7 de fevereiro Diário Incontínuo
GONZAGÃO “BICO DE AÇO” E OUTRAS HISTÓRIAS
Elmar Carvalho
Na sexta-feira fui ao Itacor, para me consultar com o
Dr. José Itamar Abreu Costa, seu presidente e emérito
cardiologista. Quando retornei, para lhe entregar o resultado de dois
exames, que ele havia inicialmente solicitado, fiquei a contemplar
dois grandes quadros afixados na antessala. Um, continha a fotografia
de uma bela paisagem, creio que europeia, na qual se via um lago, uma
montanha e a floresta em seu derredor. O outro era a pintura de um
Cristo, talvez no horto, a rezar fervorosamente, de mãos postas.
Suponho retratasse a sua agonia, às vésperas de sua
paixão e morte, pois suas feições estavam contraídas, a expressar
angústia e sofrimento, como se antecipassem o que ele padeceria nos
episódios que se estenderiam do julgamento por Pilatos à
crucificação no alto do Gólgota ou Calvário. Não era um retrato
padrão, porquanto era um Jesus de barba e cabelos negros, e
certamente as suas feições não eram as de um ariano (branco, louro
e de olhos azuis).
Quando eu estava imerso nesses pensamentos, aguardando a
minha vez de ser atendido, o médico e intelectual Itamar Abreu Costa
adentrou a sala de espera, vindo do consultório. A sorrir, disse que
o grande quadro da paisagem, que no momento eu olhava, era a
fotografia de um lugar de sua terra natal, Alto Longá. Sem dúvida,
seu torrão terá outras paisagens bonitas, como as nascentes do
Longá, a vertente Campeira; mas aquele não era um panorama
longaense, como depois ele confessou.
No momento em que fui por ele atendido, ao lhe entregar
o meu exame de eletrocardiograma, disse-lhe que, se aqueles gráficos
fossem uma pintura geométrica ou mesmo abstrata, dependendo da
perspectiva do analista, poderiam ser vistos como figurando os vastos
campos de Campo Maior. Alguns quadros pareciam um descampado, com
esbeltas carnaubeiras ao longo da linha do horizonte; outros eram
semelhantes aos tabuleiros, em que se erguem as corcovas arredondadas
dos cupins; alguns outros me fizeram lembrar uma tábua, em que se
viam pequenos buracos, feitos por pebas e tatus, pois os registros
das batidas de meu coração apontavam para baixo da linha do
horizonte, que se mantinha quase reta, quase sem inclinações,
fossem para cima, fossem para baixo.
Acrescentei-lhe que, ao meu olhar de leigo, aquela
sequência de quadros, doze ao todo, pareciam indicar que eu estava
bem, que não havia acidentes e nem irregularidades no funcionamento
de minha bomba cardíaca. Tudo parecia equilibrado, com as
“carnaubeiras” e as “corcovas de cupins” do mesmo tamanho,
guardando quase perfeita simetria. Itamar, após me explicar como era
feito o exame, disse-me que eu estava certo, que no momento do exame
o meu velho coração estava funcionando muito bem. Eu sabia que ele
estava bem espiritualmente, mas não sabia que estivesse tão bem em
seu mecanismo fisiológico.
Contudo, como eu já “desfruto” de hipertensão,
achou recomendável eu fizesse um exame em esteira ergométrica e um
ecocardiograma. Anteontem, lhe fui levar os laudos dessas
perscrutações. Parabenizou-me por ambos os resultados. Admirou-se
do laudo ergométrico, que estava muito bom para pessoa de minha
idade. Pelo entusiasmo como o cardiologista Itamar Costa falou,
senti-me o próprio Indiana Jones tupiniquim, e quase me senti o
queniano Poltergeist, o fenomenal maratonista de São Silvestre.
O doutor Itamar já me havia contado, em consulta
anterior, que o grande Luiz Gonzaga, o genial Rei do Baião, havia se
hospedado na fazenda Pequizeiro, localizada à margem da estrada
real, que ligava Sobral a Teresina, passando por Crateús, quando
viera do Ceará para a capital piauiense, a serviço do Exército
Brasileiro. A tropa viera de trem de Fortaleza até Sobral, e fizera
o restante da viagem em lombos de animais. Nessa ocasião, Gonzaga,
ainda garoto, executou algumas músicas num fole pé de bode, de
apenas oito baixos, já um tanto escacholado. Essa fazenda pertencia
a Laurindo de Castro, pai do Dr. Franklin de Castro Lima, dono da
empresa Água Mineral Regina.
