sábado, 10 de março de 2012

DEPOIMENTO SOBRE O PROFESSOR JOSÉ RODRIGUES E RODRIGUES

Colégio Diocesano, antigo Instituto São Luiz Gonzaga

Antônio Augusto dos Reis Velloso (*)


Aqui estou, nesse momento, para, em meu nome pessoal, dar um testemunho daquilo que foi para mim a convivência maravilhosa com o Professor José Rodrigues e Silva, durante mais de 50 anos. Comecei essa convivência quando tinha 10 a 11 anos de idade, no então Instituto São Luiz Gonzaga, em Parnaíba-Pi. Guardo do Professor a mais encantadora impressão, por tudo aquilo que ele representou diretamente para mim e para toda a minha família.
O Professor, como sempre nos acostumamos a chama-lo, foi uma figura ímpar, realmente singular, tal o conjunto de valores que reunia. Ele era íntegro, pessoa dura e doce, firme, definido, consistente, personalidade rica de conhecimentos e de sabedoria humana. Ele representou para mim e para toda a minha família, a partir dos meus irmãos mais velhos, Francisco de Assis e João Paulo dos Reis Velloso, uma bela e rica experiência. Foi um professor maravilhoso e um grande mestre: no seu caso particular, professor de português, com profundos conhecimentos e excelente didática, transmitiu a todos nós uma visão profunda da língua. E sobretudo ensinou-nos o hábito de ler, ler sistematicamente, diariamente, a vida toda.
Foi ele um pai exemplar, um marido exemplar, um mestre exemplar, um ser humano exemplar. Tudo nele irradiava permanência, permanência nas convicções políticas, nas convicções de cidadão, nas convicções religiosas, permanência no amor, o amor a D. Bernadete, o amor aos filhos, a amizade permanente com os alunos, com os amigos.
A forte e permanente convicção religiosa, isso sempre me impressionou: em Parnaíba, no interior do Piauí, no litoral do Piauí, ele sempre foi aquela figura impressionante de homem religioso e íntegro, religião consciente, pelo amor a Deus que ele transmitia nas suas ações diárias, nos seus atos, na sua vida cotidiana. Esse foi um dado característico de sua personalidade: um homem religioso, crente em Deus, fervoroso, consistente na fé. Aprendi a admirar essa preciosa qualidade do seu caráter; é como se ele estivesse dizendo a todos nós, nos nossos encontros, nas suas aulas, na sua vida particular, em tudo, que havia um valor maior a ser perseguido, ou seja, a fé em Deus, o amor a Deus.
Volto a repetir, a figura humana do Professor nos dava aquela ideia da pessoa sempre voltada para as coisas permanentes, a partir da fé imensa, a partir da sua religiosidade, a partir das suas ações de pai de família, das suas ações de Professor equilibrado e diligente, tudo nele impressionava pela permanência. Aparentemente duro, exigente, determinado, cobrador, rigoroso, principalmente nas coisas de caráter, gostava de tudo certinho, arrumado, tudo nos conformes. Foi realmente na sua vida toda, uma pessoa preocupada com as coisas duradouras. Ensinava a todos nós coisas para ficar, desde a base. Nos estudos, transmitia as condições necessárias do aprendizado em português, em toda a sua complexidade, mesmo naquelas aulas complicadíssimas do português histórico, da origem das palavras, origens da língua. A sua preocupação era dar a todos nós um patrimônio de conhecimento, e sempre foi assim conosco, e ainda hoje tenho essa impressão, guardo essa feliz e agradável impressão. Tudo que recebi dele, durante todo aprendizado de português, no meu curso ginasial no antigo São Luiz Gonzaga, tinha a configuração de um belo patrimônio a ser guardado, acumulado, e que ficou dentro da gente, e que nos ajudou durante toda a nossa vida profissional, na nossa vida futura. Isso era maravilhoso, foi para todos nós realmente maravilhoso.
Outro traço muito importante do Professor José Rodrigues era a sua coerência, a coerência entre o que ele imaginava, o que ele tinha de ideias, as suas concepções, e a sua vida prática, os atos de sua vida. Acentuei muito o caráter religioso da sua personalidade. Registro também o caráter prático de suas ações, sempre preocupado em ajudar as pessoas , não só em ajudar as pessoas, mas em fazer refletir, por atos e ações, as suas convicções pessoais e religiosas. Cultivava as amizades , pelo menos essa é a recordação que tenho dele. Fizemos uma amizade desde os bancos escolares até hoje, de uma forma interessante. Não precisávamos estar juntos, não precisávamos estar um ao lado do outro. Saí de Parnaíba com 20 anos de idade e, mesmo em São Paulo, no Rio, em Brasília, onde eu estivesse, a minha ligação com ele se dava de uma forma intensa e duradoura. Quando nos encontrávamos, era como se tivéssemos nos visto no dia anterior, retomávamos o papo, retornávamos as conversas, ele se atualizava, ele estava permanentemente atualizado nos problemas locais, nos problemas do País, e isso tornava agradável o convívio com ele, qualquer que fosse a faixa de idade do seu interlocutor, porque ele tinha uma capacidade enorme de se aproximar das pessoas, do jeito que elas eram. Ele vinha com o seu jeito suave, inteligente, culto e transmitia devagarinho toda a consciência das suas ideias, e ele tinha uma ideia própria sobre cada tema. Era impressionante: mesmo quando se desligou de todas as atividades escolares, mesmo quando deu por encerrada a sua tarefa de mestre e de professor, mesmo depois disso ele cultivou o conhecimento das coisas; é claro que não era mais com todo aquele cabedal de conhecimentos captados nos livros, mas já agora sob a forma de uma experiência realmente ímpar , uma experiência que ele utilizava em favor das outras pessoas, em favor de todos que mantinham contato com ele. Ele passava toda essa experiência de vida, instalado lá no litoral do Piauí, mas ainda com muita coisa a transmitir a quem viesse do Rio, de São Paulo, ou de Brasília. Era gostoso esse contato, era, de fato, gostoso conviver com ele, mesmo que só de tempos em tempos.
Pois bem, eu estava comentando que a distância não mudava nada, que a gente se comunicava por cartas, por telefonemas ou por qualquer via. Uma via certa, absolutamente certa, era o cartão de Natal no final do ano, comemorando a vinda de Deus, a vinda do Filho de Deus.
Eu falei que ele se apresentava para mim, como uma pessoa firme e doce, ele se apresentava assim eu acho que para todos, para a família, para os amigos, para todos. No curso da vida, a gente ia observando progressivamente, na medida em que um de nós, eu por exemplo, caminhava em idade, caminhava em aprendizado, caminhava em conhecimento, caminhava em maturidade, toda aquela visão dura e firme, cobradora, ia desaparecendo, ia se transformando em doçura, a doçura do Professor que via em cada pessoa a realização dos seus sonhos, a realização dos seus objetivos. E cada vez mais, nesse contato que era mantido com ele, passávamos a perceber somente à distância aqueles sinais de dureza, para entrarmos numa faixa de convivência com a sua placidez crescente, aumentada a cada dia, aquela doçura paciente de mestre, de Professor, de amigo, ensinando, ensinando, ensinando.
