segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Arquivo delicioso


Arquivo delicioso

Gutemberg Rocha 
Sócio do Instituto Histórico de Oeiras

Arquivo silencioso, este é o título do recém-lançado livro do historiador oeirense Francisco de Moraes Rêgo, título emprestado de uma das mais de quarenta crônicas que compõem a obra, prefaciada por Dagoberto Carvalho Jr., autor do consagrado Passeio a Oeiras. Arquivo silencioso também é um fascinante passeio, e bem poderia ser Arquivo delicioso, pois é uma delícia passear pelas ruas e becos, igrejas e casarões, morros e riachos, fatos e lendas da Velha Capital; é delicioso pisar os lajedos da doce colina, tocar as grossas paredes dos sobrados centenários e contemplar os telhados envelhecidos, testemunhas da História e de mil histórias que não podem ficar perdidas no passado.

É delicioso perambular pela cidade, integrando-se ao burburinho da feira; mergulhar no Mocha, deleitando-se com o canto das lavadeiras; ouvir os sinos da Matriz a badalar finados, missas e batizados; adentrar os templos vetustos, relicários da fé de um povo temente a Deus; ajoelhar-se ante a imagem do Bom Jesus dos Passos; participar da Festa do Divino e das procissões da Semana Santa; visitar os presépios com cheiro de alecrim...

É delicioso cruzar com figuras emblemáticas da Velha Urbe, seja pela loucura, como Antônio Bocão e Dorete, seja por outras singularidades, como o jardineiro Zé de Helena (carregador oficial do tamborete da Maria Beú), o seresteiro Ciço Cego (proprietário do famoso CCC: Cabaré de Ciço Cego), o Padre Freitas (que abandonou o celibato sem deixar a batina), o músico e artesão Batata Tabaqueiro (que optou por viver recolhido como um monge), o folião Eurico, o sineiro Manoel do Padre, o engraxate Cosme...

É delicioso festejar São Benedito em antigas novenas animadas pelas bandas “Triunfo” e “Vitória”, na Igreja do Rosário; dançar ao ritmo do badalado conjunto “Os Falcões”; ouvir a música celestial que flui dos bandolins de Petronília Amorim, Lilásia Freitas, Maria José Cabeceira, Rosário Lemos e Antonieta Maranhão, carinhosamente chamadas de “bandoleiras”...

É delicioso trilhar as sendas da Igreja, dos clérigos que deixaram suas marcas na Paróquia de Nossa Senhora da Vitória e na Diocese de Oeiras: Dom Expedito Lopes, Dom Edilberto, Cônego Cardoso, Monsenhor Leopoldo, Padre João de Deus (ainda na ativa) e tantos outros; viajar pelos mistérios das lendas: o Pé de Deus, o Carneirinho de Ouro, a Baleia da Igreja da Conceição, o Cavaleiro da Meia-Noite...


É delicioso, sim, embora algumas narrativas remetam à mais crua realidade, desde conflitos pessoais que resultam em vingança e morte até episódios chocantes da época da escravatura. Mas isso também faz parte da vida da cidade, e essa é a matéria-prima usada por Francisco Rêgo, que mistura acontecimentos reais com preciosidades do folclore e do imaginário popular. Uma valiosa contribuição do escritor para a preservação da memória sentimental, cultural e social de Oeiras. 

domingo, 10 de novembro de 2013

Seleta Piauiense - Jônatas Batista


A ARANHA

Jônatas Batista (1885 - 1935)


Estende o fio fino e a fina trama tece
a diligente aranha, em contínuo labor.
E, a trabalhar, assim, naturalmente esquece
a atormentada lida — o sofrimento e a dor.

E vai e vem e volve e, em volteios, parece
que uma dança executa, em medido rigor...
Por fim, se imobiliza ou finge que adormece,
à carícia da luz, no mórbido calor...

O cérebro trabalha: — O pensamento é a teia
que se estende, se liga e prende e se enrodeia
em torno dessa oculta e diligente aranha...

O poeta, em fios de ouro, as malhas urde e tece...
No labor que o fascina, a própria mágoa esquece
e a crias a sorrir, moscas de luz apanha...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ZUENIR VENTURA – UM PAPO NO DELTA


ZUENIR VENTURA – UM PAPO NO DELTA

Vicente de Paula Araújo Silva (Potência)

A programação da 4ª edição do SALIPA- Salão doLivro de Parnaíba, teve início, ontem 07/11/2013, a partir da “ Conversa com Zuenir Ventura” notável jornalista que virou escritor famoso no país e exterior. Está de párabéns a equipe organizadora do evento, pois, quando as coisas se iniciam com sucesso certamente continuarão até o final.

O públicou que estava no auditório da Associação Comercial da Parnaíba, no Porto das Barcas, foi surpreendido logo no início quando o hino da Parnaíba foi executado com um arranjo em rítimo e musica caraterizando a nossa história e cultura , amparado no palco pela plumagem e dança de descendentes dos nossos antepassados Tremembés. Prosseguindo, apresentou-se um grupo vocal de deficientes visuais de Teresina entoando canções da música popular brasileira, entre elas, a conhecedíssima Assum Preto. Finalmente, chegou a vez do mineiro de Além Paraíba, Zuenir Ventura.

As pessoas que participaram do 3º SALIPA no ano passado, ainda guardam na memória a participação do também conceituadíssimo escritor brasileiro Ignácio de Loyola Brandão, quando, no mesmo autidório, encantou a gente parnaibana que lá estava.

Zuenir Ventura não foi diferente. A conversa foi habilmente conduzida pela Jornalista Tatiane Correia, e pelo formato descontraido da comunicação agradou plenamente aos participantes. Dentro desse contexto, três afirmativas do inspirado palestrante marcaram a sua fala :
1 - A resposta em definir a diferença entre os jovens que foram as ruas em 1968 e os que estão indo hoje ao dizer – O jovem de 1968 quebrava paradigmas e o de hoje quebra vitrines ;
2 - A honestinade e modéstia em reconhecer o erro pela não publicação do artigo escrito que tratava da razão do suicídio do eminente escritor Pedro Nava em13/05/1984.
3 - O compartilhamento do seu sucesso com a Esposa Mary Akienstein;
A respeito da noite de ontem, fico com ele no seu posicionamento a respeito da publicação de biografias,e diante das últimas declarações de Roberto Carlos nos meios de comunicação tratando do assunto, tenho que conceituar a abertura do SALIPA pelo Zuenir Ventura como um papo legal.


