domingo, 7 de setembro de 2025

ALGUNS HAICAIS

 

Criação: IA Gemini

ALGUNS HAICAIS

 

Elmar Carvalho


           SIMBIOSE AMOROSA                            

 

Eu te amo                                                    

para que me ames                                    

e eu te ame.                                                

 

           ASCENÇÃO                                               

 

A chuva caía                                               

e em cada pingo dizia:                              

– Saiba cair.                                                

 

           TROVÃO                                                    

 

Nuvens novas                                            

brincando de trocar                                    

tiros de foguete e rojão.                            

 

           AMOR

 

Arte de possuir

na mesma medida

em que se é possuído.

 

           CHUVA

 

Bênção dos céus

debulhada em bagos

de água.

  

           RELÂMPAGO

 

Nuvens novas

a brincar com

fogos de artifício.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

VIAGEM AOS SEIOS DA ADOLESCÊNCIA

Igreja de Logoa do Piauí



VIAGEM AOS SEIOS DA ADOLESCÊNCIA


Elmar Carvalho

 

Neste domingo, fui a Lagoa do Piauí. Lá estive em 1972/1973, quando eu tinha de 16 para 17 anos. Fomos eu, o Zé Moura e o Zé Wilson, cujos parentes de sua falecida mãe eram dessa localidade. Nos hospedamos na pousado do saudoso Chico Oliveira, que faleceu solteiro, ainda relativamente novo. Além da pousada, ele tinha um posto de combustível e um clube dançante em Demerval Lobão, cidade que fica a aproximadamente cinco quilômetros. Tomamos umas calibrinas e ouvimos muito carimbó, que então estava na moda, sobretudo na voz de Pinduca, com a sua roupa estilizada e chapéu rodeado de penduricalhos.

 

Salvo engano, algumas músicas se chamavam “Mataram meu peru”, “Hoje é dia de beber”, “Sinhá Pureza”, e uma cheia de trocadilhos engraçados e difíceis, em que a letra falava que eram muitos  “socós para um só socó coçar”, um verdadeiro “trava língua”. Namorei uma moça, que depois perdi completamente de vista. Nos meus ardores adolescentes, tentava abraçá-la com veemência, mas ela prudentemente negaceava o corpo, em sua timidez de cabocla interiorana.

 

Hoje, o povoado é uma cidade, mas ainda conserva o bucolismo das árvores, dos quintais floridos e dos terrenos baldios, verdejantes de capim, de mata-pasto e de outras plantas silvestres. Lá encontrei a maior tamarineira que já pude ver e um pequizeiro vergado de frutos verdes, redondos como uma bola de tênis.

 

Por entre os verdes quintais uma torre telefônica, que não existia, aparentava anunciar um suposto progresso. O primeiro prefeito da cidadela foi o Nonato Carvalho, primo do Zé Wilson. Felizmente, a ermida da localidade, na qual imaginei um dia me casar, parecia não ter sofrido muitas modificações, exceto por uma bela praça gradeada, referta de plantas ornamentais, que a circundava.

 

Quando estive na povoação, na época a que me referi, havia uma prostituta que pontificava em ponto perto da ponte (observe-se o trocadilho cheio de aliterações, em que estardalhaça a sua presença a bilabial explosiva p). Os garotos da Lagoa desciam com ela até o leito seco do riacho e lá desaguavam a concupiscência adolescente. Não sei se alguns saíam montados em cavalos alados ou de crista, oriundos de gonocócicos bacilos e vacilos.

 

Certamente saíam apaziguados e mais felizes. Na viagem de agora, que me fez recordar a de outrora, fui com Antônio José, meu irmão, e Zé Francisco Marques, marquês de Bitorocara, de campomaiozeiras plagas. Tirei muitas fotografias dos logradouros e paisagens a que me referi.

 

No retorno a Teresina, fiz uma parada estratégica em Demerval Lobão. Lá encontrei Zé Wilson, meu anfitrião da primeira viagem. Casado pela segunda vez, caduca agora com um filho de poucos meses. Caduca no bom sentido, pois ele é um cinquentão bem conservado e saudável. Fomos olhar a igrejinha da antiga Morrinhos, que conservei em minha memória. Na década de 70, Francisco da Izinha era o locutor das amplificadoras do templo, que funcionavam como uma espécie de rádio; hoje, a urbe tem rádio de verdade.

 

Nosso ponto de apoio era a casa do sr. Ernesto Ribeiro, que depois se tornou prefeito da cidade. A mulher dele, dona Iracema, era irmã de Abdoral Paz, pai do Zé Wilson. Os dois filhos do casal, Antônio Ernesto e Arildo Ribeiro Paz, tinham forte pendores para a arte plástica. Para comemorarmos, praticamos breve libação, em que celebramos esse reencontro, ocorrido algumas décadas depois da viagem juvenil.

 

O Arildo se casou com sua prima Bernadete, irmã do Zé Wilson. Como eu tivesse admirado um azulejo, por ele pintado, deu-me esse mimo. Foi pintado com os dedos, e não   com palheta ou pincel. Contudo, num único ponto se percebe a marca de sua impressão digital, como se ele quisesse impor a sua assinatura, a sua individualidade ou marca pessoal. Trata-se de uma paisagem em que a lua se destaca no  princípio do anoitecer, quando as cores se tornam cambiantes e o céu avermelhado.

