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DIÁRIO
[Algumas reflexões sobre livros, leitura e literatura]
Elmar Carvalho
30/01/2021
Machado
de Assis, que era Machado de Assis, e numa época em que a literatura tinha
certo prestígio e não havia uma infinidade de passatempo e entretenimento como
nos dias de hoje, admitiu, em frase célebre, diretamente ou através de alter
ego, ter poucos leitores, já não me lembro se três ou se seis. Claro, foi um
exagero, uma força de expressão, mas ele demonstrava a sua insatisfação em ter
poucos leitores.
Com
essa parafernália de equipamentos tecnológicos que hoje existem, grande parte
voltada para a diversão, a literatura perdeu o seu prestígio e charme. O leitor
internético, em sua maioria avassaladora, é superficial e volúvel. Eu os chamo
de leitores beija-flores; espiam um título aqui, olham uma manchete acolá, e
com muita força de vontade conseguem ler a cabeça de uma matéria.
Basta
que se vejam as casas. Poucas possuem uma quantidade de livros, que possam ser
considerados como sendo uma biblioteca. Quando o dono de uma morre, os herdeiros,
quase sempre, consideram esses livros um estorvo, a tomar espaço, e logo tratam
de se desvencilhar deles, através de doações, de venda para eventuais sebos, ou
simplesmente os descartam como se fossem lixo. Talvez até achem que livros só sirvam
para atrair traças e cupins.
Ainda
alcancei um tempo em que os poetas eram lidos pelos seus poucos colegas, quase
como um favor recíproco. Eu te leio para que tu me leias, e nós nos leiamos.
Hoje muitos poetas só têm olhos para seu próprio umbigo, ou seja, só leem a si
próprios, numa postura de perfeitos narcisos de sua poesia. Ególatras, só
consideram digna de leitura a sua produção. Ignoram ou desdenham o que os outros
escrevem. Assim, não tenho mais nenhuma ilusão. Aliás, nunca tive. Todavia,
muitos publicam um livro na doce ilusão de que irão ganhar alguma notoriedade.
A esses eu aconselho que melhor seria se tornarem músicos ou cantores, ou ingressarem
na política partidária.
Enquanto
o escritor carecer de mendigar para ser lido, ou implorar para que alguém o
leia, a literatura pouco prestígio terá. Enquanto uma pessoa comprar um livro
de autor piauiense como se estivesse fazendo um favor, como se estivesse a isso
sendo compelida, é sinal de que não temos um público consumidor.
Para
o escritor piauiense ganhar alguma visibilidade teria que haver uma forte campanha
publicitária e uma excelente logística na distribuição e na exposição do livro na
prateleira. Caso contrário, ficará sepultado na estante de uma livraria,
perdido no meio de milhares de outras obras. Aliás, por falar em livraria, não
é fora de propósito lembrar que várias delas entraram em falência, de onde não
é difícil concluir que livro, no Brasil, não é um produto tão fácil de se vender.
A
distribuição teria que ter uma enorme capilaridade, e que se estendesse por
todo o território brasileiro, para que se alcançasse o maior número de pontos
de venda e se atingisse o maior número possível de potenciais leitores. E isso
é difícil, porque as distribuidoras só se interessam pelos livros das grandes
editoras e geralmente de autores famosos, ou pelos chamados best sellers.
Foi
exatamente observando a pequena quantidade de compradores de livros e o menoscabo
que vinha assolando a literatura do Piauí, que resolvi encetar, quando presidi
a União Brasileira de Escritores do Piauí no período 1988/1990, uma campanha
para que a nossa literatura fosse inserida na Constituição Estadual como
disciplina obrigatória.
Contando
com o apoio de minha diretoria e com o respaldo do deputado Humberto Reis da
Silveira, relator-geral da Assembleia Constituinte, esse desiderato foi
alcançado. Foi alcançado, mas nunca foi efetivamente posto em prática, por
motivos que não irei aqui explanar, mas entre eles a falta de interesse dos
gestores públicos, sobretudo dos responsáveis pela educação e pela cultura.
Agora,
graças ao esforço de Zózimo Tavares, presidente da Academia Piauiense de
Letras, coadjuvado por outros acadêmicos, e contando com o apoio decisivo do
Conselho Estadual de Educação, breve a Literatura Piauiense será estudada em
nossas escolas, públicas e particulares. Isso será de capital importância para
o conhecimento de nossas obras literárias e de nossos escritores. Finalmente o
artigo 226 de nossa Carta Magna estadual será executado, na parte pertinente ao
ensino de nossa literatura.
Contudo,
acho que seria importante a formação de novos leitores, com o empenho do poder
público, de entidades literárias e dos pais, que poderiam ler para seus filhos
obras infantis, para lhes despertar o gosto pela leitura. Assim, a formação de grupos
de leitura, de contação de história, de saraus e outros eventos literários
seriam fundamentais para o surgimento de mais e novos leitores.
Em
síntese, jamais haverá um passe de mágica ou uma varinha de condão que faça com
que uma pessoa venha a apreciar uma obra literária. Temos que aceitar o fato de
que a literatura terá sempre a concorrência de diversas formas de diversão,
passatempo e outras manifestações artísticas, virtuais ou não. Como disse, conquanto
nunca tenha sido um pessimista, não tenho nenhuma ilusão de que a literatura
possa voltar a ter o glamour que possa ter tido em época mais remota. Existem mesmo
pessoas para quem ler um livro é uma coisa chata e um serviço pesado e penoso,
um verdadeiro sacrifício.
Mas,
talvez, sonhar seja preciso. Sonhemos, pois. Mas, por favor, não fiquemos
deitados eternamente em berço esplêndido. Arregacemos as mangas, e laboremos.
Amigo Elmar,
ResponderExcluirParabéns por mais um excelente trabalho. Suas reflexões são oportunas e nos proporcionam mais reflexões sobre a temática educação e cultura.
Abraços.
Ben-Hur Sampaio
Obrigado, caro amigo.
ResponderExcluirTemos de aceitar o fato de que o público consumidor de literatura é pequeno, e que poucos compram livros. Abraço.
Amigo Elmar Carvalho, boa noite, o escritor Monteiro Lobato no século passado já dissera que: "Um país se faz com homens e livros", logicamente o país que Lobato se referia era a parte humana. Não há dúvidas sobre os inúmeros benefícios que a leitura traz ao ser humano. No Brasil, a maioria da população não tem o hábito de ler. Estatísticas recentes de 2016 informam que 74% dos brasileiros nunca compraram um livro e 30% nunca leram uma obra (Retratos da Leitura no Brasil, 2016). Um dia o Brasil atingirá os números em que a maioria da população goste de ler e tenha condições de acesso a livros. Quiçá nossos netos ou bisnetos...
ResponderExcluirAbraços,
Everardo Oliveira
Parnaíba-PI
Fonte: http://mw.eco.br/zig/emails/EPB180222UmPaisSeFazComHomensELivros.pdf. Acesso em 30 de janeiro de 2021.
Espero, amigo Everardo, que sua esperança venha a se concretizar. Gostaria que sua previsão se torne uma bela realidade, mas eu não sou tão otimista, mas torço por isso.
ResponderExcluirAbraço.