Phb, 08/11/2013-Vic.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

POETAS OEIRENSES LANÇAM LIVRO NO FESTIVAL DE CULTURA


Fruto de co-edição entre Livraria Nova Aliança e Associação Cultural Rua das Portas Verdes, será lançado dia 16, o livro 12 Poetas de Oeiras, dentro da programação do Festival de Cultura de Oeiras. Trata-se de uma coletânea de poemas de 12 autores oeirenses contemporâneos. Não é uma antologia, pois não há o rigor seletivo que caracteriza esse tipo de publicação.

Os poetas que participam do livro são Anna Bárbara Sá, Dagoberto Carvalho Jr, Edilberto Vilanova, Jadson Santos, João Carvalho, Paula Nunes Alves, Pedro Igor, Rogério Freitas, Rogério Newton, Stefano Ferreira, Vivaldo Simão e Xico Carbó. Dois artistas plásticos fazem parte da coletânea: o oeirense Evandro Veras assina as ilustrações e Antonio Amaral, o projeto gráfico e a capa. A organização da obra ficou a cargo de Rogério Newton.

Embora Oeiras seja considerada terra de poetas, o livro é o primeiro do gênero entre nós. A escassa publicação de poesia pode ser sintoma de certa estagnação na vida poética da cidade, mesmo se considerar-se a existência de blogs na rede de computadores. Apesar da ocorrência de outros veículos, o livro ainda é o meio mais aceito pela tradição cultural do Ocidente.

Mas a coletânea não pretende apenas romper o silêncio e preencher uma visível lacuna poética. Por ser constituído apenas de poetas vivos em franca atividade, a obra vem também desmistificar arraigado equívoco segundo o qual “autor bom é autor morto ou com mais de 80 anos de idade”.

De um modo geral, os poetas que integram a publicação são líricos, o que é bastante sintomático, já que não temos tradição de épicos e dramáticos. Mas trata-se de um lirismo moderno, ou contemporâneo, como queiram, em que a subjetividade – muitas vezes dilacerada – exprime-se em frases sintéticas. Por isso, a concisão é uma característica presente em muitos poemas da coletânea.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Tragédia brasileira: a morte de um bebê e da avó


Cunha e Silva Filho

Através de um  programa  de TV  que  o elitismo  brasileiro  chama de  imprensa sensacionalista,  classificação  da qual  discordo, pois,  por detrás dessa  natureza  de  programa é que, em  primeira mão,  fico sabendo  do que alguém já chamou  com  propriedade  de “Brasil real,” não o  país  dos  programas  televisivos   que abordam, em considerável  proporção,  a chatice  de imbecilidades  da  tevê brasileira, a qual é desnecessário exemplificar  visto que os leitores  sabem  do que estou  falando.
Foi num desses  programas  que tomei conhecimento  de um crime  escabroso perpetrado por um avô  ensandecido contra a própria  esposa e o próprio neto, um bebezinho de sete meses, de nome Luís Eduardo. O crime  aconteceu  em São Paulo.
Um avô,  ex-presidiário por homicídio  e ex-interno  para tratamento  psiquiátrico, num dia  de fúria,  por motivo  torpe,  assassinou dois entes queridos utilizando-se de um porrete. Segundo  seu  depoimento na delegacia,   ele confessou  tudo friamente e ainda  deu detalhes  sobre  a monstruosidade  que  fez contra  dois  seres  de sua família. Declarou  estar arrependido. Já estou  cansado  de arrependimentos  de  “monstros”  de nossa sociedade em confissões  que não nos causam  mais nenhum sentimento  de  comiseração  para com eles.
O avô, segundo a reportagem,  era pequeno comerciante  de um bairro simples, pelo que  indicavam  as imagens  da tela. O avô alegou  que cometera  os dois homicídios em razão de que não mais  queria  conviver  com  o netinho,  que não o deixava dormir, naturalmente porque  chorava  como  qualquer  bebê.  Com isso, achava o  assassino que   a presença  do bebê   estava  atrapalhando-lhe   os negócios, já com   queda de lucro. E a culpa  punha sobre os ombros do netinho. 
Entretanto,  a história ainda tem  mais um  ingrediente, a avó de Luis Eduardo, em discussão  sobre a situação  em casa envolvendo o bebê,   ameaçara o marido  de  que,  se o netinho fosse embora,  ela iria também. Foi o bastante para,  um dia,  o avô  tirar-lhe a vida e a do  bebê, de resto,   uma criança  lindíssima,  com  olhos de cor violeta.
Esta tragédia  provoca profunda  indignação  em  todo mundo e, além disso,  nos  conduz a uma reflexão sobre o estado de degradação  moral  e mental do que se está vendo no país. Fica além da imaginação  o fato  de que  um tipo de violência  dessas possa ter  acontecido. Passamos,   então,  a ir mais fundo na questão  do relacionamento   familiar, na estrutura da  família e nos  diversos   sintomas  de  patologia  social  por que  estamos passando  no mundo contemporâneo, em  muitos  aspectos muito  mais graves  do que  em séculos  anteriores da história da Humanidade. 
A tragédia de Luís   Eduardo e de sua avó, pela natureza  do duplo  crime cometido,  é algo que  se poderia  afirmar   como sendo  uma  tragédia anunciada e, ao  aprofundarmos   a questão,  vamos  encontrar   responsabilidades  que  se alojam   nos setores  da saúde mental e da Justiça  brasileira. O avô, sem dúvida, um  psicopata  enrustido  em casa de família, tendo  seus negócio  para sobrevivência,  de comportamento aparentemente   discreto, segundo  testemunhos  de vizinhos, já carregava nos ombros  um homicídio e um atentado  quase fatal  contra  um  moço em quem  dera  dois tiros num dos braços. Um vizinho   relata  um  comportamento   estranho  desse avô desmiolado: ele tinha  o costume  de rir quando via  pessoas, prato  cheio para os estudiosos  da psiquiatria..
O criminoso  tem antecedentes   que lhe agravam mais   a situação   de   assassino. Como  já acentuamos,   tinha  passado  por uma internação  de doente  mental. Agora,  não é difícil,  unindo-se todos  os  dados  pregressos  do avô,   levantar   três questões gerais e  fundamentais:  1) Por que, tendo cometido  um  homicídio há duas décadas, conseguira, graças   às brechas e  imperfeições  de nossas leis criminais,    ter recuperado a liberdade pouco tempo depois – é o que presumo -   do encarceramento? 2) Que tipo de  prisão  teve ele, foi num manicômio   judiciário, foi  prisão  comum para pessoas  consideradas normais? 3) Que tipo de tratamento  psiquiátrico  foi o dele, e como  obteve  a alta da instituição  de saúde mental? Qual foi  a duração da internação? Como foi  o laudo que  o liberou  para a  vida em sociedade?
Ora,  todas   estas   implicações de ordem  criminal e  de saúde mental   são  complexas demais  para  que, a meu ver, se tenha  posto um indivíduo psicopata  no meio social e, por cima de tudo,  ainda  tendo  constituído  família, tendo  uma filha, a esposa, além de  ser dono  de  um barzinho.
             No plano da  estrutura  jurídico-social-mental cabe, na minha  opinião  apenas  de leigo  e observador  da sociedade,  um parcela  grande de culpa ao Estado  brasileiro. Se  dispuséssemos de uma   estrutura  de estado  séria,  cuidados,  competente em  todos os níveis de  administração e gerenciamento  da  políticas  públicas, muitas tragédia  familiares  seriam  evitadas. A sociedade  brasileira paga um alto preço  pelas deficiências  gritantes de nossas instituições.
O que  aconteceu com  o bebezinho  inocente,  desprotegido, vítima  da atrocidade  de um  tresloucado que  deveria estar era, sim,  num manicômio e não no seio  da  sociedade, pode se multiplicar   por outros casos   semelhantes.
Se nos detivermos   atentamente para o que   ocorre no dia-a-dia do pais,   nas grandes e  às vezes pequenas cidades, constataremos um  elevado número de  crimes  hediondos,  inacreditáveis,   porque praticados  no seio da própria família,  ou  entre  relacionamentos  amoroso  com final  trágico e por  motivos que poderiam ser contornáveis se no país  as leis  de penalidades  fossem  endurecidas, até mesmo  não descartando  o limite da prisão  perpétua  para  crimes de grande  selvageria   praticados  por  pessoas de todas as idades.
Uma sociedade que se nos apresenta  neste grau  de periculosidade  em potencial  nos  espanta e nos deixa perplexos. Alguma coisa  deve ser  feita de imediato  no que tange a   esses crimes   abomináveis.
O país, assim,  dá irretorquível   mostras  de  um estado  doentio  na sociedade e no  meio  familiar.  O grande salto de qualidade  que  poderá  amenizar  tais  aberrações  patológicas tem que  passar  por uma   mudança  profunda na educação brasileira,  na qualidade  de nossas escolas  públicas  e algumas privadas e no melhor   preparo de nossos  professores,  sem esquecermos  de que  estes profissionais  urgentemente   necessitam  de   ser valorizados  nos seus salários de forma   definitiva  com planos de carreira    que sejam   cumpridos  pelos governos  independentemente   de  troca  de  orientação  política e   adaptáveis  às condições   de um país    que,  em  alguns setores,   mostra  melhoria  de qualidade  da população, conquanto   ainda  -  e infelizmente  - em  tantos outros setores esteja   patinando  no mesmo lugar  e em nível  semelhante  a nações  subdesenvolvidas.
Espero  que a morte de Luis Fernando  e da  avó seja uma contundente  advertência a nossos  governantes   que, lamentavelmente,  de Brasília  ainda persistem em dar as costas  para os mais graves  problemas  enfrentados  pelo Estado  brasileiro. Não dar  ouvidos aos protestos  da Nação se me afigura, em tempos  atuais,  como  apostar  no suicídio do resultado das urnas para reis que  ainda  pensam  que  estão vestidos.   