Guardo com muita alegria a forte impressão de todos os encontros e reencontros mantidos com o Professor José Rodrigues, em Parnaíba, em Fortaleza, no Rio de Janeiro e em Brasília. Foram momentos encantadores. Era agradável manter aqueles contatos pessoais com ele, depois de longos períodos de ausência, em que se desfrutava de uma conversa amena, produtiva, positiva e propiciadora de um grande enriquecimento intelectual e humano. Era muito curioso observar nele aquela capacidade especial de estar sempre em dia com as coisas do País e do mundo. Como eu disse, não se tratava de um conhecimento específico, apenas apoiado em livros, mas um conhecimento muito maior, fortalecido com a exuberância da riqueza humana de sua personalidade, no amadurecimento feito com toda a consciência e sabedoria. Por mais que estivéssemos atualizados nos conhecimentos da vida no sul do país, da vida de cidade grande, da vida acostumada com os melhores meios de comunicação, era curioso ver como ele sempre tinha algo a nos propiciar, principalmente algo relacionado com a capacidade humana de ver as coisas, com maturidade de uma pessoa tão rica, em sentimentos e valores humanos. Dava gosto sentir nessas conversas e nesses reencontros todo o seu pique, toda a sua curiosidade, todo o seu desejo de avaliar com os seus ex-alunos, com seus amigos permanentes as coisas da vida, os problemas do País, os problemas do sul, os problemas da humanidade.
Relembrando esses momentos, revejo as transformações que se operavam nele, ao retomar contato com pessoas que eram os seus garotos de estudo, seus garotos de colégio e que agora se apresentavam de igual para igual, como adultos, e sempre revelando no íntimo um grande orgulho por tudo isso. Eu senti muitas vezes, nesses reencontros, que o Professor José Rodrigues refletia silenciosamente, delicadamente, um extremo orgulho pelo nosso sucesso, pelo nosso eventual sucesso.
Gostaria de lembrar alguns fatos singelos da minha vida, que estão intimamente ligados à convivência com o Professor José Rodrigues. São fatos muitos e muitos anos atrás, de modo que seria difícil relembrar de todos os detalhes, mas o que importa é a natureza desses fatos. Eu era um dos primeiros alunos da classe; aliás, nessa época de ginásio, ser o primeiro aluno era quase uma obrigação para mim, uma vez que, no Instituto São Luiz Gonzaga, isso fazia com que eu estudasse de graça, o que ajudava muito a minha família. Embora não fosse muito estudioso, eu estava sempre atento às aulas, muito cuidadoso nas aulas, dedicado mesmo às aulas, justamente para dispor de mais tempo, lá fora, para as brincadeiras, cinemas e lazer. Pois bem, o Professor José Rodrigues já reconhecia em mim um aluno razoável, um dos primeiros alunos, o primeiro aluno no cômputo geral das matérias. Mesmo assim, o senso de justiça dele, a preocupação com o educar e instruir para toda a vida, me colocou diante da seguinte situação, numa dada oportunidade: aparentemente, ele estava fazendo uma exposição muito difícil, exigindo da turma toda a atenção, e ele cobrava essa atenção da turma. Por alguma razão, que não era muito frequente, ele viu em mim um pouco de desatenção e me cobrou isso na hora, de forma impiedosa e direta, ou seja, dirigiu-se diretamente a mim e fez a colocação crucial: ‘Antônio Augusto, sobre o que eu estava falando? Por favor, reproduza todas as minhas explicações’. Aquele foi um importante teste para um garoto de 11, 12 anos de idade, pois me colocou numa situação embaraçosa de perceber que, mesmo na condição especial de bom aluno, eu não poderia me atribuir o direito de desviar a atenção da aula. Para sorte minha, como eu já estava acostumado a, inconscientemente, me voltar intensamente para o conteúdo das suas aulas, consegui me sair bem, relatando com alguma precisão aquilo que o nosso querido Professor havia explicado. Suei frio, mas me safei, e a grande alegria foi, mais adiante, saber que o Professor havia contado em casa o episódio, de certa forma enaltecendo a minha argúcia de, mesmo embaraçado, me desvencilhar daquela situação. Como se vê, homem justo e bom.
Outra situação de que me recordo dá um sinal de toda a singeleza do seu caráter. Esse fato se refere a 1 ou 2 anos depois do primeiro episódi0o.Eu estava concluindo o curso ginasial, a 4ª série, e a título de desafio pessoal havia me proposto a obter notas máximas em todas as provas finais, justamente as provas mais difíceis, aquelas que obrigavam o aluno naquela época a rever a matéria do 1° e 2° semestres. Tarefa difícil, mesmo isoladamente para cada matéria, e muito mais difícil pelo compromisso pessoal, não revelando a ninguém, de obter nota máxima em todo o conjunto. O que me apavorava era justamente a prova de português, pois eu bem sabia o que seria exigido nela, seja em termos de redação, seja em termos de gramática, seja em termos de conhecimentos finais requeridos. Além disso, eu nunca havia conseguido nota máxima em português, em qualquer das provas semestrais de todos os anos anteriores. O certo é que, ao final, cheguei lá: 10 na prova final de português, na conclusão do curso ginasial. Uma alegria indescritível! No fundo, no fundo, eu estava vivendo uma gratidão enorme, pois tinha consciência de que era um bom aluno, tinha feito uma boa prova, mas a nota 10 havia sido dada como um prêmio pelo meu querido Professor José Rodrigues, refletindo a sabedoria, a justeza do seu caráter de Mestre e Professor.
O terceiro fato que me ocorre está ligado a mim e ao João Paulo. Estávamos em São Paulo, já depois do vestibular para o curso de economia, isso por volta de 1957, fazendo o 1° ano daquele curso. Tratava-se da primeira experiência de prova semestral, num ambiente novo, completamente diferente daquele a que estávamos acostumados no Piauí, com toda a agressividade de um centro maior, e com todo o espírito de competitividade existente na turma. A nossa grande curiosidade girava em torno do resultado dessa primeira experiência de provas no curso superior. Havia um professor que tinha por hábito devolver as provas para que cada aluno confirmasse ou contestasse a respectiva nota. Antes de fazer a distribuição, o professor fez um alerta em tom sério: ‘existem dois alunos na turma que representam grande perigo para os demais. As duas notas máximas que lhes atribuí guardam uma enorme distância para a segunda nota, a nota 9, e a razão é muito simples: eles têm uma qualidade singular, eles sabem escrever, escrever bem, transmitindo claramente e com precisão as suas ideias’. Após isso, fez questão de saber onde e com quem tínhamos aprendido português. Foi uma alegria enorme, e particular orgulho para nós revelar para todos o nome do nosso Querido Professor José Rodrigues e Silva.
Acredito ainda que esteja faltando neste meu relato uma palavra de realce para aquele ponto que considero talvez o mais relevante de toda a personalidade do nosso querido Professor. Refiro-me ao seu extremado sentido de família. Ele cultivava a família. Ele cultivava a família, ele tinha um grande amor pela família, ele vivia em torno da família, a partir de D. Bernadete e junto com todos os seus filhos. Era bonito vê-lo como o líder do grupo, em torno do qual giravam todos os acontecimentos. Era uma bela unidade, uma bela unidade familiar, mostrando a importância da família como valor definitivo e permanente. Fico feliz por isso, porque associo esse fato com uma preocupação semelhante do meu pai, que fez também da família o seu centro de interesse.
Caríssimo Professor José Rodrigues: a nossa gratidão por tudo, o nosso abraço saudoso, as nossas orações fervorosas.

