quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

GONZAGÃO “BICO DE AÇO” E OUTRAS HISTÓRIAS




7 de fevereiro   Diário Incontínuo

GONZAGÃO “BICO DE AÇO” E OUTRAS HISTÓRIAS

Elmar Carvalho

Na sexta-feira fui ao Itacor, para me consultar com o Dr. José Itamar Abreu Costa, seu presidente e emérito cardiologista. Quando retornei, para lhe entregar o resultado de dois exames, que ele havia inicialmente solicitado, fiquei a contemplar dois grandes quadros afixados na antessala. Um, continha a fotografia de uma bela paisagem, creio que europeia, na qual se via um lago, uma montanha e a floresta em seu derredor. O outro era a pintura de um Cristo, talvez no horto, a rezar fervorosamente, de mãos postas.

Suponho retratasse a sua agonia, às vésperas de sua paixão e morte, pois suas feições estavam contraídas, a expressar angústia e sofrimento, como se antecipassem o que ele padeceria nos episódios que se estenderiam do julgamento por Pilatos à crucificação no alto do Gólgota ou Calvário. Não era um retrato padrão, porquanto era um Jesus de barba e cabelos negros, e certamente as suas feições não eram as de um ariano (branco, louro e de olhos azuis).

Quando eu estava imerso nesses pensamentos, aguardando a minha vez de ser atendido, o médico e intelectual Itamar Abreu Costa adentrou a sala de espera, vindo do consultório. A sorrir, disse que o grande quadro da paisagem, que no momento eu olhava, era a fotografia de um lugar de sua terra natal, Alto Longá. Sem dúvida, seu torrão terá outras paisagens bonitas, como as nascentes do Longá, a vertente Campeira; mas aquele não era um panorama longaense, como depois ele confessou.

No momento em que fui por ele atendido, ao lhe entregar o meu exame de eletrocardiograma, disse-lhe que, se aqueles gráficos fossem uma pintura geométrica ou mesmo abstrata, dependendo da perspectiva do analista, poderiam ser vistos como figurando os vastos campos de Campo Maior. Alguns quadros pareciam um descampado, com esbeltas carnaubeiras ao longo da linha do horizonte; outros eram semelhantes aos tabuleiros, em que se erguem as corcovas arredondadas dos cupins; alguns outros me fizeram lembrar uma tábua, em que se viam pequenos buracos, feitos por pebas e tatus, pois os registros das batidas de meu coração apontavam para baixo da linha do horizonte, que se mantinha quase reta, quase sem inclinações, fossem para cima, fossem para baixo.

Acrescentei-lhe que, ao meu olhar de leigo, aquela sequência de quadros, doze ao todo, pareciam indicar que eu estava bem, que não havia acidentes e nem irregularidades no funcionamento de minha bomba cardíaca. Tudo parecia equilibrado, com as “carnaubeiras” e as “corcovas de cupins” do mesmo tamanho, guardando quase perfeita simetria. Itamar, após me explicar como era feito o exame, disse-me que eu estava certo, que no momento do exame o meu velho coração estava funcionando muito bem. Eu sabia que ele estava bem espiritualmente, mas não sabia que estivesse tão bem em seu mecanismo fisiológico.

Contudo, como eu já “desfruto” de hipertensão, achou recomendável eu fizesse um exame em esteira ergométrica e um ecocardiograma. Anteontem, lhe fui levar os laudos dessas perscrutações. Parabenizou-me por ambos os resultados. Admirou-se do laudo ergométrico, que estava muito bom para pessoa de minha idade. Pelo entusiasmo como o cardiologista Itamar Costa falou, senti-me o próprio Indiana Jones tupiniquim, e quase me senti o queniano Poltergeist, o fenomenal maratonista de São Silvestre.


O doutor Itamar já me havia contado, em consulta anterior, que o grande Luiz Gonzaga, o genial Rei do Baião, havia se hospedado na fazenda Pequizeiro, localizada à margem da estrada real, que ligava Sobral a Teresina, passando por Crateús, quando viera do Ceará para a capital piauiense, a serviço do Exército Brasileiro. A tropa viera de trem de Fortaleza até Sobral, e fizera o restante da viagem em lombos de animais. Nessa ocasião, Gonzaga, ainda garoto, executou algumas músicas num fole pé de bode, de apenas oito baixos, já um tanto escacholado. Essa fazenda pertencia a Laurindo de Castro, pai do Dr. Franklin de Castro Lima, dono da empresa Água Mineral Regina.