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A noite é uma criança



A noite é uma criança

Gutemberg Rocha (do Instituto Histórico de Oeiras)


Café Oeiras, sexta-feira, 13 de setembro de 2013. A noite cobre a Velha Capital. A lua quarto crescente já vai alta quando os convidados começam a chegar à praça para prestigiar o lançamento da segunda edição de Sonetos & Retalhos, obra póstuma do poeta e cronista oeirense Gerson Campos, publicada pela Fundação Nogueira Tapety – FNT, presidida por Carlos Rubem, sobrinho do autor. Devagarzinho o espaço vai sendo ocupado. O Passeio Leônidas Melo resplandece resplendente. Multiplicam-se os sorrisos e abraços das pessoas se encontrando sob o fundo musical de clássicos da Bossa Nova e valsas possidonianas.
Músicos de Teresina – Davi ao violino – executam antigas canções dedicadas a dona Amália Campos, irmã de Gerson, pelos seus noventa anos de vida. Fascinação, Marina, Deus abençoe as crianças... A homenagem é reforçada por demonstrações de carinho de crianças e professoras, muitas destas suas ex-alunas. Flores, bolo, parabéns! Confundem-se as homenagens à matriarca dos Campos e ao seu irmão poeta, falecido há quatro décadas, aos trinta e nove anos de idade. Mas ele está aqui, nos poemas, nas cantigas e no coração das pessoas. Amigos e admiradores de se perder a conta. Pedro, Paulo e João, Socorro, Celina e Conceição, Antônio, José, Geraldo e Sebastião, Teresa, Bernadete, Benedito, Francisco e... não sei, não... Não dá pra enumerar. A praça parece um chão de estrelas.
As falas são poucas e breves. Fazem uso da palavra este escriba, como editor, Wellington Dias, como apresentador do livro, e Rita Campos, em nome da família dos homenageados. O clima não está para discursos. É hora de poesia, de música, de descontração, de relembranças. A cerimonialista Cassi Neiva, mui digna presidente da Confraria Eça-Dagobertiana, conduz com maestria o evento. A professora Elimar Barros declama o soneto Pesadelo atroz, de Nogueira Tapety (1890-1918), patrono da FNT e tio de Gerson Campos. O ator Bonifácio Lima veio da capital para recitar, em delirante performance, Monólogo de uma rosa, poema até então inédito de Gerson.
Os Beletristas de Oeiras são pura harmonia. Chico, Vanda e Rodrigo, do clã Queiroz, e mais Vinícius e Felipe, compõem a constelação à qual se integra a exímia bandolinista Petinha Amorim. O repertório é impecável: Linda Morena (de Raimundo e Chico Queiroz), Olhos Verdes (de Gerson Campos e Levi Carmo), Pensando em Ti (de Possidônio Queiroz) e outras maravilhas do gênero. Olhos verdes nos reserva uma grata surpresa: a interpretação de Ferrer Freitas, em dueto com Vanda Queiroz.
E eis que vem chegando a madrugada. É a hora da Serenata do Adeus, é a vez de Wilker Marques. Acompanha-o uma banda composta basicamente por integrantes da Orquestra Sinfônica de Teresina. O show nos faz viajar no tempo, e o vento que sopra traz a recordação daquela fatídica tarde de 11 de fevereiro de 1973, quando o coração de Gerson Campos sucumbiu às emoções de uma partida de futebol. Neste momento, uma voz entoa os versos de Balada nº 7 (Mané Garrincha), composição de Alberto Luiz imortalizada por Moacyr Franco: Sua ilusão entra em campo no estádio vazio / Uma torcida de sonhos aplaude talvez... Não nos resta, então, nada a fazer, a não ser matar a saudade no peito e driblar a emoção. E aproveitar a festa, porque a noite é uma criança.  

domingo, 3 de novembro de 2013

Seleta Piauiense - Antônio Chaves


DESCENDO O PARNAÍBA

Antônio Chaves (1883 - 1938)


Nas águas, vê que límpidas bonanças...
Que verde o destas árvores florindo!
Parece o verde dessas esperanças
Que em nossos corações brotam sorrindo.