Brasília, 27 de dezembro de 1996.

(*) O Dr. Antônio Augusto dos Reis Velloso é Economista, Superintendente da Confederação Nacional das Indústrias Financeiras-CNF, em Brasília(DF). É irmão do Ex-Ministro João Paulo dos Reis Velloso, ex-alunos do Professor.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Campanha da Fraternidade: Sucesso há 50 anos

Fila quilométrica em hospital público

José Maria Vasconcelos 
josemaria001@hotmail.com

"Lembra-te que és pó e em pó transformar-te-ás!" Que recado aterrador, bíblico, principalmente para quem se esbaldou no carnaval e se farreia de comilança, bebedeiras, corrupção e sem compromisso social. Feliz quem aceita o convite para uma quarentena de reflexão: a vida é só comer, beber, alongar músculos, acumular bens, praticar sexo, disputar poder e pensar no corpo? Todo espiritualista, de qualquer confissão religiosa, sabe que não é só por aí que se vislumbra a vida em toda sua plenitude. Que existem outras esferas, além do corpo. Que vale a pena exercitar certas atividades que, em vez de puxar o corpo para a cova, elevam o espírito.
A Igreja Católica do Brasil, há 50 anos, conclama a sociedade a refletir e exercitar a mais nobre virtude cristã, a fraternidade, sem a qual, vã a nossa fé. Em vão, trilhar caminhos para o céu.
"Fraternidade e Saúde Pública", oportuno tema de campanha, em momento de escandalosa omissão de gestores, mais atentos à ganância pessoal do que ao exercício fraterno. Neste exato momento, milhares de irmãos, velhinhos, crianças, pobres em geral, aguardam horas e dias para morrer nos corredores dos hospitais, gemendo e agonizando, clamando pelo investimento que lhes foi surrupiado. Pelo desprezo à convocação do Mestre: "Tive fome e me deste de comer; sede, e me deste de beber; peregrino, e me acolheste; nu e me vestiste; enfermo, e me visitaste..."(Mateus,25). Sem fraternidade, viramos só pó. Fraternidade é vida, saúde e felicidade. Eternamente.
Desde 1962, a Campanha da Fraternidade, que começou no Rio Grande do Norte, depois encabeçada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e aplaudida pelo papa, aproveita o período de recolhimento quaresmal para incentivar a reflexão e prática de temas inerentes à responsabilidade cristã, de enorme interesse social, sem vínculos políticos nem sectarismo religioso.
Temas da Campanha da Fraternidade ficaram famosos pela contribuição oferecida à sociedade brasileira, expondo pecados sociais e cobrando providências, quase sempre atendidas. Mensagens e lemas mexeram com a consciência nacional: Preserve o que é de todos(1979); Repartir o pão(1975); Descubra a felicidade de servir(1972); Trabalho e justiça para todos(1978); Saúde e Fraternidade(1981); Quem acolhe o menor a mim acolhe(1987); Vida sim, Drogas não(2001); A Família, como vai?(1994); Fraternidade e os desempregados(1999); Comunicação para a verdade e a paz(1989); Vocês vão servir a Deus ou ao Dinheiro?(2010).
A música que lançou Raul Seixas ao estrelato, "Ouro de Tolo", dizia:"Eu devia agradecer ao Senhor/Por ter tido sucesso.../Eu devia estar contente/Por ter conseguido tudo o que eu quis/Mas confesso abestalhado/Que eu estou decepcionado.../Porque foi tão fácil conseguir/E agora eu me pergunto "e daí?"/Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar/E eu não posso ficar aí parado./Eu que não me sento/No trono de um apartamento/Com a boca escancarada cheia de dentes/Esperando a morte chegar.../Porque longe das cercas embandeiradas/Que separam quintais/No cume calmo do meu olho que vê/Assenta a sombra sonora de um disco voador..." O poema é longo, porém os poucos versos extraídos provocam certa reflexão em tempo de quaresma: libertar-nos do egoísmo que cerca nossos quintais e olharmos mais longe. De braços dados e fraternos. Senão, apenas nos transformaremos em pó. O recado bíblico não é um libelo, mas uma advertência para "uma porção de coisas grandes a conquistar". Menos o egoísmo.

quinta-feira, 8 de março de 2012

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho e Geraldo Magela


8 de março

DA COSTA E SILVA, POETA MAIOR

Elmar Carvalho

O doutor Lauro Correia, eminente cidadão parnaibano, que exerceu elevados cargos em nosso estado, entre os quais o de presidente da FIEPI e o de prefeito de sua terra natal, de quem tive a honra de ser aluno na UFPI – Campus Ministro Reis Velloso, quando ele era o diretor dessa unidade administrativa, costuma dizer que maior só a girafa, e assim mesmo por causa de seu enorme pescoço. Há os historiadores literários que fazem em seus compêndios a distinção entre “poetas maiores” e “poetas menores”, que tem gerado polêmicas, críticas e insatisfações; outros, em lugar da segunda categoria, usam a expressão “outros poetas”, que também tem desagradado os poetas nela incluídos.

Bem por isso, soube que um poeta estava agastado porque um intelectual andara questionando sobre quem seria, atualmente, o maior poeta vivo do Piauí. Embora eu tenha minhas preferências, jamais entrarei numa discussão desse tipo, mesmo porque existem aqueles que possuem um gosto eclético e variado, que gostam das diferenças, diversidades e peculiaridades, sem que por causa disso algum bardo possa ser considerado maior do que seu confrade. Houve mesmo um poeta que, enfrentando essa questão, disse não existir trena que possa medir o tamanho de um vate. Entretanto, posso dizer que alguns ficam no topo da cordilheira, como se fossem condores andinos, enquanto outros jamais deixam a planície em que sempre estiveram e estão.

Outro dia estava a conversar com o erudito magistrado federal, Dr. Geraldo Magela e Silva Meneses, nas escadarias da Academia Piauiense de Letras, e pude constatar, mais uma vez, a profunda admiração que ele nutre pelo nosso excelso poeta Da Costa e Silva, que é também uma das minhas mais antigas e constantes admirações, que, aliás, remontam aos meus dias de criança. Em outra ocasião, ele me havia dito considerar Da Costa e Silva o maior poeta da língua portuguesa. Como eu lhe tenha indagado se mesmo em relação a Fernando Pessoa e Luís Vaz de Camões, respondeu-me que sim. Depois, para espancar qualquer dúvida que pudesse existir, disse de modo firme e enfático: “E se não for o maior, é o melhor!”

Disse-lhe que, de fato, Antônio Francisco da Costa e Silva era mesmo um poeta extraordinário. Aliás, ouso afirmar que ele merece um lugar no panteão dos grandes poetas nacionais. Quando fui presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí desenvolvi uma campanha para que os seus restos mortais fossem trasladados para o cemitério da sua querida e por ele exaltada Amarante. No meu discurso de posse na APL, bradei, ainda que como uma voz clamando no deserto da indiferença: “(...) se não for pedir demais, talvez seja o momento de se trasladar para Amarante os despojos de Da Costa e Silva, já que ele, quando cantou sua terra, implorou em versos de incomparável maestria: “Terra para se amar com o grande amor que eu tenho!/ Terra onde tive o berço e de onde espero ainda/ Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho!” Em Amarante, o seu mausoléu-memorial seria visitado e reverenciado, em verdadeira peregrinação turístico-cultural”.


