sábado, 13 de novembro de 2010

PADRE MATA BISPO E MORRE A PAULADAS

Foto ilustrativa

José Maria Vasconcelos (*)

Não sabe da última? Padre dirige-se à residência do bispo, aplica-lhe três balaços. Brutal episódio repercutiu nacional e internacionalmente. A fatalidade, porém, voltou-se contra o próprio sacerdote: tempos depois, foi encontrado morto a pauladas. Qual motivo para dupla tragédia? Duas mulheres, Maria José Martins e Quitéria Marques, amantes do sacerdote, segundo os fofoqueiros. Amarrei você no interesse desta história de sangue e sexo, vamos aos detalhes, e, olhe, já se vão 53 anos, 1957, 1 de julho, tão arrepiante que você me acompanhará até o final. Juro.
Dom Expedito Lopes, filho de Sobral, formou-se padre, defendeu tese em Roma, regressou à terra natal. Sagrado bispo, estabeleceu-se em Oeiras, 1948. Em 1955, o Vaticano designou-o para assistir na diocese de Garanhuns, Pernambuco. Dom Expedito já sabia dos conflitos naquela diocese, onde quatro sacerdotes se envolviam com questões políticas e amorosas, sob comentários e censuras da comunidade.
Beatas comentavam o envolvimento de Padre Hosana (ou Ozanã para alguns), vigário de Quipapá, juridição de Garanhuns, com uma “prima”, Maria José Martins, com quem residia na casa paroquial. Dizia-se, até, que o vigário provocara dois abortos em sua companheira de serviço. Falava-se, ainda, da esperteza do padre na cobrança exagerada das taxas litúrgicas. Convocado por Dom Expedito, o sacerdote negou as histórias, lamentando a maledicência dos paroquianos. Quando D. Expedito decidiu visitar Quipapá, Pe. Osanã já havia despedido Maria José; admitira outra, Quitéria Marques, nos seus afazeres. O padre jurava inocência, cuidando de suas crias em seu sítio. O bispo exige-lhe que despeça Quitéria; o vigário desobedece, insistindo na inocência, e acusa outro sacerdote, Padre Acácio, futuro bispo de Palmares, um dos mentores dos boatos.
A pedido de Dom Inocêncio, o Vaticano demite Padre Hosana das funções sacerdotais. O bispo autoriza Padre Acácio a divulgar o documento. Padre Hosana exige direito de resposta e lhe é negado pelo colega, padre. Irritado, dirige-se à modesta residência de Dom Expedito. Bate-boca. O sacerdote saca arma e atinge o prelado com três tiros, foge e se recolhe ao Mosteiro S. Bento, Garanhuns, confessando ao prior sua desgraça, o qual o denuncia às autoridades.
Dom Expedito agonizou 8 horas no hospital. Últimas palavras, o perdão. Preso em Recife, Hosana foi a julgamento, três vezes, condenado, no último, a 19 anos de cadeia, em 1963. Solto em 1968, por boa coduta, voltou a celebrar, mesmo excomungado, e se dedicou à agricultura, residindo em Correntes, Pernambuco. Em 1997, foi encontrado morto com sinais de cacetadas, motivo, talvez, das encrencas por terras e dinheiro que emprestava. Dom Expedito virou nome de cidade piauiense, nome de ruas e praças no Ceará, tese de mestrado, campanha de canonização.
Criança, meu pai ouvia noticiário da rádio, eu o imitava. Aprendi a gostar das notícias planetárias. O repórter Esso informa a tragédia do bispo. Ouço com atenção. Não fosse meu querido pai, Martinho, não redigiria esta crônica. A educação começa em casa.