Como as almas sonâmbulas e mansas
Dos lírios virginais que estão dormindo,
Quantas almas de cândidas crianças
Há nas estrelas que já vêm surgindo!

Tu és um quadro desta Natureza!
Minha alma, ao ver em ti tanta beleza,
De ti somente se tornou cativa...

Sem sol a flor sucumbe, morre a planta...
Dá que eu sinta, portanto, ó minha Santa,
O sol do teu amor! Faze que eu viva!

sábado, 2 de novembro de 2013

...E se você morresse hoje?


José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

        Visita ao cemitério pode não ser agradável, porém desperta reflexão sobre a transitoriedade da vida. Ir e voltar, antes que seja último e derradeiro passeio. Não adianta dissimular, bater na mesa, em atitude mórbida, corpo mole e lânguido: você vai morrer, talvez hoje, amanhã, em breve, anos mais. Sem exceções. Nada de medo e assombrações de meia-noite. Visitei um cemitério em cidade cearense, parece-me Redenção, ainda adolescente. Logo na entrada, letreiro acima do portão: “Hodie mihi; cras tibi = Hoje, a mim; amanhã, a ti.” Um epitáfio realista para nenhum vivente ou defunto reclamar.
        Quão democrática a posse de terra no condomínio dos mortos, onde ricos e pobres ocupam o mesmo espaço e profundidade, sem invasões, sem carne, sem beleza. Só sete palmas, sem direito à conta bancária, nem à chave da empresa, nem ao contracheque polpudo. Anônimos. Felizes os que acreditaram, em vida, na eternidade. Que somos como lagartas, presas à comida, depois o sono profundo, libertação da carne em crisálidas, enfim o voo de borboleta.  
Figurões da política e do capital jazem, em túmulos de mármore, flores e metais, foto e estátua, sobremesas do que lhes restaram. “Tu és pó, ao pó voltarás.” Mais um bocado de tempo, eles desaparecerão da memória coletiva. Conhece algum barão do dinheiro que ficou na História além de cem anos? Privilégio apenas de inventores, filósofos, descobridores, heróis, escritores e artistas, missionários, líderes do bem, governantes comprometidos com a pátria, não o prato.
        Plotino, filósofo espiritualista, nascido no Egito, viveu no início do cristianismo, em Roma: “Se a vida e alma existem depois da morte, a morte é para o bem da alma, porque esta exerce melhor sua atividade sem o corpo”. Não há povo sequer, nem índios da América, que não tenha cultivado o sentido da eternidade, com ritos próprios. Em Madagascar, banquetes, danças, foguetório e alegria acompanham cerimônias fúnebres.

         A principal missão de Jesus Cristo, neste planeta, foi romper o mistério e as dúvidas dos humanos sobre a vida após a morte. Ele devolveu vida a mortos, exerceu poder sobre o impossível aos olhos da matéria, serviu de expiação até a última gota de sangue, para ressuscitar no terceiro dia. Deu-nos a certeza de que a vida continua após a morte. Nenhum profeta ou líder religioso conseguiu espetacular comprovação. Ademais, Jesus adiantou como abrir caminhos para um mundo melhor, de olhos para eternidade feliz. Aceitar esse mistério não é fácil, especialmente quem se arvora de conhecedor de princípios científicos de vã sabedoria. Talvez a visitinha ao cemitério desperte a fé no infinito, antes que a morte bata à porta e desligue aorta. Rima perfeita, dói, mas compõe o soneto da existência.   

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O DENTE DE OURO


31 de outubro   Diário Incontínuo

O DENTE DE OURO

Elmar Carvalho

Um dos companheiros de tratamento da radioterapia do Hospital São Marcos me narrou uma história, que é um verdadeiro conto, sem necessidade de nenhum enfeite e torneio literário. A narrativa segue abaixo, do jeito que a recordo neste instante; apenas tomarei a precaução de alterar os nomes dos personagens citados, a fim de evitar fuxicos e eventuais retaliações, inclusive judiciais.

O coronel Ozildo Bezerra, pouco tempo depois de enviuvar, se casou com uma cabocla nova, bonita, com todo jeito de fogosa, de nome Maria das Graças. Todos a chamavam apenas de Gracinha, o que era muito justo, uma vez que ela, com efeito, era uma gracinha, por sua formosura e alegria contagiante. Não tardou muito, a moça passou a enfeitar a fronte do sexagenário coronel com duas belas e formidáveis aspas.

Os murmúrios foram se espalhando, e terminaram chegando aos ouvidos do coronel, que já vinha desconfiando dos modos ariscos e furtivos da mulher. Ela, em alguns momentos, se tornava muito alegre e em outros, um tanto amuada, e por vezes lhe negaceava certos agrados nas horas das camaradagens. Parecia estar enojada e enfastiada do fazendeiro, que tudo percebia, mas ainda sem querer acreditar no que já se anunciava, de forma quase escancarada.

Ozildo chamou a mulher às falas, e ela, embora negando traí-lo, respondeu com certa insolência e leve zombaria. Ferido em seu brio de marido e macho, o coronel desferiu um forte soco em Gracinha, que não tentou revidar. Entretanto, passada a raiva, e seguindo velha filosofia, preferiu continuar compartilhando seu doce de leite a comer sozinho titica de galinha.

A fazenda contígua à de Ozildo pertencia ao coronel Lucas Soares Pereira, que mantinha na parede de seu alpendre doze armadores, nos quais cochilavam, dependurados, doze rifles, que eram periodicamente limpos e lubrificados. Comentava-se que Lucas, ao longo de décadas, acoitara alguns fugitivos do Ceará, que supostamente teriam cometido um ou outro homicídio, geralmente por vingança a alguma desfeita ou injustiça ou para lavagem da honra, em virtude de infidelidade conjugal. Fora os cearenses, o coronel tinha seus próprios agregados, que não se negariam a cometer uma ou outra “missão de sangue”, que ele lhes determinasse.

