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Gênese de Emoção no Circo
Elmar Carvalho
Neste sábado fui assistir ao espetáculo vespertino do Le
Cirque Amar. Mais uma vez fui tomado de forte emoção ante uma apresentação
circense. Anos atrás, aproximadamente em 1998, quando o João Miguel e a Elmara
tinham 12 e 10 anos respectivamente, eu e a Fátima os levamos a um grande
circo, também instalado nas proximidades do Teresina Shopping. Não tenho
vergonha em confessar, por isso confessarei: nessas duas ocasiões, sobretudo na
primeira, cheguei ao ponto de chorar, por motivo que abaixo explicarei.
Como já tive oportunidade de dizer, numa época em que os pais
não tinham muita preocupação em conduzir os filhos a eventos culturais ou
esportivos, ou mesmo de simples entretenimento, meu pai me levou, várias vezes,
ao velho Cine Nazaré e ao Estádio Deusdete Melo, em Campo Maior.
No primeiro, vi a exibição de grandes películas do faroeste
macarrônico e americano, e os épicos bíblicos e da mitologia greco-romana, em
que apareciam Ringo, Django, Sartana, Medusa, Hércules, Moisés, Ben-Hur, Sansão
e Dalila, Espártaco e Maciste, este uma espécie de versão italiana do semideus
grego, além de Tarzan, estreladas pelos fortões e galãs da época, como Franco
Nero, Marlon Brando, Kirk Douglas, Victor Mature e Johnny Weissmuller. O galã
do bang-bang italiano era Giuliano Gemma. Gigliola Cinquetti e o ingênuo “Dio,
come ti amo” fizeram muitas adolescentes verterem profusas e sentidas lágrimas,
com direito a profundos soluços e palpitações. Na Semana Santa era projetado o
filme Paixão de Cristo ou outro similar sobre a vida de Jesus, cujas velhas
fitas de celuloide sempre davam um jeito de quebrar.
No Deusdete Melo assisti às acirradas disputas entre o
alvirrubro Caiçara e o alviceleste Comercial. Ali presenciei desconcertantes
dribles, no tempo em que esse estádio (não se usava o termo arena, hoje tanto
em voga) mereceu o epíteto de alçapão dos carnaubais, porque esses dois times
metiam medo nos times da capital. Vicentinho se excedia em suas esmeradas
cobranças de faltas, com chutes fortes e certeiros.
Vi as espetaculares e, por vezes, espetaculosas defesas do
goleiro Coló, em que ele parecia voar, levitar ou imitar os grandes trapezistas
de circos. Beroso, mais contido, talvez por ser um tanto tímido, era mais
objetivo, e não era afoito em dar saltos ornamentais, exceto quando
necessários. Foram dois dos maiores arqueiros do Piauí. Caiçarino, eu “puxava”
mais para o Coló, que procurava imitar em minhas ousadias goleirísticas,
mormente em minha adolescência. O Zé Francisco Marques recordou essa minha
esquecida faceta na crônica “Quem te ensinou a voar?”, publicada em livro e na
internet (vide Google).
Mas, voltando ao tema inicial, fui algumas vezes a
espetáculos de circos que aportavam em minha cidade, levado por meus pais,
ainda jovens. Admirava os números de equilibristas, mágicos, malabaristas,
acrobatas e trapezistas, e também as palhaçadas dos grandes clowns e
comediantes de minha infância. O picadeiro se transformava em palco teatral, e
também eram apresentadas peças dramáticas e comédias. Ao segurar as mãos de meu pai e de minha mãe,
parecia que nada me poderia atingir, nem doença, nem morte, nem tristeza e nem
velhice. Agora que os perdi, e que já começo a descambar para a chamada terceira
idade, sei que tudo não passava de uma doce ilusão. E eu fui o meu próprio mago
e ilusionista. E hoje sei que os palhaços também sofrem e choram, como nos
poemas de Heinrich Heine e Pe. Antônio Tomás.
Foi num desses velhos circos mambembes, em que havia uma
linda equilibrista e malabarista, de sinuosas paisagens e miragens, de maiô enfeitado
de lantejoulas e outros adereços de brilhos e vidrilhos, que despertei para os
mistérios e encantos de um perfeito corpo feminino. Foi, talvez, o meu mais
remoto desabrochar de minha puberdade. Evocando o velho e excelso bardo Manuel
Bandeira, poderia dizer que foi um verdadeiro alumbramento, como expresso no
seu poema de igual título.
Quando levei meus filhos ao circo, me comovi com o esforço
dos artistas, dando o melhor de si, na busca de agradar, e de nos contagiar com
a magia circense; no esforço supremo de atingir o seu momento culminante de
beleza, qual disse Martins Napoleão em versos sublimes.
Observei de perto o esforço da malabarista e acrobata, a
girar os inúmeros bambolês prateados com os seus pés pequenos, voltados para o
céu; vi suas jovens mãos espalmadas no picadeiro, como se não fizessem esforço,
como se o corpo fosse uma pluma ou estivesse em levitação.
E, no entanto, bem sei como o seu belo corpo pesava, e como a
lei da gravidade não tem as “brechas” das leis humanas, imperfeitas, injustas e
casuísticas tantas vezes. Vi a coragem e perícia dos motociclistas no globo da
morte, e torci para que esse número logo terminasse. E quando eu pensei que
tudo terminara, eles ainda saltaram, cavalgando suas rugidoras máquinas, por
cima do próprio globo.
A magia do circo, com a presença dos meus filhos, quando
ainda crianças, me fez recordar a lembrança de meu pai, surgindo das brumas do
tempo de minha meninice, como se o tempo não tivesse passado; senti como se ele
sentasse ao meu lado, e me tomasse a mão esquerda na sua destra. Foi dessa
forma, da lembrança de minha infância e sob o impacto de forte comoção, que
nasceu o meu poema Emoção no Circo (que segue transcrito abaixo).
EMOÇÃO NO CIRCO
Elmar Carvalho
Para João
Miguel e Elmara Cristina
Pelas mãos tenras
de meus filhos
a magia do circo me chegou.
Atropelado por emoção e saudade
meu coração foi atirado de
lado a lado
pelas piruetas de
capetas e palhaços
infiltrou-se nos malabares
e me trouxe meu pai e o circo
encantado de minha infância.
As lágrimas escorriam
e eram estrelas e vaga-lumes
que pingavam da cartola
ensopada de um mago...
A lembrança de meu pai
assomou da sombra do passado
suavemente sentou-se ao meu lado
tomou-me as mãos
as mãos de uma criança.
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