(*) Cronista. E-mail:
josemaria001@hotmail.com

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A FEIA


ALCIONE PESSOA LIMA
 
Em uma cidadezinha deste Estado conheci uma mulher tão feia que, embora sua família fosse a mais rica do lugar e ela uma competente professora, além de prendada, tinha muitas dificuldades em conseguir namorado.
E já fazia parte do anedotário daquele povo quando o tema das prosas era ausência de beleza. Uns diziam que era feia, outros horrível, e outros exageravam no adjetivo: era terrível!
Mas, um certo dia chega naquele longínquo lugar um sujeito advindo das banda do Ceará tentando sobreviver longe de sua terrinha e buscando meios para isso,  resolveu enfrentar a atividade comercial, lógico, uma pequena “bodega”, facilitando, assim, o seu entrosamento com a população. Em especial com aqueles que não dispensam comprar à prazo, deles até perder de vista. 
Pois bem. Um dia o indigitado bodegueiro bateu os olhos na “menina feia”, mas não a vendo da forma comum aos conterrâneos da mesma, e sim com um coração cheio de desejos, a ponto de apaixonar-se por ela e, em pouco tempo após, pedi-la em casamento.
Tal atitude causou espanto a todos, mas com o tempo tudo foi sendo considerado normal, mesmo aqui e acolá se ouvindo comentários sobre o exótico casal. É, mas em cidades do interior têm dessas coisas: a população adora fuxicos. E não é só coisa de mulher, não.
Viviam admirados com a disposição sexual do casal, pois tivera, em poucos anos,  três filhos. 
Um certo dia, após alguns anos do citado matrimônio, agora já um comerciante respeitado na cidade, o forasteiro e “herói” foi à agência bancária da cidade para realizar alguns depósitos e ao postar-se na fila para ser atendido ficou atrás de um senhor bem idoso, conhecido por todos como “grosso”, ou seja, de muita “sinceridade” em suas argumentações ao ponto de tornar-se mesmo inconveniente.
E o referido ancião, ao observar que o forasteiro estava na fila, atrás dele, o solicitou que passasse à frente, mas foi retrucado por aquele, bem gentilmente:
- não, o senhor chegou primeiro, sem falar que é mais idoso...
Mas, o “grosso” insistiu dizendo-lhe: passe para frente “siô”. Então, ele perguntou: por que? O velho respostou sem piedade:
 - ora como vou confiar em você aí atrás de mim? Um homem que tem tesão para uma mulher feia como a sua tem também para um velho como eu!  Passe para frente e não discuta! 

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

Elmar Carvalho


VIII

A sala onde uma velha
cose o tempo com suas meadas
é uma janela que se abre
em outra janela onde
veleiros navegam. . .
A velha navega no tempo
pelos fios nevados da meada.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Colaboradores do jornal Inovação, sob o cajueiro de Humberto de Campos. 1º plano: Bartolomeu Martins, Vicente de Paula (Potência), Elmar Carvalho e Canindé Correia; 2º plano: Francisco Fontenele de Carvalho (Neco), Diderot Mavignier, Francisco José Ribeiro (Franzé), Sólima Genuína, B. Silva e Reginaldo Costa; 3º plano: Danilo Melo, Jonas Fontenele de Carvalho, Israel Correia, Porfírio Carvalho, Wilton Porto, Alcenor Candeira Filho, Flamarion Mesquita e Paulo Martins


Colaboradores do Inovação, quase todos residentes em Brasília: Porfírio Carvalho, Cícero, Ana Alice, Cândida, Jonas Carvalho, Madeira Basto, Reginaldo Costa, Ivana, Rinaldo e Ernesto Magalhães

10 de novembro

A SAGA DO INOVAÇÃO

Elmar Carvalho

Há vários dias o romancista Assis Brasil me pediu que lhe conseguisse uma cópia da entrevista que concedera ao saudoso jornal Inovação, muitos anos atrás. Nas vezes em que fui a Parnaíba, tentei consegui-la através do Francisco José Ribeiro (Franzé), companheiro do Reginaldo Costa na feliz iniciativa de fundarem o periódico. Soube que um filho dele estava escaneando todos os números do Inovação, o que seria muito importante para os pesquisadores e interessados, pois apenas o Franzé e o Reginaldo tinham a coleção completa dos números publicados. Em “Jornal Inovação – um Depoimento”, que publiquei em vários livros e na internet, contei a saga do jornal, suas lutas, suas dificuldades, suas atividades culturais, como biblioteca, suplementos (encartes), pesquisas sociais e promoções de eventos e palestras. Nesse trabalho, eu dizia que a história do órgão bem se prestaria a uma tese de doutorado ou a uma dissertação de mestrado. Tenho conhecimento de que alguns estudantes escreveram ou estão escrevendo a esse respeito. O Reginaldo Costa, seu principal baluarte, escreveu um livro sobre o Inovação, infelizmente ainda não publicado, que será de grande valia para o conhecimento da efervescência cultural que Parnaíba então viveu. Através do Vicente de Paula, o nosso bravo Potência, ou do Canindé Correia, ambos colaboradores assíduos do jornal, recebi, meses atrás, um cd com a digitalização de todos os seus exemplares, graças ao esforço de um dos filhos do Franzé. Acabo de imprimir o número que traz a entrevista de Assis Brasil, concedida ao Francisco Fontenele de Carvalho (Neco), no Rio de Janeiro. Entrevista bem feita, longa, de rico conteúdo, recheada de reminiscências, quando o escritor ainda não retornara ao Piauí, nem mesmo a passeio. A capa assinalava: Ano VII – Nº 50 – Parnaíba, 31 de outubro de 1984. Sei que vai causar muita emoção ao Assis Brasil, quando eu lhe entregar o exemplar que fiz imprimir.

