16
de janeiro Diário Incontínuo
INVENTÁRIO
DA SAUDADE
Elmar Carvalho
Conforme
anunciei no registro anterior, falarei de algumas de minhas perdas em
2013. Tentarei, tanto quanto possível, não ser melodramático e nem
excessivamente saudosista e emocional. Não falarei sobre as mortes
de minha mãe e de minhas cadelinhas Anita e Belinha, uma vez que já
lhes dediquei espaço próprio no panteão de minha saudade, através
de três crônicas, que podem ser encontradas nos mares da internet.
De
forma inesperada, chegou-me no dia 27 de julho a notícia da morte do
professor Neto Chuíba, ocorrida de forma tão trágica quanto
precoce, o que comoveu a comunidade campomaiorense. Era ele um
cidadão amigo, benquisto pelos seus alunos e conhecidos, prestativo
sempre. Algumas vezes, em tardes agradáveis, estive no seu aprazível
sítio Carajás, à sombra de copada árvore ou em seu alpendre, de
onde se descortinava uma bela paisagem do tabuleiro e da pequenina
Serra Grande de Campo Maior, a azular no horizonte infindo como um
debrum celeste.
Em
setembro, após vários exames, descobri que tinha um outro câncer
(cujo tratamento radioterápico foi concluído no final de novembro);
sobre esse CA me reportarei oportunamente. Fiz os exames solicitados,
e hoje retornarei ao doutor José Andrade de Carvalho Melo, para que
ele faça a avaliação do resultado da radioterapia. Do primeiro, em
Deus, já me considero curado, uma vez que a cirurgia foi feita mais
de oito anos atrás.
Em
seguida, fui surpreendido com a morte do poeta RAL (Raimundo Nonato
Alves de Lima). Eu o conhecia desde a minha juventude. Em certa tarde
e noite memoráveis, em que conversamos a valer, de forma alegre e
despojada, derrubamos um litro do velho pirata Ron Montilla.
Publiquei vários poemas meus em sua página cultural, estampada
dominicalmente no extinto jornal O Estado.
Esse
espaço cultural prestou inestimável serviço à divulgação da
literatura piauiense, numa época em que não havia internet, e em
que a publicação de um livro era custosa e complicada, como ainda o
é. RAL desenvolveu trabalho de pesquisa sobre o carnaval
teresinense, tendo sido ele próprio um carnavalesco da Vila
Operária, onde morou durante muitos anos. Li, com agrado e emoção,
o seu livro de poemas Canção Permanente. Sem dúvida sua poesia
merece permanecer na literatura piauiense.
Nessa
sequência de perdas, soube da morte do jornalista e radialista
parnaibano Cícero Evandro dos Santos, que conheci através de nosso
amigo comum Bernardo Silva, também jornalista, e poeta em sua
juventude, e que fez parte da obra coletiva Salada Seleta, de que fui
um dos coautores, ao lado de Alcenor Candeira Filho, Paulo Couto, V.
de Araújo e Ednólia Fontenele. Não tínhamos amizade antiga, mas
sempre que ele me revia demonstrava contentamento, no que era por mim
correspondido. De boa índole, cordato, sorridente e de muitas
amizades, não sei por que tinha a “carinhosa” alcunha de
Holyfield; talvez por ser a mais perfeita tradução antitética do
belicoso lutador.
Em
seu périplo macabro, a “indesejada das gentes” ceifou a vida de
Rubem da Páscoa Freitas, mais precisamente no dia 14 de novembro.
Aos 81 anos de idade, era ele o “papa” do jornalismo social em
Parnaíba. Era o decano dos jornalistas e radialistas do litoral
piauiense, em atividade ininterrupta há várias décadas. Conheci-o
em 1975, na redação do jornal Folha do Litoral, do qual fui
colaborador.
Uma
vez por outra, eu ia até a redação desse periódico, para entreter
rápida conversa com os amigos Bernardo Silva e professor Antônio
Gallas Pimentel (seu conterrâneo tutoiense), e também com o
“compositor” tipográfico Xixinó, sempre alegre e irreverente, a
destilar sutis ironias, e lá encontrava Rubem Freitas a redigir ou a
revisar a sua coluna Carnet Social, que manteve por vários anos.
Mesmo nas notas mais despojadas e sintéticas, a sua linguagem era
límpida e castiça, e disso ele parecia ter saudável orgulho.
Organizou o livro Pedro Alelaf – Lição de Vida (2001), no qual
foi inserto o meu trabalho Craques do Futebol Parnaibano, que depois,
devidamente revisado, inseri em meu livro O Pé e a Bola. Era meu
confrade na Academia Parnaibana de Letras – APAL.
Neste
rosário de vidas ceifadas, que vou debulhando em forma de singelas
homenagens, não poderia esquecer o passamento de José João
Siqueira. Conheci-o no final da década de 70, quando ele estava
prestes a concluir o seu curso de Economia, feito em Belém do Pará.
Em seus melhores momentos, isto é, quase sempre, era carismático e
alegre. Era um homem bom, amigo do bem e do belo. Fez importante
dissertação sobre a extração, industrialização e
comercialização da cera de carnaúba. Creio que esse trabalho ainda
se mantenha inédito.
Com
bom domínio da palavra e do conteúdo que porventura desejasse
explanar, era um bom conferencista e talentoso professor da
Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso. Sem
apego aos metais, preferiu continuar, na qualidade de empresário, a
vender tecidos, quando poderia ter migrado para outro ramo comercial
mais rentável e menos trabalhoso, talvez por fidelidade à tradição
e ao empreendedorismo de seu pai. Acredito que sua loja fosse a mais
antiga na comercialização de tecidos em Parnaíba, numa época em
que já quase não existem costureiras nem alfaiates, mas apenas a
indústria e o comércio varejista massificados de confecções ou
roupas feitas.
No
dia 19 de novembro fui impactado pela notícia do falecimento de
Otaviano Furtado do Vale, também conhecido como Tavico, sobre o qual
desejo escrever um registro próprio, bem mais extenso. Foi meu amigo
desde o início de nossa adolescência, ambos nascidos no ano de
1956. Ainda bem jovem, creio que aos vinte e poucos anos, foi morar
em Brasília, não tendo mais voltado a residir no Piauí.
Por
tal motivo, poucas vezes nos revíamos, mas quando isso acontecia a
amizade permanecia a mesma, como se nunca nos tivéssemos alongado do
convívio fraterno, que sempre tivemos, sem rusgas, mágoas ou
queixas. Fomos camaradas de futebol, de alegres libações juvenis,
de festas e na conquista de namoradas. Fomos colegas de turma do 3º
e do 4º ano do antigo ginásio (no início da década de 70),
concluído no Colégio Estadual de Campo Maior. Com a sua morte,
rápida e quase diria extemporânea, perdi um de meus melhores amigos
e uma das maiores referências de minha vida. Guardarei para sempre a
sua lembrança, escoimada de qualquer senão que ele pudesse ter.
Na
madrugada do dia 30 de dezembro faleceu a nossa cadelinha Anita,
sobre a qual escrevi uma sentida crônica, em que pranteei sua morte.
Foi o coroamento de espinhos desse ano de muitas perdas e infaustas
notícias. Espero que 2014 me seja mais leve, mais ameno. Assim seja.
Amém.