O avô de Itamar, Agustinho Marques da Costa, era o
vaqueiro da fazenda Pequizeiro, e também tocou algumas músicas na
acanhada sanfona de sua propriedade. Luiz Gonzaga, além de exímio
sanfoneiro, era o cabo corneteiro da tropa, e ganhara o apelido de
Bico de Aço, pelo modo forte como fazia vibrar sua corneta. Em
lembrança desse fato e em homenagem ao velho Lua, Itamar mandou
fazer um banner, em que aparece a empunhar uma grande sanfona
prateada, em companhia do Gonzagão. A montagem fotográfica, que ele
me mostrou, ficou muito bonita, contudo, não posso deixar de dizer
que o esforçado Itamar, na qualidade de sanfoneiro, é um grande
cardiologista.
Obrigado, Elmar pelo belíssimo texto.
ResponderExcluirElmar, boa tarde!
ResponderExcluirA safoninha pé-de-boi era do meu avô e atualmente está com o meu pai(ZEMARQUES), estamos recuperando esta verdadeira obra de arte no Britos Acordons.
Um abraço Itamar
Já corrigi o equívoco, fazendo constar que a sanfoninha pé de bode pertencia a seu avô Agustinho, que também tocou para Gonzagão na memorável noite sertaneja, na fazenda Pequizeiro.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar Carvalho
Elmar vejamos algumas proezas do meu velho avô Agustinho Marques:
ResponderExcluir1-O seu patrão, Laurindo de Castro, comprou umas vacas holandesas, que foram trazidas do exterior em navios cargueiros e ou de avião de carga. Este gado foi levado para a Fazenda Pequizeiro e entregue ao vaqueiro Agustinho. No ano seguinte o patrão resolve visitar a propriedade, para dar partilha aos bezerros.
Ao chegar, notou que uma das rezes estava amarrada em um tronco. O velho teve uma crise de raiva e sem respeitar a presença das crianças, partiu para agressão verbal com palavras de baixo calão dirigida ao dedicado homem do campo. Meu avô ficou calado, mandou preparar o quarto para o proprietario e os companheiros, mandou servir o jantar, armou as redes e sem combinar nada, inventou que deixaria um cavalo na quinta. Pegou a estrada da Fazenda Buriti Só onde residia seu pai Pedro Marques, ao chegar na casa do seu pai foi logo dizendo: meu pai venho até a esta hora da noite, só para lhe comunicar o que aconteceu e seu filho ao amanhecer do dia será um assassino. O que isto meu filho!.
Pedro Marques deixou o filho dormindo e convidou um amigo, vizinho e compadre: Petru de Area Leão e rumaram para a Fazenda e explicaram ao Sr Laurindo o que estava se passando. O Sr da terra ficou triste, muito arrependido e mandou pedir mil desculpas ao meu avô. O vaqueiro, não o perdoou e deixou a propriedade com a família. Foram morar em uma pequena localidade de nome Bom Jesus.
Tu é mesmo um poeta, pois até mesmo em um exame de eletrocardiograma tu consegue ver poesia. Muito legal isso!!!!!
ResponderExcluirObrigado, Joserita, mas você é suspeita por ser minha irmão. Valeu!
ResponderExcluirMuito bem posto, Joserita. Ao ler o artigo tive de imediato a mesma impressão.É na alma de grandes poetas como Elmar que a imaginação aflora nos levando de carona a universos (permita-me usar o grande Camões), nunca dantes navegados.
ResponderExcluirInterpretando o ECG do Elmar, observamos que o seu Coração é super apaixonado pelas coisas de Campo Maior. Esperamos que o seu sonho se torne realidade e ele possa ainda vê o Arquiteto e Olavo Pereira da Silva o nosso "INDIANA JONES" tupi ninquim fazendo a reforma nos casarias histórico da terra de Santo Antonio. Um abraço José Itamar (Cardiologista e orgulhosamente cidadão honorário de Campo Maior)
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