Membros do jornal Inovação, no bar Recanto da Saudade, de propriedade do saudoso dom Augusto da Munguba

Capa do jornal Inovação, ano VII, nº 50, edição de 31.10.1984, na qual foi publicada a entrevista concedida pelo escritor Assis Brasil

Aproveitei para ver, virtualmente, vários números, que tive em minhas mãos, em papel, ainda quase com a tinta fresca, ainda quente, como um pão que tivesse acabado de sair do forno. Emocionei-me. Voltei a me sentir aquele garoto vibrante, entusiasmado, cheio de sonhos e ideais, a exalar poesia e literatura por todos os poros. Recordei as lutas e o idealismo do Reginaldo Costa para publicar o “monstrinho”, como eu e ele, brincando, chamávamos o periódico. Achávamos que estávamos contribuindo para destruir a ditadura militar, que no início do jornal (dezembro de 1977) ainda era muito forte. Folheando digitalmente esses velhos números, recordei os amigos, que foram colaboradores assíduos do jornal. Em homéricas degustações de crustáceos, que os imbecis chamam de caranguejos, em tirada pacamônica, regadas a cerveja, o Reginaldo Costa, o Canindé Correia, Bernardo Silva, De Paula e este diarista, traçávamos a pauta e planejávamos as estratégias de sobrevivência do jornal, que estava sempre enleado em dificuldades financeiras, sobretudo quando não mais pode ser editado em Parnaíba, em consequência de represálias a sua linha independente e ousada. Escritores, poetas, intelectuais e artistas plásticos da estirpe de Canindé Correia, Alcenor Candeira Filho, De Paula, Ednólia Fontenele, João Maria Madeira Basto, Wilton de Magalhães Porto, Danilo Melo, Israel Coreia, Jonas Carvalho, Airton Menezes, Ana Alice, Sólima Genuína, Olavo Rebelo, Flamarion Mesquita, Bartolomeu Martins, Paulo Martins, etc. foram seus colaboradores. Várias outras pessoas, que não escreviam, o ajudaram, de uma forma ou de outra. Quase todos éramos amigos fraternos, e estávamos sempre em contato, seja para discutir o jornal, seja para conversar em nossos momentos de lazer. Vendo as fotografias do rio Igaraçu e das ruas inundadas, comprovei, mais uma vez, que naqueles idos já denunciávamos a lenta agonia do Parnaíba, a devastação dos mangues, a exploração predatória dos caranguejos e os descasos da administração pública. Folheando, através da tela do monitor, essas velhas páginas do Inovação, senti emoção e saudade, do jovem emotivo e sentimental que fui e dos amigos que citei; das longas viagens de motocicleta que fiz, na companhia do Reginaldo Costa, a serviço do jornal ou para acampar, por simples espírito de aventura, em plagas distantes, como Sete Cidades e Camocim. No topo das barracas, o Reginaldo fixava a bandeira improvisada do jornal Inovação. Poderia dizer que essa bandeira continua a tremular, para sempre fincada em minha memória e em meu coração.



Caro poeta,

No feriado de finados também pude ver vários números do jornal
Inovação através do PC. Uma estudante da Uespi escreveu sua
monografia a respeito do "monstrinho" e me entrevistou sobre minha
participação no dito cujo. E depois, presenteou-me com com um CD com
todos os números. Ela teria sido presenteado com tal preciosidade pelo
Franzé Ribeiro.
Revendo seus escritos, sempre me vem a saudade e a vontade
de fazer tudo de novo.Ou pelo menos promovermos um encontro com os
amigos mais "íntimos", que colaboraram com o jornal, para matarmos
saudades comendo caranguejo no Cornélio (ainda existe), tomando uma
cerveja, enquanto podemos. Amanhã poderá ser tarde.
Obrigado pelas citações ao meu modesto nome. Minha autoestima
vai ao infinito.
Saudações inovadoras.