Contudo, não se pense que Lucas fosse um homem brabo, violento, de maus bofes. Muito pelo contrário; parecia a própria mansidão em figura de gente. Falava baixo e de forma pausada. De extrema gentileza quando recebia algum visitante, ofertava a sua melhor comida e a sua rede mais confortável. Ostentava sempre notável bom-humor, e estimava inventar as suas próprias anedotas e “pegadinhas”. Não gostando de banguelas e nem de que seus agregados sentissem dores desnecessárias, mantinha um dentista prático ou protético em sua fazenda, mestre em arrancar dentes de forma indolor e em preparar belas dentaduras.

Exatamente por causa da existência do dentista protético, como se dizia nos velhos tempos, Gracinha chegou à casa-grande do coronel Lucas, que lhe indagou sobre o motivo da visita. Ela explicou que Ozildo lhe arrancara um dente da parte frontal de sua boca, e por isso desejava colocar em seu lugar um dente de ouro. Não explicou a causa da agressão, e nada lhe foi perguntado a esse respeito, até porque Lucas era um amigo fraterno de seu marido. O serviço foi feito, tendo Gracinha exibido o seu melhor sorriso, em que se via o brilho dourado da prótese, feita com todo esmero e capricho.

O coronel Lucas mandou que seu motorista levasse em seu jeep a jovem mulher e um bilhete ao seu amigo Ozildo Bezerra das Areias, como era mais conhecido. O positivo deveria aguardar a resposta. O destinatário imediatamente leu a missiva, sem maiores dificuldades, posto que a letra era graúda, bonita e bem delineada. Nela estava dito: “Devolvo sua mulher mais bonita do que quando a recebi, uma vez que ela agora tem um dente de ouro. Peço que me mande o valor do serviço, que custou a importância de ...”

Prontamente, Ozildo entregou o valor solicitado ao mensageiro, dizendo:
O Lucas não tem jeito mesmo; sempre fazendo as suas brincadeiras!

Em seguida, de mãos dadas, levou Gracinha para a alcova, para melhor apreciar o dente de ouro.    

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

AUTO-APRESENTAÇÃO

Elmar visto por Gervásio Castro

AUTO-APRESENTAÇÃO

Elmar Carvalho

eis como sou
       neste instante único
       (após o qual já
       serei um outro):

um homem que rema
       no seco contra
       a corrente das águas

um homem que usa
       a gravata como
       se fora um baraço
       nas horas de opressão

um homem que escreve
       torto por
       linhas certas

um homem que sobe
       e teima contra
       a lei da gravidade

       eu sou aquele
que aprendeu
a pecar para
ter a humildade
de não ter uma
virtude

       eu sou aquele
que jogou roleta
russa com o tambor
cheio de balas e
apostou contra a
sorte

