em sua parede. Corrigidos os problemas, outros voltariam a atacar a estrutura do paredão, liberando água em quantidades alarmantes. As providências tomadas com urgência evitaram um mal maior. E desde então, apenas pequenos problemas foram verificados, pelo que se sabe.

Os problemas surgidos ultimamente na parede de 746 m são decorrentes do tempo de construção, do uso, muitas vezes inadequado, mas, principalmente, pela ausência de manutenção. As águas do Açude Caldeirão são usadas hoje para irrigação, mas também como um balneário que conferiu grande importância turística ao município de Piripiri. Erigido em uma região muito populosa, um colapso ocasional poderia causar prejuízos insanáveis a população local. Ou até mesmo a morte de muitos dos que ficam no raio de ação daquele importante projeto.

domingo, 3 de março de 2019

Seleta Piauiense - Rodrigo M. Leite

Fonte: Google


previsão do tempo

Rodrigo M. Leite (1989)

o morto esboçado no chão com sua moto
não é lembrado no Mercado Central
onde cresceu e há anos não aparece
o recém nascido Evangelina Rosa grita primavera rouca
coro que anoitece os olhos do pai
pétalas de aço enferrujado rasgam o asfalto
Frei Serafim meio do dia da
quentura dos infernos
ônibus tiram fino das garotas CPI todas iguais
a cidade respira pulmões encardidos
e o som vibrante de linhas com cerol nos postes do Mafuá
trilha o cotidiano de almas estendidas em varais   

sexta-feira, 1 de março de 2019

R O S A





R O S A
                                   
Alcenor Candeira Filho
                                      
                        Mimosa, purpúrea flor!
                        ( Casimiro de Abreu  -  “ A Rosa”)

                        logo raiou
                        a madrugada
                        formosa e alva
                        abriu-se a rosa.
                        bem fui cheirá-la
                        ao sol da tarde
                        já era tarde:
                        virara pedra.
                       (A. C. F.  -  “Rosa e Pedra”)               
                                                                         
                                                                     
                                                 hoje ganhei uma rosa
                                                 bem cedinho de manhã
                                                 formosa flor das rosáceas
                                                 “mimosa, purpúrea flor”

                                                 flor de pétala de lã
                                                 odor de bala hortelã
                                                 sabor de bolo maçã
                                                 cor de madura romã

                                                 como não dura qual rocha
                                                 como não dura qual osso
                                                 porquanto somente flor
                                                 pu-la em vaso de prata
                                                 com potável água clara
                                                 logo logo de manhã

                                                 ganhei uma bela rosa
                                                 em vaso de prata posta
                                                 rosa de múltiplas pétalas
                                                 flor de corola dobrada
                                                 rosa rosa rosa rosa
                                                 -  purpúrea flor da manhã