sábado, 11 de julho de 2015

VENDEDOR DE ORAÇÕES

Foto meramente ilustrativa

VENDEDOR DE ORAÇÕES

Jacob Fortes

Certa feita, visitando uma dessas feiras populares, deparei-me com um vendedor de orações, ancião atópico para não dizer esquisito. Atendia pelo apodo de “Louro”, arruivado, corpo pesado, protuberância abdominal e papadas pletóricas. Caricaturado de frade capuchinho, quiçá rabino, vestia uma espécie de sobrepeliz, de cor solferino e barrete, na cor branca, sobre a coroa descalvada. Sua barba branca e hirsuta completava o caricatural fradesco. De sorriso blandicioso e mansuetude distintamente imperturbável, apregoava, em tom de veracidade, que as orações à venda, cada qual com seu propósito, eram de virtudes prodigiosas. A cada dezena de orações adquirida o comprador recebia de brinde um frasco de água benta que, segundo afirmava, depois de espargida no interior da residência tinha o condão de impedir a entrada do “sujo” ou quaisquer dos seus emissários satânicos. Por meio de um pequeno inquérito pude saber desse vendedor, propagandista da fé, a serventia das tais orações de salvação. (É o meio que cada um engendra para amealhar tostões valedores; melhor que pilhar a algibeira de quem trabalha).

Vendia orações para todas as finalidades possíveis e inelutáveis, em vários idiomas, inclusive em árabe. As súplicas, em cada uma, se endereçavam, conforme o caso, aos mais diversos Santos, dentre eles Santo Elesbão. Nessa lista figurava os que ainda não haviam passado pelo rito da canonização, portanto desconhecidos do Santo Papa. Exemplificativamente, eis a serventia das orações: em favor do bom parto, do perdão eterno, da saúde e segurança pública; contra vícios e defeitos, dores em geral, raios, tremores subterrâneos, mau-olhado, afogamentos, mordida de cão, picada de cobra, desilusões amorosas, corrupção, propina, suborno, caixa dois, ditadura, analfabetismo, injustiças, malversação, cooptação, fisiologismo, despotismo, nepotismo, tráfico de influência, ateísmo, celibato, etc. O “Louro” tinha particular predileção pela reza que prometia sono bem dormido: (“Nesta cama me deito, desta cama me levanto, a Virgem Nossa Senhora me cubra com seu manto”). Mas não se podia descuidar de certos rituais sem o que as orações não surtiam os efeitos desejados: umas haviam de ser penduradas ao pescoço do suplicante, em forma de escapulário, outras ao cós da saia e assim por diante. Também, que as rogativas fossem formuladas de modo fervoroso.
Nas palavras do “Louro” os santos, educados na humildade evangélica, não se fazem de rogados: se esmeram em atender tolerantemente todos os pleitos, requerimentos e cartas de empenho.

E eu, pobre mortal “borra-papeis”, que não ouso contraditar a existência de Deus e do poder das orações, (isso fica para os agnósticos), tratei de adquirir não apenas uma, mas o maço completo: quarenta orações. Afinal, além de asceta e espiritualizado, também sou crendeiro brasileiro. Espero em Deus que as orações sejam de grande valimento não apenas para este modesto escriba, mas para os seus ledores. Que elas nos valham nas aperturas; que possam remediar as nossas precisões sobremodo mitigar os duros momentos do ajuste fiscal, imposição do governo que aflige, dia e noite, o cérebro dos brasileiros: que porejam na faina para honrar as suas obrigações e bancar os que vivem parasitariamente.    

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