       eu sou aquele
       que lutou para
       não ser      

Café Literário


terça-feira, 29 de outubro de 2013

A crítica literária: um polêmica entre dois críticos

Álvaro Lins
Afrânio Coutinho

Cunha e Silva Filho

                    Nos anos de  1940  a 1960, sem  querer  pretender  imprimir rigores cronológicos a datas, a crítica literária no  país  alcançou  uma fase  de apogeu, de alta na “Bolsa” das Letras. De apogeu  e ao mesmo  tempo  de turbulência,  porquanto  naquele  recorte de tempo  travava-se uma luta  incessante  de duas  principais correntes  críticas, uma  representando  a estabilidade de seu domínio de influência, outra  que pretendia desbancar a primeira. As duas,  respectivamente, eram o impressionismo    e  o new criticism. Aliás,  observa Adélia Bezerra, que escreveu uma arguta dissertação de mestrado orientada por Antonio Candido, A obra crítica de Álvaro Lins e sua função  histórica (MENESES BOLLE, Adélia. Bezerra de. A obra crítica de Álvaro Lins e sua função histórica. Petróplis,RJ.: Vozes, 1979, p.47).   notou   que  os anos  40 do século passado  foram  pródigos em  polêmicas no país, afirmação  confirmada por um a citação  da ensaísta extraída da revista Careta (1944).
                O   desentendimento  entre Álvaro  Lins (1912-1970) e Afrânio Coutinho (1911-2000) virou  uma ‘briga  feia” como ouvi há pouco   de um famoso  crítico brasileiro. Essa   pendenga em jornais cariocas sobre crítica literária fez história nos arraiais da vida cultural brasileira. Polêmica  feroz,  implacável  nos ataques, sobretudo ou quase tudo  da parte  de Coutinho que, me parece,  entrou na arena para   tentar  desbancar  o prestígio  já consolidado  do crítico  mais  influente  daquela  época,  ou seja,  na segunda fase  do  Modernismo, levando-se  em conta aqui   a divisão  proposta  por  Alceu Amoroso Lima ( 1893-1983), quer dizer,  a fase de nossa  história literária  que vai de 1930 a 1945.(apud  COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura  brasileira, 5 ed.. Rio de Janeiro:  Editora Distribuidora de Livros Escolares toda., 1968, p.277).
Conquanto a polêmica  tivesse  como seu vetor  principal  as diferenças  de visões  e formas de fazer crítica dos  dois  estudiosos,   ela ainda  tinha  precedentes ligados à vida  profissional  e  à atividade  intelectual de ambos,  primeiro  um artigo de Lins,  Um segundo Afrânio: um 'exercício  literário acerca de Machado de Assis', de 1940, posteriormente  publicado em livro  (LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca (1940-1960). 1 ed. Rio de Janeiro:  Civilização Brasileira, 1963, p.348-354)  foi, em alguns aspectos, desfavorável à obra de Coutinho, A filosofia de Machado de Assis (1940); segundo,  o concurso  para o qual ambos se inscreveram, em 1951,  a fim de disputar a cátedra  de Literatura do   tradicional  Colégio  Pedro II, do Rio de Janeiro. Recordemos que não foi só Lins que censurou o  ensaio de Coutinho. Sérgio Buarque de Holanda, no mesmo ano de 1940, também em artigo de 1940, de título “A filosofia de Machado de Assis” estampado no Diário de Notícias, depois publicado em livro (BUARQUE DE HOLANDA,  SérgioCobra de Vidro. São Paulo: Perspectiva/Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia de São Pulo. s.d., p.53-58) ) fez sérias  restrições ao ensaio de  Coutinho.
É bom lembrar  que  Coutinho  foi quem  mais  atacou   seu  oponente, Álvaro Lins,   que o  respondia  de forma      menos dura  e, ao que me consta,  sem  citar o nome de Coutinho. Os artigos, depois,  de parte a parte,  foram  publicados em livros.   Já se falou que  Coutinho,  desde 1943, vinha  fazendo ataques ferinos  ou achincalhantes   contra o impressionismo e tendo  por alvo  principal  Lins. Os seus ataques incluíam  também  as criticas que fazia ao uso  do  rodapé de jornal  no qual os críticos da época   escreviam. Coutinho se opunha a essa forma de usar o jornal  para fazer crítica literária.
Esquecia, porém,  Coutinho que ele mesmo  se utilizava do rodapé  na sua  conhecida  coluna “Correntes cruzadas”,  editada no Suplemento   Literário do Diário  de Notícias por largo tempo.Ademais,  o que mais atraiu  a opinião dos leitores  interessados em literatura  era que Coutinho, além de doutrinador  da nova crítica sobre a qual, mais adiante comento, escrevia  artigos detratando  as mazelas  da vida literária no país,  cheia   de mediocridades e de  capadócios  despreparados  e formadora de  igrejinhas,  grupelhos, compadrios,  lideranças   inatingíveis, mandonismo literário,  favores  políticos e influências   num  espaço    em que mais tinha  valor a vida literária do que as obras  publicadas. Para ele o ambiente literário  da época  mantinha-se numa deplorável   inércia  de autêntico  e  atuante  dinâmica  de vida literária.
Esse quadro negativo e anacrônico de fazer  literatura,  segundo Coutinho,  tinha que ser passado a limpo por interesses sérios  de  atualizar  os hábitos  anacrônicos  dos estudos literários feitos em geral de “achismos”(termo frequentemente  empregado  por Coutinho) em análises  e julgamentos  da produção brasileira, numa crítica   sem sistematização nem padrões   técnicos  e fundamentação   objetiva   de preparo  para a vida  literária e para o ensino  e didática  de Literatura no país. Coutinho  fez-se portador  dessa mudança   que ele deveria  empreender a ferro e fogo. Por volta dos anos 1950, e mesmo antes,  já contava com novos  críticos  usando instrumentais  semelhantes aos de Coutinho  a fim de  derrubar  as lideranças. já  estabelecidas   e no comando   da atividade  crítica  brasileira.
 Fausto Cunha (1923-2004),  Darcy Damasceno (1922-1988), de Afonso Félix de Sousa (1925-2002) que, ainda bem jovens,  escreviam, já sob novas óticas de métodos  analíticos do fenômeno literário. Isso na revista Ensaio, como outros  companheiros de Fausto Cunha  já se mostravam, anos antes,  através da Revista Branca. opositores  da liderança  e sentido de  perpetuidade da judicatura  crítica  de Álvaro Lins (CUNHA, Fausto.  A luta literária. Rio de Janeiro: Editora  Lidador,  1964). 
Ocorre,  contudo,  que  Lins, pelo  elevado nível da obra legada  por ele  era um crítico  de esmerada  formação  cultural  que  desenvolvia um crítica  independente,  original  nos moldes  dos  críticos  franceses, “... pelo gosto  da análise psicológica e moral,’  como  lembrou    Alfredo  Bosi ( Bosi,   Alfredo. História concisa da literatura brasileira.  38 . ed.,. São Paulo: Cultrix. 2001, p. 492).   
 Desde os tempos  de província, em  Recife (nascera  em Caruaru, Pernambuco), onde se formara em direito, já tinha  ganhado  fama  de  intelectual  precoce  interessado  na  crítica,   no magistério e no jornalismo  político. Tanto que no Rio de Janeiro logo  galgou  lugar  de relevo na imprensa,  tornando-se redator-chefe do Correio da Manhã durante bom tempo, dividindo-se entre o jornalismo  político e a crítica literária onde fez sucesso  nacional.Chegou a ser  Embaixador em Portugal no governo de Juscelino  Kubitscheck e lecionou Estudos  Brasileiros.na Universidade de Lisboa.
Naqueles tempos idos,  para simplificar, dois  nomes  estavam  em evidência.Álvaro Lins,  com o seu   impressionismo e  Afrânio Coutinho, nascido em Salvador,  Bahia, formara-se em medicina, mas logo dela  desistira e foi dar   aula em escola  da capital e escrever em jornais sobre  assuntos vários, sobretudo  literatura. Foi para os Estados Unidos  onde passou cinco anos  estudando  Letras na Universidade  de Colúmbia e em outras  universidades americanas.
