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Ser ou não ser
Elmar Carvalho
No capítulo VII, intitulado Existência: a medida de si mesmo,
do excelente livro Descobrindo Saturno, sobre o qual já emiti comentário, de
autoria do cientista Gildário Lima, físico e matemático, em determinado ponto o
autor propõe ao leitor que responda a estas duas perguntas:
“1. Você existe? (sim ou não)
2. Por quê? (disserte com liberdade e verdade)”.
Tentarei respondê-las.
À primeira, respondo que sim. Quanto à segunda, além de sua
complexidade em si mesma, há ainda a recomendação de que a dissertação seja
feita “com liberdade e verdade”. Sinto-me livre para respondê-la a meu modo,
sem peias e com as minhas idiossincrasias. Com relação à verdade, direi que ela
é tão importante, que Jesus afirmava não apenas estar dizendo a verdade, mas
que Ele era a própria Verdade — Ele, que era e é o Verbo divino e da criação.
De imediato, lembrei-me do filósofo René Descartes, que
cunhou a famosa frase “Penso, logo existo”, elegantemente expressa em latim:
Cogito, ergo sum. Mas logo cogitei: e uma pedra, que não pensa, não teria
existência? Ante essa cogitação, lembrei-me de uma anedota envolvendo o
pensador, ensaísta e crítico literário Samuel Johnson.
Relata-se que Johnson teria dado uma pretensa “resposta
prática” ao idealismo filosófico de George Berkeley, segundo o qual a matéria
dependeria da mente para de fato existir, já que tudo o que percebemos como
realidade física dependeria da percepção e da mente para efetivamente existir.
Samuel Johnson, considerando absurdo esse idealismo, teria dito: “Refuto assim
o idealismo de Berkeley” — e, em seguida, desferiu um forte chute numa pedra,
exclamando: “Sinto dor!”
Quanto ao comportamento, tido por alguns como estranho, da
física quântica — em que partículas ora existem e ora deixam de existir, ora
aparecem em mais de um ponto ao mesmo tempo, em que o microcosmo muda conforme
é observado, e em que vigora o chamado Princípio da Incerteza —, um pregador
dos dias atuais bem poderia encenar a anedota de Johnson e repetir: “Refuto
assim a física quântica”, dando um bruto pontapé numa pedra, com o devido
cuidado para não se machucar — e, assim, não sentir dor.
Ou poderia seguir o exemplo de Einstein, que não acreditava
na natureza probabilística da mecânica quântica, preferindo crer num universo
determinista, regido por leis precisas, e bradar com o gênio da física: “Deus
não joga dados”. De minha parte, que não sou físico, mas acredito em Deus,
diria que o Princípio da Incerteza é o princípio da certeza da existência de
Deus — e que esse é o campo reservado aos milagres e às intervenções diretas de
Deus.
As duas indagações de Gildário também me conduziram à famosa
frase proferida por Hamlet, personagem da obra teatral de William Shakespeare:
“Ser ou não ser, eis a questão.”
Sobre ela, no entanto, não me deterei.
Em Êxodo, quando Moisés perguntou a Deus qual nome deveria
dar-Lhe, Ele respondeu:
“Eu sou o que sou.”
Penso que essa pequena frase resume tudo: Ele é a suprema
existência, da qual todas as demais dependem. Ele é o incriado Criador de tudo
o que existe. Todo-Poderoso, Onipotente e Onisciente. Eterno e Infinito.
Imensurável medidor de tudo. Em resumo: Deus é a essência da vida, fonte de
todas as demais vidas. Origem e sustentação do ser.
Quando menino, ouvi meu pai conversar com alguém — talvez
minha mãe — sobre os mistérios da eternidade e da infinitude, e fiquei, desde
então, abismado e fascinado com o significado de tão incomensurável conceito.
No meu poema “Deus, deuses e o nada”, cometi a vã loucura —
que nem Agostinho ousou realizar — de tentar provar a existência de Deus.
Primeiro com um sofisma, em que imaginei uma cadeia infinita de deuses, em que
um criava o outro sucessivamente, até chegar ao primeiro. Então concluía, como
consequência lógica: se o primeiro Deus criou um deus, ele não precisaria de
deuses intermediários para criar tudo o que existe.
Nesse poema, afirmo que às vezes penso que a realidade não
passa do sonho de um deus — e que esse deus, sonhador e sonhado, seria eu.
Afirmo que o nada não pode criar coisa alguma. E que, se o
nada criou tudo o que existe, esse nada seria um deus — para o qual eu tiraria,
em reverência, o meu chapéu, que sequer tenho.
Sintetizando minha resposta às perguntas de Gildário Lima:
sou um ser criado pelo Deus que disse: “Eu sou o que sou.”
Sou um pequeno ramo de existência da videira que é Deus, da qual todos os ramos dependem.
Texto belíssimo, amigo Elmar Carvalho. Sua resposta envolvendo tantos ramos do conhecimento é rica e envolvente. Para esse texto, eu retiro "o meu chapéu, que sequer tenho".
ResponderExcluirMeus parabéns!
Alta indagaçào. Extraordinário.
ResponderExcluirMuito obrigado, estimados amigos.
ResponderExcluirRespostas à altura das perguntas!
ResponderExcluirComo somos pequenos diante do mistério da VIDA!
Belo texto sobre a vida parabéns
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