quinta-feira, 17 de julho de 2025

Ser ou não ser

Criação da imagem: GPT

 

Ser ou não ser

 

Elmar Carvalho

 

No capítulo VII, intitulado Existência: a medida de si mesmo, do excelente livro Descobrindo Saturno, sobre o qual já emiti comentário, de autoria do cientista Gildário Lima, físico e matemático, em determinado ponto o autor propõe ao leitor que responda a estas duas perguntas:

“1. Você existe? (sim ou não)

2. Por quê? (disserte com liberdade e verdade)”.

Tentarei respondê-las.

À primeira, respondo que sim. Quanto à segunda, além de sua complexidade em si mesma, há ainda a recomendação de que a dissertação seja feita “com liberdade e verdade”. Sinto-me livre para respondê-la a meu modo, sem peias e com as minhas idiossincrasias. Com relação à verdade, direi que ela é tão importante, que Jesus afirmava não apenas estar dizendo a verdade, mas que Ele era a própria Verdade — Ele, que era e é o Verbo divino e da criação.

De imediato, lembrei-me do filósofo René Descartes, que cunhou a famosa frase “Penso, logo existo”, elegantemente expressa em latim: Cogito, ergo sum. Mas logo cogitei: e uma pedra, que não pensa, não teria existência? Ante essa cogitação, lembrei-me de uma anedota envolvendo o pensador, ensaísta e crítico literário Samuel Johnson.

Relata-se que Johnson teria dado uma pretensa “resposta prática” ao idealismo filosófico de George Berkeley, segundo o qual a matéria dependeria da mente para de fato existir, já que tudo o que percebemos como realidade física dependeria da percepção e da mente para efetivamente existir. Samuel Johnson, considerando absurdo esse idealismo, teria dito: “Refuto assim o idealismo de Berkeley” — e, em seguida, desferiu um forte chute numa pedra, exclamando: “Sinto dor!”

Quanto ao comportamento, tido por alguns como estranho, da física quântica — em que partículas ora existem e ora deixam de existir, ora aparecem em mais de um ponto ao mesmo tempo, em que o microcosmo muda conforme é observado, e em que vigora o chamado Princípio da Incerteza —, um pregador dos dias atuais bem poderia encenar a anedota de Johnson e repetir: “Refuto assim a física quântica”, dando um bruto pontapé numa pedra, com o devido cuidado para não se machucar — e, assim, não sentir dor.

Ou poderia seguir o exemplo de Einstein, que não acreditava na natureza probabilística da mecânica quântica, preferindo crer num universo determinista, regido por leis precisas, e bradar com o gênio da física: “Deus não joga dados”. De minha parte, que não sou físico, mas acredito em Deus, diria que o Princípio da Incerteza é o princípio da certeza da existência de Deus — e que esse é o campo reservado aos milagres e às intervenções diretas de Deus.

As duas indagações de Gildário também me conduziram à famosa frase proferida por Hamlet, personagem da obra teatral de William Shakespeare:

“Ser ou não ser, eis a questão.”

Sobre ela, no entanto, não me deterei.

Em Êxodo, quando Moisés perguntou a Deus qual nome deveria dar-Lhe, Ele respondeu:

“Eu sou o que sou.”

Penso que essa pequena frase resume tudo: Ele é a suprema existência, da qual todas as demais dependem. Ele é o incriado Criador de tudo o que existe. Todo-Poderoso, Onipotente e Onisciente. Eterno e Infinito. Imensurável medidor de tudo. Em resumo: Deus é a essência da vida, fonte de todas as demais vidas. Origem e sustentação do ser.

Quando menino, ouvi meu pai conversar com alguém — talvez minha mãe — sobre os mistérios da eternidade e da infinitude, e fiquei, desde então, abismado e fascinado com o significado de tão incomensurável conceito.

No meu poema “Deus, deuses e o nada”, cometi a vã loucura — que nem Agostinho ousou realizar — de tentar provar a existência de Deus. Primeiro com um sofisma, em que imaginei uma cadeia infinita de deuses, em que um criava o outro sucessivamente, até chegar ao primeiro. Então concluía, como consequência lógica: se o primeiro Deus criou um deus, ele não precisaria de deuses intermediários para criar tudo o que existe.

Nesse poema, afirmo que às vezes penso que a realidade não passa do sonho de um deus — e que esse deus, sonhador e sonhado, seria eu.

Afirmo que o nada não pode criar coisa alguma. E que, se o nada criou tudo o que existe, esse nada seria um deus — para o qual eu tiraria, em reverência, o meu chapéu, que sequer tenho.

 

Sintetizando minha resposta às perguntas de Gildário Lima: sou um ser criado pelo Deus que disse: “Eu sou o que sou.”

Sou um pequeno ramo de existência da videira que é Deus, da qual todos os ramos dependem.

5 comentários:

  1. Texto belíssimo, amigo Elmar Carvalho. Sua resposta envolvendo tantos ramos do conhecimento é rica e envolvente. Para esse texto, eu retiro "o meu chapéu, que sequer tenho".
    Meus parabéns!

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  2. Alta indagaçào. Extraordinário.

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  3. Respostas à altura das perguntas!
    Como somos pequenos diante do mistério da VIDA!

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  4. Belo texto sobre a vida parabéns

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