O nobre magistrado Geraldo Magela é um amante inveterado da cultura e dos livros, gastando boa parte de seu subsídio com a aquisição, sobretudo, de obras literárias e afins. É partícipe de nossos principais eventos literários. Sabe de cor e salteado vários poemas do nosso Da Costa e Silva. Isso é a maior prova de sua admiração pelo poeta. Conhece vários episódios da vida do vate amarantino. Creio que somente o médico e intelectual Tatá Almeida, que erigiu portentoso memorial em honra do imortal bardo, poderá ombrear-se com ele nessa seara de beleza e perfume literário. Em nosso último encontro, tive a honra de ter um poema de minha autoria recitado por ele. Disse-lhe que isso me valia bem mais que certas honrarias e condecorações, concedidas, às vezes, ao sabor das circunstâncias, interesses, pedidos e insinuações.

quarta-feira, 7 de março de 2012

DIÁRIO INCONTÍNUO

Viçosa do Ceará
Tianguá

7 de março

PASSEIO A TIANGUÁ E VIÇOSA DO CEARÁ


Elmar Carvalho

No domingo cedo, seguimos com destino a Tianguá, eu, a Fátima, meu irmão Antônio José e a sua mulher Maria de Jesus, a Dijé. Em outro carro, foram o subtenente reformado Nonato Freitas (Natim), sobrinho da Fátima, e a sua namorada, Ana Paula. Passamos na casa de meu pai, em Campo Maior, para levá-lo em minha picape. 260 quilômetros depois, às 11 horas, aproximadamente, chegamos ao nosso destino. Após um pedido de informação, fomos direto ao loteamento, em que pretendia adquirir um dos lotes. Fixei-me num deles, e pedi até terça-feira para decidir se o compraria ou não. Quando fomos verificar in loco a unidade que mais me interessava, havia obras de arruamento no local, e existia uma barreira relativamente alta. O Natim, ao saltá-la, sentiu o impacto, e curvou as pernas, mas sem chegar a tropeçar ou cair.

Pelo fato de ser ele musculoso, em virtude de malhar, bem como por ser aproximadamente dez anos mais novo que eu, fiz gozação com ele. Em seguida, lembrando-me de meus tempos de goleiro, pulei do ressalto, sem nenhuma dificuldade. O Natim deu como desculpa o fato de que havia bebido no dia anterior. Quando ele foi tentar subir a barreira, para voltarmos aos carros, não o conseguiu na primeira tentativa. Como novamente eu fizesse troça, justificou-se dizendo que uma raiz, que havia na terra revolvida, lhe atrapalhara o equilíbrio, mostrando até um suposto arranhão em sua perna. Tomei distância e executei o salto sem maiores problemas. Contudo, em seu favor, devo dizer que ele efetuou o segundo pulo sem nenhum embaraço. Diante da falta de entusiasmo dos meus acompanhantes, já que se trata de terra nua, em local ainda deserto, decidi abortar minha pretensão de adquirir o pequeno imóvel.

Inicialmente, combinei com o Natim, que iríamos almoçar em churrascaria a dez quilômetros, na saída para Fortaleza, onde me informaram haver um ótimo banho. Mas, como o homem propõe e a mulher dispõe, terminamos indo para Viçosa, bela, aprazível e encantadora cidade, que conheci em minha juventude, através de uma excursão turística iniciada em Parnaíba, feita em velho ônibus, e posteriormente a revi em um passeio de motocicleta, quando desci a serra, pela encosta cearense, tendo como destino Varjota e Reriutaba. Nessa ocasião, conheci diversas cidades serranas, inclusive Ipu, em que tomei agradável banho em sua famosa bica, situada em um dos morros da Ibiapaba, de temperatura agradabilíssima, de luxuriosa floresta virgem, em que parecemos sentir com maior intensidade a presença de Deus, sobretudo quando sentimentos o afago da suave e refrescante viração.

Na excursão a que me referi, conheci a gruta de Ubajara, sítio encantado. Fomos de teleférico, que desafiou minha pouca coragem para alturas e escaladas abruptas, uma vez que não tenho a menor inclinação para alpinista. A gruta é cheia de formas caprichosas, inesperadas, e toma as mais diferentes colorações. Parece até que um pintor adepto do abstracionismo exerceu ali, com muito vigor e radicalismo, a sua arte e talento. Talvez fosse mais correto dizer que se tratava, simultaneamente, de pintor e escultor. Primeiro ele elaborava a sua escultura abstrata, e depois as pintava, nos mais diferentes tons, texturas e traços.

Em Viçosa, fui rever a Igrejinha do Céu, cuja padroeira é N. S. da Vitória. Em minha primeira viagem a ermida era solitária, fincada no alto do elevado morro. Agora, há várias construções em seu derredor, entre as quais um centro de artesanato e um restaurante. De lá descortinamos uma vista deslumbrante da Ibiapaba. Vê-se vários morros e várias encostas, cobertos por densa vegetação, que, conforme a incidência solar e a distância, tomam diferentes tonalidades, variando do verde claro ao escuro, do azul escuro ao claro, sendo que os matizes adquirem notáveis sobretons de verde azulado, ou de azul esverdeado. As névoas, ao longe, no cabeço dos picos, parecem uma cabeleira encanecida e diáfana, a que o tempo rendeu a sua homenagem um tanto irreverente e galhofeira.

Um rápido plebiscito entre meus familiares, decidiu que iríamos almoçar em alguma churrascaria onde houvesse banho. Optamos, através de consulta a nativo, pela do Ivan, a cerca de dez quilômetros, em trecho da estrada que segue para Tianguá. Seguindo a orientação do informante, chegamos a nosso destino sem maiores dificuldades, vez que o acesso, em estrada carroçável, ante as bifurcações e encruzilhadas, possui placas indicando o caminho correto, que vai serpenteando pela floresta e pelos pequenos acidentes geográficos da paisagem serrana. O Ivan, que não era o terrível, nem tampouco o rei Artur, tinha uma grande távola redonda, em azulejo, ao redor da qual nos sentamos, como perfeitos cavaleiros. Como a mesa não tinha cabeceira, uma vez que parecia uma grande roda de carro de boi, não houve privilégio nem hegemonia na hora do pagamento da despesa, que não foi grande, já que o bravo Ivan explora o turismo, e não o turista.

Eu, o Natim e o Antônio José nos aventuramos a ir até a cachoeira, onde tomamos um saboroso, porém enregelante banho, exceto meu irmão, que se entreteve em tirar algumas fotografias. Como a cascata fica em local de um tanto difícil acesso, por ser íngreme, com pedregulhos instáveis, sugerimos ao Ivan que fizesse uma espécie de corrimão com cipós, além de que providenciasse uma pequena limpeza no local, pois muitos turistas são mesmo deseducados e deselegantes, e espalham suas sujeiras e lixos por onde passam.

O Ivan é educado e não se aborreceu com as nossas sugestões. Ao contrário, as acolheu e aperfeiçoou, dizendo que iria fazer um corrimão com taboca, que é bem mais resistente que cipós. Será, portanto, um arrimo para Tarzan nenhum botar defeito. Por falar no homem macaco, devo dizer que na bica o Natim se houve com muita destreza e vigor na escalação dos obstáculos, ao contrário do que narrei anteriormente.

De lá, meu carro seguiu para Teresina e o do Natim para Parnaíba, via Cocal, dito da estação, desde os tempos de outrora, quando por ali passavam os vagões ferroviários, no início puxados por uma caquética e cansada maria fumaça e, depois, por uma mais robusta e possante locomotiva a diesel. Ainda antes de chegarmos a Campo Maior, o Natim telefonou para nos dizer que já chegara a Parnaíba. Ou Parnaíba ficava bem mais perto, ou o meu irmão desenvolveu muito menor velocidade.

