Elmar Carvalho
CERTA TRAVESSIA POÉTICA
Segundo leio na orelha do livro Incerta Travessia, o padre e poeta Paulo Gabriel, seu autor, nasceu em 1950, na Espanha, mas veio para o Brasil em 1972, onde se ordenou sacerdote três anos após. Pela beleza das palavras, transcrevo o que dele disse Dom Pedro Casaldáliga, na contracapa: “A poesia de Paulo Gabriel é telúrica. É uma confirmação também da confissão de Rilke: 'O poeta é sua infância'. Todos os poemas de Paulo Gabriel são de um realismo forte, de uma certa dramaticidade entre a ternura e a paixão, entre o mistério da “incerta travessia” e a terra suada e por vezes sangrada. Têm seus poemas uma geografia da alma, com santuários definidos: Castilla, Minas Gerais, Araguaia. A poesia de Paulo Gabriel é apaixonadamente autobiográfica, como, aliás, toda boa poesia”. Concordo inteiramente com as palavras de Dom Pedro, ele também notável escritor e poeta, mesmo quando não faz poesia, e por isso mesmo as transcrevi na íntegra. Sempre há algo de confessional, de autobiográfico, nos escritos literários, mesmo dos maiores mestres, porquanto a ninguém é dado criar do nada, exceto o Supremo Criador. Nota-se que quando ele fala do amanho da terra, dos sulcos dos arados, não o faz apenas por modismo ou pose, através de uma cultura apenas livresca, mas porque vivenciou o que descreve; por isso mesmo, transmite emoção, com a autoridade de quem sabe do que está falando. Senão vejamos os seguintes versos disseminados em seu livro:
Carrego no corpo estepes e trigais
minha infância vestida de paixão e medo.
(…)
Há dentro de mim tardes de incenso e nostalgia
o silêncio total diante do tirano.
[Vazios]
Calados
os homens mastigavam a tristeza
definhavam as mulheres de saudade nas tardes sem sol.
[Volta à origem]
Ainda na orelha, colho a informação de que entre os poetas que influenciaram sua poesia encontram-se Juan Ramón Jimenez, Pablo Neruda, Ernesto Cardenal, Ferreira Gullar e Manoel de Barros. Está em ótima companhia e não desmerece os companheiros, antes fez por onde merecer estar entre eles. Por outras palavras, a sua poesia tornou-se digna de suas matrizes na medida em que tem a mesma dignidade literária. Luís Paiva, no Prólogo, assevera: “Paulo Gabriel é um outro tipo de padre, é um outro tipo de artista. É um padre démodé. Gosta de literatura, de música, de teatro e de cinema”. Cotejando essas palavras com as seguintes, de Dom Pedro Casaldáliga: “Paulo é tão bom no altar como no palco, fazendo teatro”, chego à conclusão que ele deve ser um grande intérprete de seus poemas, e certamente deve fazer as suas performances poéticas com muita maestria, até porque, como já assinalei, muito do conteúdo de seus poemas foi vivenciado por ele, o que contribui, decerto, para o realismo e convencimento dessas atuações. Quando envereda pela denúncia, o faz de forma sutil e artística, sem jamais descambar para o meramente panfletário da poesia engajada menor. É uma bela poesia, vertida em linguagem simples, de fruição e interpretação imediatas, mas embebida de vida, paixão, a avivar os sentimentos e o lado emocional do leitor.
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