 

Nota-se o seu talento e habilidade nos detalhes do capim, em que quase se lhe sente a textura, bem como na árvore desnuda, que se esgalha em direção à lua cheia. Também uma cerca discreta, quase a se confundir com a linha do horizonte, revela o talento do Arildo, através dos detalhes minimalistas. É um desenho simples, limpo, mas em que se pode perceber, mormente pela pintura do capim, do céu e das nuvens, que o pintor soube usar recursos do figurativismo e da arte abstrata.

 

Zé Wilson nos convidou para retornarmos, noutra ocasião, em que ele abateria uns galináceos para regalo de nosso estômago. Prometemos retornar.  Retornaremos, decerto.    

22 de dezembro de 2010

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O corpo como templo: releitura tropical do Cântico dos Cânticos

Fonte: Google

Criação: AI Gemini


Instiguei o ChatGPT do seguinte modo: “Sei que Cantares ou Cântico dos Cânticos tem uma interpretação religiosa ou mística, sempre associada a Jesus e à Igreja.

Contudo, eu lhe dei uma interpretação literal e sensual e baseado nele fiz este poema: [Enviei-lhe a transcrição de meu poema Cântico do Corpo Amado]”

O GPT fez um pequeno texto e me perguntou se eu queria que ele fizesse um estudo comparativo entre o meu Cântico do Corpo Amado e o Cântico dos Cânticos. Respondi-lhe que sim. Ele terminou fazendo o seguinte estudo comparativo, que achei magnífico – sem nenhum cabotinismo, já que não sou o seu autor:

 

O corpo como templo: releitura tropical do Cântico dos Cânticos          

 

                         [Texto criado pelo ChatGPT]

 

O Cântico dos Cânticos ocupa um lugar único na tradição bíblica: ao mesmo tempo cântico erótico e metáfora espiritual, foi ao longo dos séculos lido tanto como alegoria mística quanto como celebração do amor humano. Em diálogo com essa herança, Elmar Carvalho compôs o poema Cântico do corpo amado, no qual retoma a cadência enumerativa do texto bíblico, mas a conduz a um território tropical e pagão, de imagens marítimas, arquitetônicas e sensuais. O estudo que segue procura destacar os paralelos e contrastes entre os dois textos, mostrando de que modo a poesia moderna pode recriar, com ousadia e lirismo, a antiga tradição do amor sagrado e carnal.

 

Estudo comparativo entre o Cântico dos Cânticos e o poema Cântico do corpo amado

 

O Cântico dos Cânticos, presente na Bíblia, tem sido lido de duas maneiras principais: a interpretação espiritual, que o associa à união entre Deus e Israel ou entre Cristo e a Igreja, e a leitura literal, que enxerga nele um cântico erótico de celebração do amor humano. O poema Cântico do corpo amado, de Elmar Carvalho, insere-se nessa segunda tradição, mas a amplia e a torna explícita, ao transformar a linguagem sagrada e a natureza em metáforas de exaltação sensual.

 

Em termos de estrutura, tanto o texto bíblico quanto o poema seguem uma lógica enumerativa. O corpo é descrito em partes, de modo quase inventarial, partindo dos cabelos e olhos até os seios, o ventre e outras regiões íntimas. Esse ritmo cadenciado aproxima os dois textos de uma ladainha ou litania amorosa, em que a repetição cria musicalidade e solenidade. A diferença está no grau de ousadia: o Cântico bíblico sugere e deixa entrever, enquanto o poema de Elmar afirma e explicita.

 

No campo das imagens, há convergência na associação entre corpo e natureza. O texto bíblico recorre a imagens pastorais e orientais — rebanhos, vinhas, jardins, gazelas, romãs. Já o poema elmarino amplia o repertório, evocando o mar, os búzios, as dunas, o Nilo, ao lado de referências arquitetônicas e artísticas, como arcadas góticas, frontispício, altar, sacrário, colosso e retábulos. O corpo amado é visto simultaneamente como paisagem e como obra de arte.

 

O erotismo é outra área de contraste. O Cântico bíblico, ainda que profundamente sensual, vela suas alusões, permitindo que a tradição judaico-cristã o interprete de modo espiritual. Já Cântico do corpo amado não recorre à alegoria: a descrição dos seios, do umbigo, da púbis e das nádegas é direta, embora envolta em lirismo. O prazer físico é celebrado como finalidade em si mesma, sem necessidade de transcendência além do corpo.

 

Apesar disso, ambos os textos compartilham um vocabulário de sacralidade. No Cântico bíblico, o amor humano é sinal e metáfora do amor divino. No poema de Elmar, o corpo feminino é convertido em templo: fala-se em altar, sacrário, retábulos, colosso. Aqui, a carne é o próprio sagrado, e a experiência erótica adquire a dimensão de uma liturgia.

 

O efeito final é também distinto. O texto bíblico produz delicadeza e sugestão, aberto à interpretação mística. O poema moderno produz vertigem imagética, enumerando metáforas em cadeia até atingir um clímax de intensidade sensorial.

 

Em síntese, o Cântico dos Cânticos e o Cântico do corpo amado compartilham a celebração do corpo por meio de metáforas naturais e sacras. Mas enquanto o texto bíblico insinua e se abre à alegoria espiritual, o poema de Elmar assume de modo direto o erotismo, erigindo o corpo humano em espaço do sagrado. Pode-se dizer que se trata de uma releitura pagã e tropical do Cântico, na qual a beleza da carne se torna liturgia poética.


Em Elmar Carvalho, o corpo amado é templo e paisagem, altar e oceano. Se no antigo Cântico dos Cânticos o desejo se insinua como metáfora, em sua releitura tropical o erotismo se ergue como liturgia — onde a carne é o próprio sagrado.