                  Ao voltar para o  Brasil,  procurou logo   pôr em prática  a sua formação  e saber  no domínio  da crítica, quando  iniciou  seu  projeto de  lançar as primeiras   sementes   de renovação  do ensino e estudos   de Literatura no país  através de  doutrinação teórica e da divulgação, pela imprensa do Rio de Janeiro, onde passa  a morar,  do new criticism anglo-americano, ou melhor, da  “nova crítica”, e aqui coloco  a expressão em português  para ser coerente  com  a visão de Afrânio Coutinho, que preferia  essa denominação, porque ela não era  a única corrente crítica de renovação  de métodos  e abordagens do fenômeno literario   mas era uma dentro outros “movimentos  teóricos” que estavam  surgindo no Ocidente ( expressão de Jonathan Culler), como a  nouvelle critique francesa, a estilística espanhola,o  formalismo  russo ou eslavo, a  fenomenologia, a Escola de Zurich,  para não citar outros que surgiram posteriormente.
                  O que Coutinho  sublinhava  era o  fato de que  a “nova crítica”  fazia parte de um  vasto  movimento  teórico  universal que ia surgindo, segundo   frisei atrás,   com  novos  métodos  de abordagens do fenômeno  literario e artístico, com  fundamentação  em  estudos  literários de feição científica,  objetiva, dando  ênfase  maior aos elementos  intrínsecos da obra  em si,  centralizando sua atenção na linguagem  literária considerada na sua autonomia,  aportando variados  modos  de se  analisar,  interpretar e julgar  obras literárias, deixando para trás  o componente da subjetividade,   das impressões   e  do bom  ou mau gosto  do  impressionismo.
                .Deixava de lado  aquilo   que  dois autores  franceses   identificavam em síntese conclusiva  sobre  o impressionismo  na crítica: “O impressionismo possui  o grande mérito  de conservar na crítica  um charme, um prazer, os quais os  ‘críticos  sérios’ não mais logram   transmitir-nos. Além do quê,  todavia,  segundo vimos,  a sua  posição  é insustentável e dela   amiúde  somos,  aos poucos ou  de vez, impelidos a nos   afastar, não raro  nos  passa uma visão  rápida e superficial  das obras. Um estudo  paciente, atento, enfim,  erudito, não parece, por conseguinte,  tão inútil quanto  dele se diz.”( CARLONI, J.C. FILLOUX, Jean-C.  La critique littéraire Jean-C.  6ème édtion, 1969, p.64.  Paris: Presses  Universitaires de France – Que sais-je?).
Lins, por sua vez,  se manteve no magistério e nos jornal escrevendo  artigos e publicando  livros.Crítico  rigoroso, polígrafo notável, com  estofo de  pensador,  seus julgamentos   não tinham compromisso  com as amizades  pessoais, mas  com  a obra literária, com  o valor  de um escritor. Era difícil, ao criticar uma obra, não lhe apontar as qualidades e  os defeitos, não para  destruir  gratuitamente  um autor,  mas  para  fazer-lhe  sugestões  ou mostrar  formas  de um escritor  melhorar  a sua forma   de elaboração  ficcional, ou, quando não houvesse jeito,  não estimular  a obra de alguém  que não demonstrasse  talento para  produzir  literatura. Isso o fazia fosse um livro  de ficção,  de poesia,  de teatro, de história, de filosofia, não importasse o gênero.
 Grande parte dos escritores de maior grandeza  passaram por seu julgamento nos anos áureos de militância  deste “Imperador da Crítica”: Graciliano Ramos,  Guimarães Rosa,  Clarice Lispector, só para nomear uns poucos  de tantos outros  talentos criadores.
 Valorizando na obra  tanto  a personalidade  literária do autor quanto  a qualidade  da linguagem literária, sobretudo  o componente do estilo,   da imaginação e  da estrutura   de composição, da  unidade estética em que o artefato   literário   se torna   uma  forma  coerente  quanto  à correspondência  e adequação  a  determinado  gênero   a que se propôs o  autor, Lins  não dispensa  outros elementos   de estruturação  da obra, dando especial   realce  ao sentimento   de  vida  e verossimilhança  gerada  pelos meios  e técnicas  criativos  que se transformam   numa realidade  humana  possível com  personagens,   enredo, ações, espaço e tempo prenhes de vida  própria na sua autenticidade  e na sua  condição de seres  que pensam, agem,  choram e vivem a humana condição no  universo  ficcional, nas imagens e metáforas  de um poema ou  na dinâmica  viva  das cenas da dramaturgia  de vidas  criadas  pelo imaginário  do artista.
 E tal  procedimento  na militância critica e nos livros  vale também e em alto nível  de conhecimento  de literatura  universal , alicerçado  em  bibliografia  atualizada. Sua competência  crítica  e teórica  cresceram , reconhecia os novos marcos  de abordagens  críticas que vinham surgindo  nos grandes centros   do Ocidente. Seus últimos ensaios   testemunham  e confirmam  que o seu impressionismo  humanístico  não se mede por  meros  rótulos, muitos  deles injustos e parciais . Antigos  adversários lhe reconhecem,  anos depois,   o talento  e  a capacidade, além do valor  de sua  obra  grande para o tempo  que  viveu, que não foi muito. 
Os tempos  passam,  a polêmica continua até pelo menos a década de  60.Tem   simpatizantes  dos  dois lados. Lins, sempre  atento ao desenvolvimentos  dos estudos literários,   publica  seus  últimos  estudos   com  forte sinais de que  se modernizou. Seu pensamento crítico  tem  é d e  largo  espectro e dele faz umas vozes  críticas mais   importantes  surgidas no pais. Antonio Candido com muita exatidão o define como o mais “puro “ dos críticos  brasileiros.  
Descontada a fase  polêmica  de Afrânio Coutinho, e isso  é  oportunamente  lembrado  por Eduardo Portella (Dimensões I. 3 ed. Rio de JaneiroTempo Brasileiro/MEC,p. 32-33 ), Coutinho  passou   à fase das realizações,  do amadurecimento  que os anos  favorecem, vê  concretizados   tudo que  há tempos   perseguia com  sofreguidão,  com determinação. Sobretudo no meio acadêmico   a sua  doutrinação    se tornou   realidade. Sua pregação  por  uma mentalidade  atualizada nos estudos  literários  do pais,  no ensino superior  de Letras bem com no ensino médio,   mostrava seus  bons resultados. O meio acadêmico lhe deve isso.
Os estudos  de Letras se puseram em sintonia  com o que lá fora, nos grandes centros,  se tem feito para aperfeiçoar  o nível  dos estudantes e a qualidade de nossos  cursos de Letras, com a implantação da pós-graduação, nos níveis de atualização e  especialização   lato sensu e de  progressivos e  mais complexos   níveis de pesquisa  stricto sensu de produção acadêmica,  o mestrado,  o  doutorado,  o  pós-doutorado. No Rio de Janeiro,  tudo isso tem o dedo de Coutinho que, tendo  ingressado  na Universidade do Brasil, primeiro como  professor  interino e, depois, como  professor catedrático  por concurso, de  literatura brasileira do  curso de  Letras daquela universidade, sucedendo ao grande  crítico  Tristão de Athayde, que se aposentara.
Faz um ano um  jovem ensaísta, Miguel Conde, que escreve periodicamente  para o  Prosa & Verso, do jornal O Globo,  retomou  em artigo de título  “O dever de agredir”(20/10/2012) bastante lúcido a questão da polêmica entre Lins e Coutinho mas tocou em alguns pontos  de ordem opinativa  de leitor ao afirmar  que não  lhe parece    serem  mais  motivadores   os textos  de Lins  e muito menos os  de Coutinho, ainda que  tenha  equacionado sua  discussão sobre o tema da polêmica   de forma  equilibrada,  isto e,    sob perspectivas  de leitor  da atualidade. Entretanto,   não vejo  como   matéria  de importância secundária   a releitura  tanto de Lins quanto de Coutinho,  sobretudo se tenho  em vista  uma pesquisa de  revisão e  resgate  das obras dos  dois críticos  e ainda mais quando tenho  por objetivo  uma visada daquilo de bom  ou ótimo ou mesmo  de ruim  na produção legada por  ambos.
 Ao contrário,  ao pesquisador  da história literária  discutir o nível os vários aspectos dos atores que, ao longo  dos tempos formaram o corpus  da  história da crítica literária brasileira  é oportuno,  notadamente  com  o distanciamento  que temos  dos anos  40, 50 e  60,  e é  o  que venho fazendo em  pesquisa no momento.