Quando iniciei esta crônica, ainda serenava, aqui em Regeneração. Antes, chovera torrencialmente. Fui acordado de meu sono por fortes tiros de trovão, que atroaram aterradoramente os ares, como se fora uma batalha medonha, em que os canhões disparavam suas balas mortíferas, em que as bombas explodiam, de modo intermitente, contra o front adversário. Depois os estampidos foram escasseando, ao tempo em que o barulho foi arrefecendo, arrefecendo, até se tornar um brando ronronar, que já não assustava, ou mesmo um inofensivo ressonar de uma artilharia sonolenta. Com o último trovejar, já inaudível, pingo o ponto final deste registro.

terça-feira, 6 de março de 2012

AOS PIAUIENSES COM TODA PIAUENSIDADE OU NÃO...

Vicente de Paula (de costas), Dominguinhos (ao sax), Jonas Fontenele, Elmar Carvalho e Conceição Teles, na diretoria da Maison Fontenele

JONAS FONTENELE

- Eu, Piauiense de Parnaiba, morando fora do Estado desde os 14 anos, sempre sou agraciado pelos amigos com presentes que fazem lembrar o Piauí, seja um quadro, seja uma foto, qualquer coisa que me faça transportar um pouco ao Estado natal.
Um dia, tempos atrás, sinceramente não sei quem, me trouxe um cd intitulado “O DIA EM QUE O MÃO SANTA PERDEU O EMPREGO” que era uma gravação do show do JOÃO CLÁUDIO MORENO, onde ele, em humor fino, satirizava diversas passagens do Senador Mão Santa, tanto no Senado, como no Governo do Estado. Fiquei maravilhado com a forma do humor, a imitação perfeita do Mão Santa, da Dercy e outros personagens, achei de uma fineza total, ele encerrar o show onde ele satiriza o Mão Santa, declamando um poema de autoria da mãe do mesmo. Vi também no CD que o mesmo tinha um grande senso de responsabilidade social e depois fiquei sabendo que ele tinha sido eleito vereador por Teresina. Sinceramente, até o recebimento do CD eu não sabia da existência de JOÃO CLAUDIO MORENO, falei com minha esposa que me alertou que era um Piauiense de PIRIPIRI, e que fazia um personagem junto com Chico Anísio, chamado de CARETANO VELOSO, que tinha um bordão que após afirmar qualquer coisa, saía com um ...OU NÃO.
É certo que a comunidade Piauiense não é pequena aqui em Brasília, e lógico que conheço e convivo com inúmeros, e para todos que mostrava o CD, todos sem exceção, queriam cópia do mesmo. Dentre vários amigos que cultivo, um deles, o CLEBER LOPES que não é Piauiense, se encantou com o CD de uma forma que, dificilmente, quando estamos juntos, ele não faça uma menção a uma passagem do mesmo.
Um dia, estava eu de férias em Parnaiba e soube que o JOÃO CLÁUDIO ia fazer um show em Parnaiba, não pensei duas vezes e comprei vários ingressos, pra mim, minha esposa e alguns amigos, mas para minha decepção fui informado no local que o show havia sido cancelado, em face de uma gripe que havia acometido JOÃO CLAUDIO, pelo menos foi essa a desculpa que nos deram, e lá se foi a chance de ver ao vivo o artista que tanto admirava.
Em Teresina de volta pra Brasília, fui almoçar no Capote da Dalva, e lá vi vários quadros de shows do JOÃO CLÁUDIO, e um em especial me chamou a atenção, que era um em que estavam juntos JOÃO CLÁUDIO e ROBERTO MULLER, um ídolo meu desde criança, e o cartaz dizia: PIRIPIRI, PIRACURUCA E O MUNDO SE RENDEM AO TALENTO DESSES DOIS. Sinceramente lamentei não ter assistido ao show, pois sou fã de ROBERTO MULLER desde que eu era criança.
Ali olhando o cartaz fiquei pensando como gostaria de pendurar um quadro desse na minha casa, mas nem pensei em propor qualquer condição para ficar com o mesmo, pois pelo que vi, o JOÃO CLÁUDIO ou é muito amigo da DALVA ou tem algo com o lugar pois lá tem vários quadros de vários shows seus.
Carnaval de 2012, resolvo me refugiar na Barra Grande, onde esqueço um pouco dos processos criminais que me povoam o dia-a-dia, com mortes, tramas brutais e outras violências, que só quem é do ramo sabe quão angustiante é. Não digo nem que é férias, já que são poucos dias, mas é uma espécie de botão “DESLIGA” que me faz simplesmente não pensar nas misérias humanas que me envolve o trabalho do dia-a-dia. Este carnaval foi muito especial, já que fui agraciado com a visita de inúmeros amigos, entre outros meu dileto amigo Juiz e Poeta ELMAR CARVALHO e sua esposa FÁTIMA, CONCEIÇÃO TELES, CANINDÉ, DE PAULA e DOMINGUINHOS. Depois, ainda tive a felicidade de passar algumas horas ouvindo DOMINGUINHOS, RORAIMA e JABUTI, que inesperadamente apareceram e fizeram um show particular, daqueles impagáveis.
A volta pra Brasilia me trouxe uma surpresa dessas que só o destino há de explicar. Tento eu agora explicar o acontecido: Eu ia viajar no vôo das 07:30 da manhã do dia seguinte e acordara no dia anterior por volta da 22:00hs, sem sono algum, resolvi sair pra comer algo e tomar uma gelada para esfriar o espírito. Na mesma rua onde estava hospedado (casa), entro em um restaurante e ao me sentar vejo uma pessoa sentada ao meu lado que estranhamente me parecia familiar e instintivamente o cumprimentei, sem me dar conta de que quase não conheço ninguém em Teresina e só depois de cumprimentá-lo é que me dei conta que era o JOÃO CLAUDIO MORENO, mas aí já tinha feito a besteira e para minha surpresa ele me retornou o cumprimento e como não podia deixar de ser elogiei o seu trabalho relativo ao CD que possuo, e a conversa fluiu de modo que não demorou muito eu estava conversando com ele e com seu primo como se o conhecesse há tempos.
Falei pra ele do quadro que muito me agradou do show com o ROBERTO MULLER, e ele ficou me olhando, como se medindo se aquilo era verdade ou sacanagem e a conversa andou de um jeito até que o restaurante fechou e pra minha surpresa ele me convidou pra irmos a outro local onde ainda estava aberto, e lá mais bate papo, muito risos, imitações, e fiquei sabendo que aquele trabalho dele (do Mão Santa) já era antigo e ele nem mesmo lembrava de alguns trechos que eu lhe relatava para demonstrar que eu gostara mesmo do seu trabalho, e aproveitei lhe falei do meu amigo CLEBER LOPES que também se tornou seu fã.
A noite se acabando, o vôo se aproximando, fui agraciado com o convite para ir até seu apartamento para bebericarmos a saideira, e lá fui presenteado não só com o quadro do show dele com o ROBERTO MULLER, mas também com diversos DVDS do programa ENTRE NOMES, o certo é que quase perdi o vôo da manhã. CLEBER LOPES também foi agraciado com a generosidade do JOÃO CLÁUDIO MORENO com um DVD devidamente autografado.
Como diz o Senador Mão Santa, a ignorância é audaciosa e eu ignorante do grande trabalho desenvolvido por JOÃO CLÁUDIO audaciosamente naquela noite o cumprimentei, acho que se soubesse do grande artista que ele é, e do trabalho intelectual desenvolvido por ele, teria tido o cuidado de passar ao largo, pois pensaria que ele seria petulante o bastante para não devolver o cumprimento.
Aceite meu agradecimento e meu abraço JOÃO CLAUDIO, com toda minha PIAUENSIDADE....OU NÃO.