B Silva




Caro poeta Elmar, 
Q satisfação ler o seu texto. O Inovação sempre estará na nossa memória e do parnaibano como um todo. Bem do sofrimento de todos aqueles q realmente se integraram ao grupo. Eu mesmo tentei várias vezes vender o jornal, conseguir propaganda. Era muito difícil. As muitas críticas dificultavam assinaturas por parte dos comerciantes. Foi qdo surgiu a ideia de se lançar o Litoral News.
Os comerciantes não sabiam q esse jornal de linguajar praiano e mostrando lindas moças e belas praias era editado pelo Movimento. Assim se conseguiu algumas verbas.  "Um encontro" com os antigos participantes seria muito interessante. Grato por lembrar de mim. (...) Vou encaminhar sua matéria p/Daniel Ciarlini. Abraços, 
Wilton Porto 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


9 de novembro

ENTARDECER EM AMARANTE

Elmar Carvalho

Dia desse, fui assistir ao espetáculo do entardecer em Amarante. Fiquei no passeio do cais, à beira do Parnaíba, no bar do Pelicano. A serra azul do poeta, nesta época de seca prolongada e de baixa umidade, não estava azul, mas apresentava uma cor quase sépia. À medida que começou o ocaso, dois camaleões começaram uma lenta escalada, cada qual em sua árvore. Subiam pachorrentamente, quase como se fossem bicho preguiça, e não lagarto. Quando passavam por um galho, davam uma rápida parada, como para recuperar o fôlego. Pareciam querer contemplar de seu poleiro os momentos finais da agonia solar. Se pegavam parelha, era sobre quem conseguiria subir mais lentamente. Do outro lado, na cidadezinha maranhense de São Francisco, as luzes começaram a se acender. Pude ver a refração das luzes e das árvores na água. Não tive como deixar de me lembrar de um dos poemas dacostianos, que fala do reflexo das folhagens nas águas barrentas do rio. Em irônica brincadeira, dizem que a melhor beleza de Niterói é ver a beleza do Rio de Janeiro. De Amarante jamais se poderia dizer que a sua maior beleza seria a beleza das serras maranhenses, porque ela é uma bela e bucólica cidade rodeada de bucólica beleza. É uma ilha de formosura cercada de natural encanto por todos os lados. A cor sanguínea do crepúsculo aos poucos foi esmaecendo, até a noite descer sobre as serras, sobre o céu e sobre tudo, como se o caos do nada tudo encobrisse, tudo transformasse em nada. Nas últimas luzes do entardecer, uma bela moça, de olhos sonhadores, mergulhou seu olhar nas águas do rio, e por breve momento sua jovem beleza exprimiu suave melancolia; a melancolia de quem pressentiu que tudo muda, que tudo passa, inclusive a juventude e a beleza.

A brisa da tarde sacudiu levemente as árvores, e eu me lembrei de outra tarde, em que o vento sacudiu fortemente as faveiras, cujas favas secas vibraram como maracás; como os maracás dos índios que outrora perlongaram as barrancas do Velho Monge. Nessa já longínqua tarde eu conversava com o poeta Virgílio Queiroz, que por feliz coincidência ou atendendo ao chamado misterioso das musas chegou nesse momento. Levantamos um brinde à vida e à poesia e à inefável beleza amarantina, que só não é inefável aos versos de seus poetas, como Da Costa e Silva, Clóvis Moura e Carvalho Neto. Tudo estava perfeito. Cenário perfeito, conversa perfeita. Mas tudo foi desfeito por um carro de som que chegou, trazendo seu barulho horrendo, sua música horrível. Não sei se alguém poderia chamar aquela zoada de música. A letra, igualmente de baixa extração, dizia, em interminável e insuportável estribilho, que a bunda da moça foi baixando, foi baixando, foi baixando... E nunca uma música pode jamais descer tão baixo assim.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


A ALMA DO CRUZEIRO

Elmar Carvalho

Meses atrás o meu amigo Zeca Lima veio me visitar. Fora meu amigo de infância na localidade Canafístula. Jogamos bola, caçamos e trabalhamos juntos nas roças de nossos pais, na época da colheita, quando eram feitos os mutirões. Na nossa adolescência, os seus pais se mudaram para o povoado Batoque, distante umas três léguas, aproximadamente 18 quilômetros. Raramente voltamos a nos rever, mas quando nos encontrávamos, em alguma festa, vaquejada ou torneio de futebol, era sempre a mesma alegria, a mesma irmandade. Ele viera me perguntar se eu aceitava ser o padrinho de seu primeiro filho. É claro que isso era uma honra muito grande para mim. Um pai dar um filho para ser afilhado de alguém, sobretudo o primogênito, era uma honra máxima; prova maior de amizade não existia. Fiquei emocionado e aceitei o convite. De logo ele foi me avisando que o batizado seria na desobriga que o padre Mateus faria ao seu povoado, nos festejos da igrejinha, quando celebraria a santa missa e faria os casamentos e os batismos da meninada, dali a dois domingos. Disse que não se preocupasse, que no sábado eu já estaria em sua casa, para jogarmos conversa fora e tomarmos umas talagadas de boa calibrina, uma branquinha da puba ou uma serrana do Ceará, que eu já levaria em meus alforges. Nesse tempo eu ainda era solteiro, de modo que não tive nenhuma preocupação, e tive apenas o trabalho de selar o meu alazão esquipador e avisar os meus velhos pais, para que não se preocupassem.

