quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O TREMEMBÉ MOTORIZADO

Reginaldo, Natim e Elmar, conduzindo o pequeno e bravo motor do Tremembé

Viagem inaugural do Tremembé (sem o motor)

Paisagem do local de partida e chegada do Tremembé, vista da Toca do Velho Monge

Nonato, o Batateiro, patrimônio da Várzea do Simão, futuro Capitão do Tremembé

17 de setembro   Diário Incontínuo

O TREMEMBÉ MOTORIZADO

Elmar Carvalho

Após haver “batizado” o meu barco inflável, que tinha o nome original de Cheyenne, pondo-lhe o nome de Tremembé, e ter feito a viagem inaugural da ponte do Jandira até a Toca do Velho Monge, na Várzea do Simão, conforme já registrado nesta crônica diarística, deliberei comprar-lhe um pequeno motor de popa, na potência especificada pelo fabricante.

Mais de mês atrás, adquiri esse complemento. Mandei fazer um carrinho, especialmente planejado para esse tipo e porte de motor, a fim de conduzi-lo da casa do sítio Filomena à Toca, que fica a uns 120 metros, local em que colocaríamos o barco no Parnaíba. No sábado, dia 5, fizemos a pré-inauguração do Tremembé, desta feita motorizado.

Nomeei-me a mim próprio capitão, e passei os cargos e encargos de imediato e piloto ao sargento Natim Freitas, meu amigo e sobrinho de minha mulher. Foi conosco o Didi, ao qual dei o nome náutico de Touro Sentado. Em virtude de o Natim, um mês atrás, no Pantanal Matogrossense, mais precisamente em São Félix do Araguaia, haver aprendido rápidas noções de pilotagem de barco com o seu primo Vavá, mais conhecido pelo codinome de Comandante Carajá, conferi-lhe essa alcunha e patente, em homenagem a seu primo. Assim, o Vavá continua sendo o Comandante Carajá de lá, e o Natim será o de cá. Parafraseando o poeta Fagundes Varela, que não se enojem nossos ouvidos com tantas rimas em a.

Conheci o Vavá, faz alguns meses, na Várzea do Simão, quando ele veio visitar sua mãe e parentes, e rever o seu local de nascimento, oportunidade em que ele fez um acrobático voo rasante sobre essa bela paisagem ribeirinha. Soube que ele, além de respeitado e experiente piloto de avião, também pilota uma “voadora”, de altíssima velocidade, e uma casa barco, para a qual por ele fui convidado. Aceitarei o convite, opportuno tempore, e haverei de ficar na varanda dessa casa flutuante e ambulante, a fruir a beleza das águas, das árvores e das aves do pantanal.

Numa invocação a Camões, na excursão de sábado, disse que iríamos “além de Taprobana”, entendendo-se com essa expressão que iríamos subir o Velho Monge até ultrapassarmos a ponte do Jandira. Depois de “apanharmos” um pouco, pela falta de experiência, e principalmente por não termos aberto de forma suficiente o “suspiro” ou “respiradouro” do motor, que fica acima da tampa do tanque de combustível, cumprimos esse desiderato.

Ao contrário da viagem inaugural, sem o motor, de que já tratei neste diário, em que o rio se mostrava sereno, pacífico, sem ondulações, desta vez ventava muito, e as águas estavam encapeladas. No retorno, com o dia já quase escurecendo, as ondas do Parnaíba estavam altas, e enfrentamos um verdadeiro banzeiro, em que os respingos nos atingiam de forma quase constante.

Aliás, as ondas vinham em sentido contrário à correnteza do rio, dando-nos a nítida impressão de que enfrentávamos pequenas pororocas, se é que não estou sendo hiperbólico. Em certos momentos, parecia que estávamos a cavalgá-las, tais eram os embates das subidas e descidas do bravo Tremembé. Às vezes o barco parecia curvar-se nas cristas da ondulação, verdadeiro marulho, mas sem nunca perder a estabilidade e o equilíbrio.

No dia seguinte, domingo, fizemos a efetiva inauguração do Tremembé motorizado. Novamente o “timoneiro” foi o mestre Natim, já agora familiarizado com as manhas do motor, pelo que não houve mais ato falho. Faziam parte da tripulação o Didi e o Reginaldo. Determinei que iríamos bem além do Rebentão, até onde o rio forma um grande remanso ou uma espécie de enseada fluvial.

Para minha tristeza, mais uma vez constatei o estado deplorável do velho Rio Grande dos Tapuias, também conhecido como Punaré ou Paraguassu. As margens se mostravam bastante desguarnecidas de matas ciliares, de forma que se apresentava assoreado, e muito largo e muito raso; tanto que, em alguns pontos, apesar de a “quilha” do barco ser chata, e apesar de a embarcação ser pequena e inflável, tínhamos que descer e empurrá-la.

Por essa razão, tínhamos que tentar seguir, da forma mais fiel possível, o canal, que é a parte em que o leito do curso d’ água se mostra mais profundo, o que provoca o risco de nos aproximarmos em demasia da margem e, por conseguinte, de eventual galho de árvore. Contudo, nem sempre esse malabarismo ou firula é possível, pois ora o canal fica à margem esquerda, ora à direita e às vezes se desenvolve ao centro, o que exige experiência, atenção e acuidade visual.


Encontramos muitas coroas, de finíssima e macia areia. Numa delas tomamos um gostoso e refrescante banho. Não obstante a beleza dessas ilhas fluviais, são elas uma espécie de cancro e a prova mais ostensiva de que o rio está doente, de que o rio pede socorro, sem que as autoridades o escutem. Com esse brado de alerta, encerro, com tristeza, este registro, que deveria ser apenas de alegria plena.    

5 comentários:

  1. Amigo poeta, agora o Tremembé ganhou autonomia e poderá navegar por mares nunca navegados. Parabéns. Continua de pé o meu oferecimento para grumete. Aliás, já encontrei um trabalho que me cai como uma luva, uma vez que nunca utilizei nem mesmo um remo: o de rebocador do Tremembé quando a embarcação estiver em dificuldades por conta da profundidade do rio. Bom, proveito!

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  2. Prezado Elmar,
    Excelente narrativa do seu passeio pelo Rio Parnaíba, a bordo do Tremembé. Aproveitei sua viagem poética e voltei à minha adolescência em Parnaíba, onde tomei tranquilos banhos no Velho Monge e no Igaraçú.
    A se lamentar, o assoreamento de ambos os rios. Torço para que medidas sejam encontradas visando a recuperação deles.
    Abraços,
    Ben-Hur Sampaio

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  3. Estimo que vc tenha gostado da crônica, caro Ben-Hur, e espero que que os governantes façam alguma coisa pelo moribundo Rio Grande dos Tapuios, já que nada fizeram até agora.
    Abraço,
    Elmar

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  4. Caro amigo José Pedro,
    Você é Pedro, Pedro é Pedra
    e apóstolo como João.
    Portanto, bão, balalão,
    você, com espada na cinta
    e ginete na mão,
    também será capitão
    do pequeno mas bravo
    Tremembé tremendão.

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    1. Adendo ao comentário supra:
      No Tremembé todos são passageiros e tripulação
      e a menor e única patente é a de capitão.

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