segunda-feira, 5 de março de 2012

A ZONA PLANETÁRIA


Antigos cabarés da Zona Planetária - Arq. Blog Bitorocara
Escombros da Zona Planetária

29 de março   Diário Incontínuo



A ZONA PLANETÁRIA

Elmar Carvalho

Após a palestra do arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, quando o presidente da APL, Reginaldo Miranda, me passou a palavra, sugeri ao João Alves Filho, presidente da ACALE, que a conferência em defesa da preservação dos casarões fosse apresentada em Campo Maior; a aceitação foi efusiva e imediata. A seguir, expliquei que muitos anos atrás, mais precisamente no dia 23.05.1997, na sede do IATE Clube Laguna, situado à beira do formoso Açude Grande, em meu discurso de posse na Academia do Vale do Longá, eu denunciara a destruição da Fazenda Tombador. Na oportunidade, recitei estes versos do meu poema que lhe leva o nome: “Quando literalmente tombaram / a Fazenda Tombador, / nenhuma voz se levantou, / nem mesmo a voz de alguém, / que clamasse no deserto, clamou. / E a Fazenda Tombador / literalmente tombou.” Foi na sede dessa fazenda que se refugiou Fidié, após o término da Batalha do Jenipapo. Por conseguinte, seu valor histórico era inestimável.

Falei que os velhos prédios iam desaparecendo aos poucos, como se fora em macabro jogo de dama, em que as “pedras” iam sendo “comidas” por voraz jogador. Importantes edificações, de valor arquitetônico e/ou histórico já foram derrubados, ou pela insensatez, ou pela ganância, ou mesmo pela ignorância. Com isso, a paisagem urbana que marcou a nossa infância e juventude vai sendo apagada. Dessa forma a nossa memória vai sendo esgotada, as nossas referências vão sendo destruídas. A paisagem arquitetônica que servia de pano de fundo a várias quadras de nossa vida deixam de existir, fazendo-nos mergulhar na nostalgia pelas coisas que ainda nos poderiam encantar com a sua velha presença. Por causa dessas demolições, o velho bardo bradou: “Vão destruir esta casa / mas meu quarto vai ficar / de pé, suspenso no ar”. No ar tênue da memória ou apenas em desbotada fotografia, como assinalaram os versos de outro poeta.

No mesmo discurso em que clamei contra a destruição da Fazenda Tombador, adverti que, se providências não fossem adotadas, a Zona Planetária, de tão poético e sugestivo nome, também seria transformada em ruína. Na minha fala de sábado passado, disse que, infelizmente, fora um bom profeta, porquanto os casarões dessa antiga zona meretrícia, sem nenhum cuidado preservacionista, exposta ao rigoroso inverno de alguns anos atrás, terminara por desmoronar, dela só restando escombros, e a memória de um tempo em que os próspero coronéis da carnaúba e da pecuária ali imperavam, rodeados de belas meretrizes, algumas “importadas” de outros estados.

Esse belo nome foi posto pelo major Honorário Bona Neto, que além de comerciante era um músico talentoso, compositor de notáveis valsas. O município de Campo Maior, a exemplo do que foi feito em relação ao musicista e intelectual Possidônio Queiroz, de Oeiras, deveria patrocinar a publicação de álbum com a partitura de suas composições e o lançamento de um CD, abrigando suas principais melodias, em vez de ficar bancando apenas apresentações de bandas de outros municípios e estados, com suas músicas comerciais, apelativas e de evidente mau-gosto.

Com o passar dos anos, o nome Zona Planetária foi caindo no esquecimento. O local passou a ser chamado simplesmente de zona da rua Santo Antônio, com os prostíbulos já em franca decadência. Outrora, cada um dos cabarés ostentava na fachada o nome e a pintura de cada um dos planetas. Lá estavam os anéis de Saturno, a cor azul de Vênus, o vermelho sanguíneo de Marte... Ao cair da tarde, as mulheres assomavam às janelas, situadas acima das altas calçadas. De lá, como de um mirante, espreitavam os passantes, que eram ao mesmo tempo caça e caçadores. À noite, o amor de aluguel acontecia entre espumas de cerveja, perfumes de gardênia e o luscofusco difuso/confuso das luzes negras, ao som dos boleros das velhas radiolas, que soltavam as vozes de Roberto Muller e Waldick Soriano, que imperavam soberanos nos lupanares de então.

Ainda jovem, quando assumi meu cargo de fiscal da extinta SUNAB – Delegacia do Piauí, o chefe da Seção de Fiscalização, o senhor Walter e Silva Mendes, que em sua infância fora amigo de meu pai, perguntou-me porque eu não escrevia um poema sobre a Zona Planetária. Ora, eu já sequer me lembrava de que aquele meretrício tivera esse nome. Desde há muito, ele passara a ser chamado apenas de zona da Santo Antônio, como numa tentativa de unir-se o sagrado ao profano, o divino e o humano. Durante muitos meses conjecturei sobre como poderia elaborar esse poema. Cheguei a achar uma missão quase impossível. Um belo dia, ocorreu-me que os planetas foram denominados com o nome de deuses da mitologia grego-romana. Esses deuses, apesar de poderosos e imortais, tinham as mesmas paixões, vícios e desejos do ser humano. Esse foi o estalo que deu origem ao poema.

A partir daí comecei a pesquisar a mitologia e a astronomia planetária. Anotei as principais virtudes e defeitos dos deuses. Os principais fatos que lhe eram atribuídos. Procurei registrar as principais caraterísticas dos planetas, como órbitas, cor, densidade, satélites e os fenômenos de seu giro ao redor do Sol e de sua rotação sobre o seu próprio eixo. Resolvi, então, escrever um épico moderno, em que mesclei a astronomia planetária, a vida e as paixões dos deuses do Olimpo e a sociologia dos lupanares. Fiz um poema de abertura e mais nove outras unidades, em que pus as peculiaridades de cada um desses mitos e planetas. Certamente, o que me faltou em talento, sobrou em audácia.

O SISTEMA PLANETÁRIO

Elmar Carvalho

Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
De repente, Átropos corta o fio da vida
que era tecido pelas Parcas lentamente
pelos golpes de facas, adagas ou estiletes
nas mãos de um velho Pã embriagado.
Baco e suas bacantes celebram suas
lúbricas bacanais e bebem vinho
e sangue em frágeis taças de cristais.
Nas calçadas altas da Zona Planetária
meretrizes expõem suas carnes
em varais de açougues imaginários
aos transeuntes ou faunos eventuais,
nas horas em que Hélio esboça a Aurora.
Ali, os desejos são Ícaros leves que sobem
nas asas de cera do pensamento, quando
Nyx, filha do Caos, com seu negromanto
lantejoulado de estrelas e sua
coroa de dormideiras, a noite,
o sonho e a orgia instaura.
Cupido passa com seu
séqüito de sátiros e de ninfas
pelas calçadas e salões da Zona Planetária
e Eros proclama seu reinado
de orgia, prazeres, orgasmos e pecados.

