quinta-feira, 9 de julho de 2015

O PALHAÇO ASSASSINO



9 de julho   Diário Incontínuo

O PALHAÇO ASSASSINO

Elmar Carvalho

Como já tive oportunidade de dizer, em meus tempos de garoto fui levado a cinema, jogo de futebol e a espetáculos circenses por meu pai. Disso guardo enternecidas e saudosas lembranças, que me provocam um misto de regozijo e nostalgia. Portanto, assisti a talentosos palhaços, mestres das gargalhadas e da alegria, que me encantaram em minha meninice. Infelizmente, desde muito tempo, em sentido impróprio e pejorativo, palhaço passou a ser sinônimo de moleque, de malandro, de dissimulado, de debochado etc.

Depois, em minha juventude e maturidade, admirei alguns notáveis humoristas, como Chico Anysio, Jô Soares, Renato Aragão, o Didi, Dedé Santana, Mussum, Tutuca (com seu célebre bordão: “Ah, se ela me desse bola...), Ronald Golias etc. São os comediantes da contemporaneidade ou os famosos palhaços da TV. Todavia, enquanto existir circo, acredito que os palhaços, de exageradas mímicas, de roupas espalhafatosas, bufantes e coloridas, de enormes e largos sapatos, de caras pintadas, de ridículas perucas ou mais ridículas carecas, continuarão existindo.

A literatura e o cinema celebrizaram ou mesmo criaram imortais palhaços. Seguindo a legenda de que o show não pode parar, de que tem de continuar de qualquer maneira, o grande poeta cearense padre Antônio Tomaz, em comovente soneto, relata que certo palhaço, embora com o coração dilacerado pela morte da filha querida, por exigência do dono do circo, teve que se apresentar no picadeiro. Foi compelido a fazer a plateia gargalhar, conquanto sua alma soluçasse.

O sublime poeta alemão Heine, no poema O tédio, conta a história de um homem, que consumido pela tristeza, que hoje seria rotulada como sendo uma depressão aguda, foi consultar famoso médico, tendo este lhe recomendado que fosse assistir às apresentações do palhaço Arlequim, mestre supremo da arte de arrancar gargalhadas e aplausos. O paciente, ante essa “receita”, declarou que o seu mal não teria remédio, porquanto ele era esse considerado inigualável clown.

Ainda ontem, através da Netflix, assisti ao filme espanhol Balada do amor e do ódio, que conta a história do triste palhaço Javier, que se apaixonou pela linda trapezista Natália, namorada de outro palhaço, de nome Sérgio, grande em sua arte, mas violento em sua vida pessoal. Belo filme, que recomendo aos amantes da sétima arte. Pensei que seria uma tragicomédia, mas na verdade foi uma pura tragédia passional de artistas que, apesar de tudo, amaram a arte circense e as crianças.

Poderia ainda citar a personagem trágica do conto O aniversário da Infanta, de Oscar Wilde. Trata-se de um anão disforme, de feiura grotesca, mas que arrancava gostosas gargalhadas da princesa e de seus nobres companheiros, como se fora um legítimo bobo da corte. Ou poderia falar de O Bobo, protagonista maquiavélico do romance de mesmo título, de Alexandre Herculano. Contudo, para não me avantajar em linhas, deixo que o leitor se encarregue de conhecê-los na íntegra, fazendo uso das narrativas originais.

Já escrevi vários textos sobre circos e palhaços. Sobre Slava Polunin, do Cirque du Soleil, produzi uma crônica, em cujo final digo: “Além de atuar em vários shows de palhaçadas (no bom sentido da palavra), criou alguns números para o Cirque du Soleil. Perguntado sobre se era alegre, ao contrário dos palhaços de Heine e do padre Antônio Tomás, respondeu que era radiante. Todavia, depois, em outro trecho da entrevista, quando a apresentadora lhe perguntou se tinha algum momento de tristeza, disse que sim. // Claro, como em todo ser humano, em sua alma deve haver alguma hora sombria, por onde se infiltra o fio insidioso de sutil melancolia.”

A respeito de outro palhaço, nascido na antiga União Soviética e falecido nos sertões de dentro, mais precisamente na cidade de Jaicós, muitas décadas atrás, cuja história me foi narrada pelo deputado Humberto Reis da Silveira, compus o poema A cova do palhaço, do qual transcrevo os seguintes versos: “Distante do rincão eslavo, / numa cidadezinha perdida do agreste, / traspassado pela irremediável tristeza infinita, / nostálgico de tudo, nostálgico e só, / morreu numa tarde tristonha, / na hora melancólica do sol-posto. / Pó ao pó. Corpo deposto.”

Meu pai, Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, que em sua maturidade escreveu algumas crônicas e artigos, vários publicados no jornal A Luta, de Campo Maior, elaborou o texto Palhaço, em que consignou: “(...) como disse, certa vez, um velho pensador: “Tenho servido de agulha a muita linha ordinária”; diria eu, agora, tenho servido de palhaço a muita platéia ordinária.” Trata-se de mera força de expressão, de retórica, de metáfora. Meu pai nunca foi palhaço. E sempre mereceu o acatamento e respeito de seus amigos, familiares e contemporâneos.

Agora, para meu assombro e tristeza, pela televisão, soube da existência de um palhaço assassino. Já conhecia a personagem cinematográfica Chucky, o brinquedo assassino. De qualquer forma palhaço e brinquedo, por sua própria finalidade, não se harmonizam com tristeza e morte. Na verdade ambos devem proporcionar alegria às crianças. O chamado palhaço assassino, por motivo de ciúme, teria matado a sua jovem esposa, com quem tinha uma filha de apenas cinco anos.


Cai a empanada, com rubras manchas de sangue, sobre o picadeiro. E os holofotes se apagam.   

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