terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Mestre Copeiro



Fonseca Neto

As cidades velhas têm uma vantagem sobre as novas. Muitas, aliás. Uma delas é o aprendizado da monumentalização notável de suas filhas e filhos, rente às artes decantadas de pedra e cal de sua ancianidade.

Oeiras do Piauí tem especial devoção pelos que nascem de suas entranhas e vivem nas malhas de seu tecido social. Como não foi desfigurada totalmente pelas acelerações destrutivas de estúpido “progresso”, também não foi despojada das lendas e outros mistérios trazidos ao presente na insistência de suas gerações. Não soterrou em brumas escurecidas do passado as edificantes histórias causais de sua gente –ou mesmo as histórias causuais.

Nutre-se a primeva capital, avidamente, de antigas memórias, enquanto produz o tempo novo  de suas filhas e filhos, os quais, ainda que se distanciem do chão comum, seguem enleiados nos fios do teçume mater. O clima bem dosado do lugar parece alongar a vida de muita gente, dando chance, charme e graça à historiação orada, e até escrita, dos seus viventes e viveres.

Há em Oeiras, desse jeito, alguns premiados que, vivendo muito, habitam o imaginário social na condição intermédia de personagens como que em trânsito, da vida real à ficção. Até se tornam, aos olhos dos mais jovens, testemunhos de tempos e experiências aparentemente inexistentes. E é assim que são robustecidos e ganham o mundo as suas singularidades, ao ponto de instituir o modo que o cronista apanhou do seu falar comum –“em Oeiras é assim...”

Essas observações me foram sugeridos e as fiz para realçar o oportuno tributo que ora se faz em Oeiras ao maestro e homem público Joaquim da Silva Copeiro, músico respeitado e, com certeza, digno de toda reverência, numa cidade onde se diz que “de músico e...”. Cidade onde tudo se move tocado a música –de batizado a enterro, o sarau, o bordel. E os sinos dobram alegres ou tristes nos 26 tons ditados nas partituras dos preceitos de cada circunstância de seu cotidiano.

Homenagem que Copeiro recebeu de um escola oeirense, o Instituto Barros de Ensino (Ibens), que acaba de publicar um manancial de memórias do músico: um livro autoral, “Rememorando o Passado, história de uma vida”; uma revista, “Almanaque Biográfico – Joaquim da Silva Copeiro: memórias de uma vida, histórias de uma cidade”; e um jornal, “Revivendo o Cometa”, focando Copeiro e Vinicius de Moraes. Publicações que inventariam as ações da área de ensino de língua e literatura da escola, a qual desenvolve um projeto sugestivamente intitulado “De poeta, músico e louco, em Oeiras todos têm um pouco”, anualmente mergulhando na vida e obra de dois grandes artistas. Em 2013, Copeiro e Moraes.

Um dropes só da (re)memória copeiriana: “Ainda em dezembro de 1984 (dia 26), a Banda semiestruturada tocou no enterro do Sr. Walburg Ribeiro Gonçalves. Foi um pedido dele a mim e aos familiares, quando vivo. Com o consentimento da família tocamos as músicas do seu pedido, ao sair o caixão: ‘Bombardeio da Bahia’, acompanhando o enterro até o Condado, hoje, Armazém Paraíba.  De lá ao Cemitério ‘General Rabelo’, dobrados que quando vivo assobiava-os. Houve pequenos desentendimentos, entre os que não sabiam que era normal no passado” (p. 48). Há por aí uns tolos que acham que só tem sentido memória de chefe político e gente rica. Não é o caso, claro, do pessoal do Ibens, e de tantos oeirenses e incondicionais amantes da “Invicta”: Dagoberto, R. Newton, Bill, Socorro Brandão, Chico e E. S. Rêgo, Expedito, Joca, Gutemberg, Soarinho, Rita, Stefano, Etelvina Ribeiro Gonçalves – aliás, esta, dos Ribeiro que são o “partido” do mestre Copeiro, e que nos anos 1940, juntos, com as responsabilidades de viverem na terra de Possidônio,  criaram esse ícone oeirense: a banda Santa Cecília. Devem estar se deliciando com o livro. 

O “Almanaque e “O Cometa” são uma realização do coletivo de estudantes e professores das referidas áreas, feitos qual oficinas de invenção textual-literária; excepcional iniciativa.  
E foi imerso no turbilhão caminhante e roxo de uma Sexta de Passos, no intervalo do Sermão, que interpelei um trobonista da orquestra: de quem é essa “marcha” tão sóbria e lacrimosa, e altiva, “para seguir”...? Respondeu-me rápido: “não sei ao certo, mas só pode ser do Mestre Joaquim Copeiro” – al! Sim. Agora entendi tudo. Quis falar com ele.     

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