AUTOBIOGRAFIA


AUTOBIOGRAFIA

Elmar Carvalho

Após seguir os mais ásperos caminhos,
Napoleão avesso, eu próprio me coroei
com uma coroa de cravos e espinhos.
Subi montes, rompi charcos,
atravessei grutas sem luz,
com os ombros esmagados
ao peso de férrea cruz.
Em noites de névoas e luares
sofri e cantei perdido nos lupanares.
Em dias de sol escaldante e incandescente,
fui casto Dante
e Baudelaire delirante e indecente,
pelas tardes mornas de ressacas e orgias.
No Olimpo a que subi em busca
dos mitos, à procura de Zeus,
pregaram-me numa cruz onde
puseram irônica tabuleta: “Rei dos Judeus”.
Por frígida e pálida manhã,
envolto em solidão e neblina,
rasguei e perdi minha toga purpurina.
Cheio de ódio e de amor,
sorvendo taças e mais taças
de bebida balsâmica e malsã,
nos bordéis de Eros, nos templos de Pã,
e nos palácios dourados de Mefisto,
onde sucumbo e resisto,
no meio de mentira e desengano,
fui Satã,
fui Cristo,
fui Humano.

domingo, 4 de março de 2012

ANTOLOGIA DO NETTO

Texto, charge e seleção do poema: João de Deus Netto



PAULO MACHADO

Paulo Henrique Couto Machado pertence a um dos grupos mais novos de poetas piauienses: Geração de 70. Paulo Machado, nasceu em Teresina no dia 23 de julho de 1956. Ganhou vários prêmios na ficção, nos Concursos de Contos e de Poesias. Participou de várias antologias poéticas e tem três livros publicados: 'Ta Pronto, Seu Lobo? (poemas - 1978), 'A Paz do Pântano' (Poemas- 1982)) e 'Na Trilha da Morte' (sobre a morte dos índios). Os cursos básicos e superiores foram feitos em Teresina. Paulo Machado é formado em Direito pela Universidade Federal do Piauí, com especialização em Direito Agrário. Além da participação em revistas e outras publicações alternativas, como Ciranda (1976), Paulo Machado editou o jornal Floretim (1984), duas publicações que motivaram os movimentos culturais em Teresina, nas décadas de 70 e 80.

Ao prefaciar o livro 'Tá Pronto, Seu Lobo?' (1978), o escritor Cineas Santos escreveu: "Grande parte dos poemas que constituem este livro tem gosto de reportagem de rua: são flashes de uma cidade que se transforma, que se desumaniza (perdoem o lugar comum), pela ação (in)consciente dos donos da vida".

Post card/57

Na praça Marechal Deodoro
Às nove horas falavam
Da UDN e do american-can

Um louco o Jaime fazia ponto no cruzamento
Da Barroso com a Senador Pacheco sem saber
Que há tempos existia a guerra fria

Quinta-feira era dia de matar o tempo
Na praça Pedro Segundo enquanto sapos
Copulavam nos lajedos do tanque

Nas tertúlias do Clube dos Diários
Uma geração embarcava no marasmo
Esquecendo tudo mais

Nos canteiros da Avenida Frei Serafim
Os cupins construíam suas casas
Fiando estranha quietude


No bar Carnaúba o sol roía o marrom
Das tabículas das mesinhas ao passo que
Os homens de casimira cinza faziam planos

Na Paissandu os bêbados
Pregavam a subversão
E um bolero esquentava as estranhas da noite

sábado, 3 de março de 2012

Valter Castelo Branco


José Itamar Abreu Costa (*)


Desde 1961, que residimos e trabalhamos nas cercanias do HGV.
Ou seja, Ruas: Primeiro de Maio, Taumaturgo de Azevedo, Coelho de Resende e Santa Luzia.
A presença do Valter (filho de Dona Emília), já perdura 51 anos. Quantos anos o Valter teria?
Ninguém responde, ninguém sabe. Sempre apresenta atitudes as mais diversas: coloca gesso nos braços, gesso na cabeça, carro de mão, carrinhos de madeira etc.
Amigo das principais autoridades que governaram o Estado e Teresina nos últimos anos: Pedro Freitas, Lindolfo Monteiro, e se diz um Castelo Branco.
Valter solidário; tão logo chegou da Paraíba, o Sr. João Claudino morou um tempo na Rua Pires de Castro, seria lógico que Valter se aproximasse da família e passasse a frequentar a sua casa (sempre respeitador e só se zanga quando alguém resolve chamá-lo de E-----).
Quando do falecimento da Sra. Socorro Claudino, fomos visitar a família e nos despedir daquela religiosa senhora, quem estava presente?, o Valter. Conversamos e matamos saudade do tempo de criança.
Valter uma legenda viva; ao me mudar para a rua Coelho de Resende e instalar o primeiro consultório, ele passou a me orientar quais terrenos estavam vazios, quais seriam oferecidos e quais casas estavam para ser alugadas. Sempre relembrava uma passagem lá pelos idos de 1966. Em um sábado à tarde os meus irmãos (Ismar e João de Deus), armados de talo-de-coco, passaram a me provocar, e o Valter entrou em ação, evitando esta "grande" briga entre os irmãos; até hoje quando vai me  pedir dinheiro sempre diz:"Olha, eu te salvei de apanhar dos irmãos cabecinhas, por isso me dar uma boa nota".
Valter sabe escolher amigos; Carlos Augusto (filho de Chiquinha e Joca do Marimbá), Zé Alencar, de saudosa memória (filho de Osmarina e Albino Alencar), João Alencar Filho, (filho do senhor João Alencar e Maria Mendes), Sandoval Nogueira Lima, (filho de Agostinho e Maria).
Valter permanece firme na rua primeiro de maio, onde grande parte dos seus amigos e contemporâneos já se afastaram ou partiram para o além; e que seja feliz! agora e sempre e que os anjos digam amém.

(*) O autor é membro da Alval, Allche, Acads, Ihal, Alresc e Academia Piauiense de Medicina.

sexta-feira, 2 de março de 2012

NO SEBO DA LIVRARIA SÃO JOSÉ


CUNHA E SILVA FILHO

Estive ontem, como venho fazendo há tantos anos, visitando o sebo da São José, dirigido pelo Germano a quem minha mulher chama de Seu José, levada seguramente por associação de idéias, e pela proximidade com o nome da antiga Livraria São José. Germano começou a trabalhar na São José ainda bem moço. Depois tornou-se antigo funcionário do famoso livreiro Carlos Ribeiro, proprietário da conhecida Livraria São José, que também foi editora, reduto de intelectuais do passado, não só os da capital carioca como os que vinham sobretudo do norte e nordeste. O sebo do Germano deriva dessa velha e respeitada Livraria do Carlos Ribeiro.

Aliás, toda a minha família conhece o Germano, meus filhos, um dos quais quase foi afilhado dele. A amizade com ele partiu da minha mulher que, nos anos sessenta, visitando a Livraria São José, em companhia de algumas amigas da FNFI (Faculdade Nacional Filosofia da Universidade do Brasil, hoje, UFRJ, foi apresentada ao Germano. Elza gostou tanto do atendimento do jovem Germano dispensado a ela e a suas colegas de universidade, frequentadoras da livraria, que logo aderiu ao vício também de frequentar essa casa de livros. Foi pelas mãos de Elza que eu também fui apresentado ao Germano, ou melhor, ao Seu José, como respeitosamente minha mulher o trata.

A antiga Livraria São José ficava na própria Rua São José e desconfio de que a razão social do ramo de livros se deve também por contiguidade e aproximação física com a bela Igreja de São José, na qual meu filho mais velho se casou.. Aquele entorno no passado se chamava Morro do Castelo, o qual foi demolido, sofrendo , com o tempo, completa transformação paisagístico-arquitetônica.

O velho sebo remanescente da São José localiza-se hoje na Rua 1º de Março, Centro do Rio. Não é preciso dizer que visito esse sebo por várias razões, inclusive a daamizade que fiz com seu proprietário, que hoje, além de seus funcionários, conta com a operosidade da sua filha, formando com o experiente pai ,uma espécie de sociedade de negócios regida por laços de amor paterno-filial.

