sábado, 7 de dezembro de 2013

O VAPOR DO PARNAÍBA NÃO NAVEGA MAIS NO MAR


Edmar Oliveira

            Saía um vapor do cais do Parnaíba, que nem trem, puxando várias barcaças. Carregado de gêneros de primeiras necessidades. Como se fosse uma mercearia deslizando no rio. Sabão, óleo, açúcar, sal, e umas brevidades que a cidade anunciava estavam no balcão flutuante. A tarefa era trocar estas mercadorias por coco babaçu e cera de carnaúba, que seriam beneficiados na capital e eram artigos de grande valia. O comboio subia o rio por uma margem e voltava pela outra. Escambo era a forma econômica de então. Não tinha dinheiro na transação. O convencimento, a barganha, o espírito do árabe que habita cada nordestino fazia o acontecer do toma-lá-dá-cá, das negociações. Ia uma barca mercearia, voltava uma barcaça de matéria prima pros ingleses que exploravam os nativos. Meu velho pai fazia o papel do representante do inglês. Enrolando seus conterrâneos, com certeza. Só quem não conhece a leis da economia acha correção no comportamento dos negociantes. Quem se deu bem conta a história, quem fracassou, nem sei.

            E lá se ia o vapor e seus vagões. Barcaça seca, barcaça cheia, sempre que mais cheia do que veio. O querosene valia muito mais que o babaçu. E quem pesava tava quase sempre na barca, não na terra. Me lembro destas viagens, nas que acompanhei meu pai, e do rio. O Parnaíba parecia um mar. Talvez na minha imaginação, mas com certeza no avançar das águas que ainda não tinham sido presas na Barragem de Boa Esperança, que acabou com a esperança do rio correr pro mar e carregar o vapor e as barcaças.

            Ainda me lembro dos vapores de passageiros. O mais famoso deles era o vapor do Rafael. Não sei quem era o Rafael, mas certamente ele tinha orgulho de sua propriedade para botar seu nome no casco. Os vapores eram de aço com uma chaminé fumarenta que apitava na chegada e na saída do porto. Um verdadeiro navio com um convés cheio de redes, balaios com galinhas, potes de barro, malas de couro. Mas um luxo a viagem! Nem todo mundo podia viajar de vapor. De Palmeirais a Teresina era rápido. Voltar contra a correnteza levava mais que o dia todo. Quando me perguntam se nunca fiz um cruzeiro conto as aventuras no Parnaíba. Pobre ia às balsas desfraldadas, feitas com buriti e com uma casinha de palha de coqueiro. E lá iam os balaios de galinhas, potes e outras cerâmicas de barro, bacuri, pequi, pitomba, macaxeira e verduras, que eram comercializados no cais de Teresina. Inclusive as balsas eram desmanchadas e vendia-se até os paus de buriti (pra fazer cerca ou gaiola) e a cobertura de palha, já que balsa só desce o rio e não tem viagem de volta. O retorno era no pau-de-arara ou no lombo de burro. Eu tinha loucura pra viajar numa balsa, mas nunca tive o desejo realizado.

            Diziam que estes pequenos e valentes navios eram fabricados na Inglaterra e vinham navegando até o delta do Parnaíba, onde entravam sertão adentro para fazer do rio uma estrada. E neles viajei muito. Conhecia aquelas beiras de rio, seus povoados, pescadores e lavadeiras olhando do alto do convés do vapor ou de dentro de uma barcaça puxada por um vapor de carga, que funcionava como locomotiva das águas.



            Lembro destas histórias porque outro dia olhava o rio do cais de Teresina. E ele parecia me dizer o quanto estava sofrendo. Os bancos de areia, que nós chamamos de crôa ou coroa, pareciam sufocar o rio. O assoreamento de suas margens, o correr vagaroso do rio, parecem sinais clínicos de falta de ar. O odor fétido de suas outrora luminosas águas anuncia uma grave doença. Desde que prenderam suas águas em Boa Esperança o rio vem perdendo a esperança de viver. Parece que vai morrer. E isto dói muito em mim...  

Fonte: Blog Piauinauta 

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