quinta-feira, 17 de julho de 2014

OS GANSOS DA VÁRZEA DO SIMÃO




17 de julho   Diário Incontínuo

OS GANSOS DA VÁRZEA SIMÃO

Elmar Carvalho

À tarde, do alpendre de nossa casa da Várzea do Simão, onde degustávamos um churrasco, vimos os gansos chegar, provenientes da casa do Maninho, sobrinho da Fátima e nosso vizinho. Atravessaram a cerca divisória dos imóveis, e entraram em nosso terreno. Eram semelhantes a grandes patos, porém de andar mais elegante e firme. Ostentavam uma espécie de crista vermelho-amarelada sobre a parte posterior do bico, como se fosse uma espécie de elmo, ou mesmo uma coroa estilizada.

Chamei a protuberância de elmo porque tive notícia de que eles são um tanto belicosos, sobretudo quando invadem seu território, no caso, o terreiro do Maninho, dono deles. Encostam-se ao invasor e procuram bicá-lo, evidentemente no intuito de afastá-lo do terreno que consideram de uso exclusivo seu. Também disse que o enfeite parecia uma coroa porque esses bichos têm uma postura nobre, orgulhosa, e um tanto imperial.

Quando caminham alinhados, parecem militares a marchar em fila indiana. Estufam o peito, como grandes e enfatuados pombos, e, às vezes, levantam altivamente a cabeça, como empertigados generais. Suponho que fazem isso para amedrontar eventuais inimigos, simulando um porte mais avantajado, como também para sondar o terreno, o mais longe possível, seja em busca de adversários ou à procura de ervas ou raízes de sua predileção.

Após a chegada dessas belas aves, ligamos a ducha, com que iríamos banhar. Logo notamos o seu interesse, pois elas começaram a se aproximar com certo entusiasmo e alvoroço. Após os sucessivos banhos, colocamos o equipamento perto de um rego, usado para a pequena irrigação das árvores próximas. Imediatamente a água começou a correr, como se fosse um minúsculo regato. Esse fato e o barulho da água atraíram a atenção dos gansos, que vieram para perto da fonte.

Começaram a fuçar no entorno, à procura de raízes de sua estima. A terra, amolecida pela água, facilitava seu meticuloso trabalho de busca. A presença das pessoas não os intimidava nesse mister. Mergulhavam vigorosamente os grandes e poderosos bicos na terra e no líquido, e os revolviam em todos os sentidos: para cima, para baixo, para um lado, e para outro. O forte e longo pescoço, de marcante musculatura, com o arremate do gracioso e frenético bico, dava ao conjunto o aspecto de uma pequena draga viva.

Conta-se que, no quarto século antes de Cristo, os guerreiros de Breno, à noite, de maneira furtiva, tentaram surpreender os defensores da velha Roma, em repouso nas fortificações do Capitólio ou Monte Capitolino. Não conseguiram seu intento porque os gansos consagrados a Juno, com fortes alaridos, como verdadeiras trombetas, acordaram os soldados romanos, os quais puderam rechaçar a invasão dos gauleses. Era do alto do Capitólio, uma das sete colinas de Roma, que os generais triunfantes contemplavam a cidade eterna, pela qual lutavam.


Depois, quando bem quiseram, sem nenhum gesto de agradecimento, subserviência ou medo, os gansos da Várzea se foram, de peito empinado, como galantes príncipes ou generais. Erguiam a cabeça e estufavam o peito, orgulhosos de sua força e beleza, conscientes da nobreza de seu próprio ser. Acaso essa aristocrática altivez remontasse aos seus ancestrais devotados a Júpiter, guardiães do Capitólio da cidade eterna.    

2 comentários:

  1. José Francisco Marques17 de julho de 2014 às 09:26

    Mestre,
    Gansos são aves realmente diferenciadas. O digo, pois já tive a oportunidade de criá-las quando na época morava em uma casa cujo quintal propiciava tal prática. São realmente aves imponentes e elegantes que desfilam com galhardia as suas penas que, de tão brancas confundem-se por vezes com nuvens no céu a fulgurar.
    Tê-las como companhia vez por outra é por certo presente divino para completar ainda mais esse paraíso recém inaugurado, que com a graça de Deus conhecei brevemente in loco.

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  2. Mestre,
    Você, com o seu comentário conciso e pertinente, terminou elaborando uma pequena crônica, repassada de legítima prosa poética.

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