Todos que moramos no Rio de Janeiro sabemos o quanto de sebos existem espalhados pela cidade, zona sul, subúrbio, zona norte, zona oeste, sebos ao ar livre, nas calçadas, nas esquinas de ruas movimentadas. Até livros-guia existem para orientar os amantes de livros, como O bem organizado Guia dos sebos das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, de Antonio Carlos Secchim, que, na realidade, inclui mais quinze cidades brasileiras.O guia traz uma boa introdução sobre a origem dos sebos como locais de venda de livros usados e de obras raras. Nem sempre o sebo é rigorosamente uma livraria de livros velhos, pois é possível encontrar alguma publicação nova e não usada. Antes do guia de sebos de Secchim, foi editado pela UFRJ um guia desse gênero, mas bem limitado em seu escopo, já que só abrangia a cidade do Rio de Janeiro. A edição for organizada por Wellington de Almeida Santos que, como Secchim, é professor da UFRJ.

O Sebo da São José, antes de ir para o atual endereço, por algum tempo, se instalara na Rua do Carmo, também Centro do Rio.O costume de ir aos sebos é antigo. Escritores, estudantes, pessoas interessadas em culturahabituam-se às visitas aos sebos. Acredito, porém, que hoje, com a venda de livros usados via intern et, os sebos ao vivo estão tendo alguma decaída em suas vendas. As vendas virtuais, segundo me informaram, estão dando mais lucros. Mudanças de tempos e de hábitos. Sinto nostalgia? Sim. Sobretudo do tempo de estudante de Letras e, depois, mesmo do tempo em que iniciara, muito jovem, o magistério. Comprei muitos livros; achava-os ,naqueles anos, mais baratos. Hoje, penso que os livros usados se valorizaram e, por isso, são mais caros.

Não é só o prazer de comprar esses livros usados que nos faz ir aos sebos.Há o prazer de encontrar uma obra que há tempos procurávamos. Eureka! Além disso, é agradável quando podemos travar um bom relacionamento com o livreiro, principalmente quando ele tem bom humor, é solícito, dá bons abatimentos que nos contentam e, sem nenhuma dúvida, nos fazem voltar. Nos apegamos às vezes a certos sebos que tudo fazemos para, primeiro, lá passarmos a fim de verificar se o estoque possui o que procuramos O ideal seria se todos pudéssemos ter o mesmo sebo e desfrutar do convívio com o livreiro amigo e camarada, além da alegria de encontrar o livro desejado.

quinta-feira, 1 de março de 2012

DIÁRIO INCONTÍNUO



1º de março

MAIS UMA VEZ NA MAISON FONTENELE

Elmar Carvalho


No domingo de carnaval fui a Barra Grande, em companhia de Fátima, da Conceição Teles e do Canindé Correia, e mais uma vez com destino à Maison Fontenele. Ao chegarmos, por volta de 10 horas, já o Jonas Filho Fontenele de Carvalho nos aguardava, com a sua reconhecida alegria e cordialidade. Fomos logo para a “Diretoria”, o acolhedor recanto aberto, coberto por palhas de carnaúba, que além de mais refrescante, dá um tom pitoresco ao ambiente. Começamos imediatamente os trabalhos de pasto e as libações.

Por volta de onze horas, chegaram o Vicente de Paula (Potência), o Arílton e o Dominguinhos. Logo começou uma agradável apresentação musical, praticamente ao sabor do improviso. As melodias eram variadas, e trafegavam da velha à jovem guarda, de serestas à bossa nova. É claro que a jovem guarda já não é mais jovem, e a bossa nova também já não é mais nova, mas para muitos adeptos do forró eletrônico e do axé music é novidade, uma vez que muitos deles desconhecem as belas músicas do passado.

Dominguinhos é figura respeitada como instrumentista, sobretudo em Teresina, onde é funcionário da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, de cuja banda marcial é componente, além de tocar em outros grupos musicais. É membro de uma estirpe musical, pois alguns de seus parentes são musicistas de valor, tendo sido seu pai, o mestre Domingos, um saxofonista e clarinetista notável. Este instrumentista, vítima de acidente, de que procurei não saber detalhes, ficou impossibilitado de tocar os instrumentos que dominava com invejável maestria.

Além do saxofone e da clarineta, o Dominguinhos executa outros instrumentos, entre os quais viola, violão e cavaquinho, sendo, portanto, literalmente um homem de sete instrumentos. Após demonstrar a sua virtuose no domínio do sax, empunhou um cavaquinho, oportunidade em que também demonstrou sua capacidade vocal, sobretudo quando acompanhou o Vicente Potência, que cantou velhas melodias, mormente sambas e serestas. O Vicente, por ter morado alguns anos no Rio de Janeiro e por praticar uma saudável boêmia, assimilou certo jeitão do bom malandro carioca, tanto no humor, como no gosto musical e na conversação.

Tanto isso é verdade, que já o vi fazer malabarismo de percussão em caixas de fósforo e em papel sobre o asfalto. Algumas músicas que interpretou, com sua boa voz, a que dava, algumas vezes, uns leves timbres de falsete, eram de sua autoria, ele que é festejado carnavalesco de Parnaíba, animador mor do Bloco Arrastão da Ema, para o qual compôs samba-enredo e planejou alegorias temáticas. Vários irmãos do Vicente, inclusive algumas das mulheres, têm pendores musicais, sobretudo para a percussão e para o canto, mas também para as cordas de um violão. Arílton, seu sobrinho, herdou essa inclinação musical, e incrementou a tarde com os seus batuques. A tudo isso não faltou o toque de uma suave voz feminina, pois a Conceição Teles auxiliou o Vicente em algumas melodias, e também em algumas interpretações solo.

Na terça-feira, quando fui tomar um caldo de carne na lanchonete do senhor Antônio Santos, perto do mercado do bairro de Fátima, encontrei novamente o nosso bravo Vicente Potência. Pediu-me para, em minha picape, “arrastar” a sua ema, a do arrastão, que se encontrava avariada no Clube do Ferroviário, até o “estaleiro” do Porto das Barcas, onde seria consertada. Fomos, eu, ele e o Canindé, cumprir essa missão. Nos embates da folia momesca, a ema terminara ficando descadeirada, e acabou por danificar o pescoço, que ficou escacholado, sem sustentação. Essa ema, que nunca voou, também nunca andou sobre as próprias pernas, já que nunca as teve. Ficava sobre o carro alegórico como se estivesse choca, postada sobre seus ovos. O Vicente nos garantiu que iria aproveitar essa “cirurgia” de emergência para lhe dar duas pernas, sobre as quais ela haveria de se apresentar de forma sobranceira, imponente, altiva, no desfile da noite, na avenida São Sebastião.

Nosso anfitrião, o Jonas Fontenele, que foi pródigo em nos servir camarão, peixe e um gostoso churrasco caprino, anunciou que logo após a folia momesca iria iniciar a construção da reforma da casa, que na verdade, pelo que pressinto, será uma nova residência. E ratificou o seu firme propósito de pousar o Pavão Misterioso, que não sei se será um ultraleve ou um teco-teco, nas areias planas do “salgado”, que fica ao fundo do quintal da Maison Fontenele. Disse-lhe que me falta coragem para acompanhá-lo nessa aventura aérea, mas que estaria a postos, de pés firmados no chão, para aplaudir o seu pouso triunfal.