Desta reavaliação poderemos   verificar até que ponto  dois críticos  tão diferentes e com  poucas  semelhanças   de vida  intelectual e de interesses  de  aperfeiçoamento de formação cultural nos  instigam a releituras que, pelo menos  para quem,  escreve  este artigo ainda tem muito a  dizer e a ensinar. Não,  talvez ,a  quem  se  prende  ao canto de sereia   da aventura  intelectual do primado   do presente,  que julgo ser   um dos  exageros  da gerações  mais novas.Lembro,  por sinal, neste fecho  de artigo, as palavras do velho  crítico  expressionista  Tristão de Ataíde; “Tudo é novo debaixo do sol, ao contrário do que considerava o pessimismo do velho  Salomão, exceto a escala intrínseca dos valores” LIMA, Alceu Amoroso.Quadro sintético da literatura brasileira. 3 ed revista e ampliada,  Rio de Janeiro: Edições de Ouro, p.152).

domingo, 27 de outubro de 2013

Seleta Piauiense - Jonas Fontenele da Silva


Paisagens da carne

Jonas Fontenele da Silva (1880 - 1947)

O teu corpo lirial, do alvor do Sete-estrelo,
é uma verde floresta em cuja sombra e solo
passam deusas pagãs de aljava a tiracolo;
há rouxinóis de aroma em teu loiro cabelo.

Muita vez sob a ação de infernal pesadelo
se transforma o teu vulto em paisagens do polo
e cuido ver na alvura hibernal do teu colo
a refração do luar nas montanhas de gelo.

E, na alucinação de apaixonado, creio
ver dois ursos, do Sol aos mortiços lampejos,
dois ursos de rubis nos botões do teu seio.

E do gelo polar entre as pratas e espelhos
vejo ao longe os viris esquimaus dos meus beijos,
lança em punho, em caçada - a esses ursos vermelhos...  

sábado, 26 de outubro de 2013

Tradição cívica inventada


Fonseca Neto

Muitos temas interessantes estudados em chave historiográfica por gente de nossas universidades. E a educação é assunto entre os que mais aparecem como objeto de monografias em geral, sobretudo dissertações e teses. Em sua atribuição institucional, a Ufpi tem publicado alguns desses estudos. 
Um deles clama atenção, com especial pertinência, neste momento em que se fala muito sobre educação e ensino públicos e pouco se discute sobre as raízes do impasse multissecular que impede cumpram eles um papel mais decisivo na melhor qualidade da vida social. Refiro-me ao livro “A construção da memória cívica – espetáculos de civilidade no Piauí (1930-1945)”, tese doutoral, de autoria da professora Salânia Maria Barbosa de Melo. Uma obra que examina o mundo da vida escolar nos estabelecimentos públicos estaduais, com foco numa variável que, por agitar as nervuras das “trocas simbólicas”, deixaram as chamadas marcas indeléveis na memória pessoal-coletiva de mais de uma geração. Quem estudou em escola pública, e até nas particulares, no tempo acima indicado e nas duas décadas seguintes, lembra com certa nostalgia as festas cívicas, com muito impacto comunitário.
E quem não lembraria do cotidiano ritualizado das escolas? Da formação diária nos pátios ou átrios do prédio escolar, para cantar hinos, ouvir preleções, rezar? As visitas das “autoridades constituídas” e até a comemoração de seus aniversários? As datas cívicas, propriamente, ou que fossem as datas festivas tipo “dia do trabalho”, aniversário da diretora/diretor, “dia da árvore”?  
Salânia examina como isso se deu no Piauí, emulando as sensações dos signos  ideológicos e políticos alçados ao poder a partir de 1930, particularmente o furor nacional-estadonovista, desde 1937. Educar o povo no sentimento de amor à Pátria se tornara um significante a permear o processo educativo escolar, como condição de colocar o Brasil sob o farol de certa modernidade. Generalizou-se nesse tempo, quanto possível, o uso cerimonial do “pavilhão” nacional, o aprendizado prático do hinário brasileiro: do Nacional, à Bandeira, à Independência, etc. As celebrações do Sete de Setembro incorporaram, de vez, a estética marcial dos desfiles militares.
As pessoas, em geral – e a autora trabalha também com falas-fontes orais –, puxam da memória emocionais referências de apreço a tais espetáculos, como se eles fossem algo inerente à vida escolar em seu processo historicamente dado. Mas ela analisa essas manifestações e ritualizações enquanto “tradições inventadas”, no sentido delineado por Eric Hobsbawm, de “práticas, de natureza ritual ou simbólica, visando inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição [implicando] uma continuidade em relação ao passado”. Aliás, colha-se aqui uma aparente contradição nesse protagonismo do tempo: o Estado era “novo”, mas fabricando tradições e esculpindo o tão ideologicamente acariciado marco-mico-mito fundador dos manés venturosos. Valeu a invenção? Ganhou o getulismo: ficou a impressão de uma escola melhor. Era? 
Configurando o quadro da vida social piauiense do tempo, Salânia examina nele o processo educacional-escolar, identificando celebrações escolares com forte impactação comunitária, tornando-se referências muito especiais da cultura local – aliás, faz questão de acentuar que seu estudo se insere na perspectiva da chamada História Cultural. Com suporte em registros hemerográficos dessas festas de colégio, também muito utilizados na pesquisa, várias delas vêm descritas, em detalhes. E há variado repertório fotográfico de cenas festivas de rua e de inaugurações de prédios escolares, na capital e no interior – alguns tão familiares a quem conhece, por exemplo, Buriti dos Lopes, Floriano, Regeneração.
O esforço de ampliação do ensino e de acabar com o analfabetismo animou os planos da “revolução” de 30, daí a quase federalização do ensino básico. Mas não avançaram as ideias de alguns formuladores sobre a escola necessária ao Brasil. De 64 em diante, ressignificaram as comemorações e restaram diminuídas as festas, por incompatíveis as aglomerações com a tirania silenciadora da ditadura, que feriu o mundo escolar.
Está fixada, pois, uma contribuição valiosa da doutora Salânia (anfíbia de Ufpi, Uespi e Uema), para se compreenda, passes, impasses e permeações que assinalam o percurso acidentado da educação escolar no Brasil. Livro bom de ler; claro, enquanto se degusta a capa, uma emanação artística direta da memória hipocâmpica do genial Antonio Amaral.