O avô de Itamar, Agustinho Marques da Costa, era o vaqueiro da fazenda Pequizeiro, e também tocou algumas músicas na acanhada sanfona de sua propriedade. Luiz Gonzaga, além de exímio sanfoneiro, era o cabo corneteiro da tropa, e ganhara o apelido de Bico de Aço, pelo modo forte como fazia vibrar sua corneta. Em lembrança desse fato e em homenagem ao velho Lua, Itamar mandou fazer um banner, em que aparece a empunhar uma grande sanfona prateada, em companhia do Gonzagão. A montagem fotográfica, que ele me mostrou, ficou muito bonita, contudo, não posso deixar de dizer que o esforçado Itamar, na qualidade de sanfoneiro, é um grande cardiologista.

8 comentários:

  1. Obrigado, Elmar pelo belíssimo texto.

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  2. Elmar, boa tarde!
    A safoninha pé-de-boi era do meu avô e atualmente está com o meu pai(ZEMARQUES), estamos recuperando esta verdadeira obra de arte no Britos Acordons.
    Um abraço Itamar

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  3. Já corrigi o equívoco, fazendo constar que a sanfoninha pé de bode pertencia a seu avô Agustinho, que também tocou para Gonzagão na memorável noite sertaneja, na fazenda Pequizeiro.
    Abraço,
    Elmar Carvalho

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  4. Elmar vejamos algumas proezas do meu velho avô Agustinho Marques:
    1-O seu patrão, Laurindo de Castro, comprou umas vacas holandesas, que foram trazidas do exterior em navios cargueiros e ou de avião de carga. Este gado foi levado para a Fazenda Pequizeiro e entregue ao vaqueiro Agustinho. No ano seguinte o patrão resolve visitar a propriedade, para dar partilha aos bezerros.
    Ao chegar, notou que uma das rezes estava amarrada em um tronco. O velho teve uma crise de raiva e sem respeitar a presença das crianças, partiu para agressão verbal com palavras de baixo calão dirigida ao dedicado homem do campo. Meu avô ficou calado, mandou preparar o quarto para o proprietario e os companheiros, mandou servir o jantar, armou as redes e sem combinar nada, inventou que deixaria um cavalo na quinta. Pegou a estrada da Fazenda Buriti Só onde residia seu pai Pedro Marques, ao chegar na casa do seu pai foi logo dizendo: meu pai venho até a esta hora da noite, só para lhe comunicar o que aconteceu e seu filho ao amanhecer do dia será um assassino. O que isto meu filho!.
    Pedro Marques deixou o filho dormindo e convidou um amigo, vizinho e compadre: Petru de Area Leão e rumaram para a Fazenda e explicaram ao Sr Laurindo o que estava se passando. O Sr da terra ficou triste, muito arrependido e mandou pedir mil desculpas ao meu avô. O vaqueiro, não o perdoou e deixou a propriedade com a família. Foram morar em uma pequena localidade de nome Bom Jesus.

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  5. Joserita Maria de Melo Carvalho7 de fevereiro de 2013 às 22:04

    Tu é mesmo um poeta, pois até mesmo em um exame de eletrocardiograma tu consegue ver poesia. Muito legal isso!!!!!

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  6. Obrigado, Joserita, mas você é suspeita por ser minha irmão. Valeu!

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  7. JOSÉ FRANCISCO MARQUES8 de fevereiro de 2013 às 08:45

    Muito bem posto, Joserita. Ao ler o artigo tive de imediato a mesma impressão.É na alma de grandes poetas como Elmar que a imaginação aflora nos levando de carona a universos (permita-me usar o grande Camões), nunca dantes navegados.

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  8. Interpretando o ECG do Elmar, observamos que o seu Coração é super apaixonado pelas coisas de Campo Maior. Esperamos que o seu sonho se torne realidade e ele possa ainda vê o Arquiteto e Olavo Pereira da Silva o nosso "INDIANA JONES" tupi ninquim fazendo a reforma nos casarias histórico da terra de Santo Antonio. Um abraço José Itamar (Cardiologista e orgulhosamente cidadão honorário de Campo Maior)

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