Segui no sábado, conforme o combinado, de manhã cedo. Por volta das nove horas, estava passando pela localidade conhecida como Almas, onde ficava velho cemitério campestre. Ficava em pleno e plano descampado dos tabuleiros, no meio do nada, no meio da solidão, porém, no entorno, havia moitas de mofumbo, macambiras, xiquexiques, mandacarus, coroatás, unhas-de-gato, sabiás e outras plantas espinhentas. Diziam que fora inicialmente um cemitério indígena e depois das pessoas da redondeza. Não havia nenhuma casa por perto. Parecia que todos queriam ficar distante do campo santo. Entretanto, em derredor, no raio de uma légua ou mais, todos os mortos eram ali sepultados. Comentavam que alguns passantes já tinham visto umas visagens, rondando por entre as sepulturas, quase todas simples, quase todas covas chãs, sem nenhum adorno ou construção. Falavam em luzes que vagavam sobre as covas; luzes mortiças, luzes sem fogo, que não esquentavam e quase não alumiavam. Eram como se fossem as luzes da própria morte, que pareciam simbolizar. Não me preocupei com isso. Afinal, como diz o ditado, nunca vi rastro de alma e nem couro de lobisomem.

O compadre e amigo Zeca me recebeu com muita alegria, juntamente com a comadre Damiana. Mataram um capão, e fizeram uma cabidela de primeira. De tardezinha, fomos tomar banho no riacho, e conversamos bastante. À noite jogamos um carteado, com vizinhos, apenas por pura diversão. Quando um dos jogadores soube de onde eu viera, tratou de me recomendar que não passasse pelo cemitério das Almas à noite, pois recentemente correra a notícia de que uma pessoa vira uma assombração, e correra feito um louco, até cair estafado e desmaiado, quase morto, no meio do caminho. Foi encontrado de madrugada, por umas pessoas que iam passando, ainda em estado de pavor. Apesar de não ter medo, não fiz nenhuma bravata e assegurei que sairia a tempo de passar no local com o sol ainda alto. Dei o caso por encerrado, e não toquei mais no assunto.

No dia seguinte, após o batismo de Pedro, meu afilhado, fomos para a casa do compadre, juntamente com alguns convidados. Ficamos debaixo de frondosa mangueira, que dava uma sombra que quase não acabava mais. Foram abatidos dois porcos e algumas galinhas, de modo que a comemoração foi bastante farta e animada. Um dos convidados era o Chico Malaquias, um dos mais afamados puxadores de fole de toda aquela região. Além de beber como gente grande, o caboclo comia como um condenado e tocava com gosto, com muita arte e competência. Quando já estava perto de três horas da tarde, o colega do carteado não se esqueceu de me advertir: “Amigo Juvêncio, espero que você deixe para viajar amanhã, para termos o prazer de desfrutar de sua companhia por mais tempo. Mas, se realmente quiser ir hoje, coisa que não desejo e não aconselho, é melhor ir logo, para evitar algum encontro com alguma alma desgarrada do cemitério... Eita, lugarzinho pra me dar sobrosso e calafrio!” Não sei se foi já efeito da cana, ou se foi apenas desconfiança minha, mas notei um certo tom de zombaria na voz do caboclo, como se fosse uma espécie de desafio, para testar minha coragem ou para me desmoralizar. O certo é que aquelas palavras serviram apenas para que eu ficasse mais determinado em viajar naquele mesmo dia. Disse ao Nonato, era esse o seu nome, que não se preocupasse, que na hora certa eu seguiria meu caminho. Ouvi outras músicas do sanfoneiro Malaquias, que, de vez em quando largava o copo e a colher, e arregaçava o fole para tocar uns baiões de Luiz Gonzaga, tomei mais umas doses da serrana, e decidi que já era hora de ir embora. Já passava das cinco da tarde.

O compadre Zeca ainda me chamou de lado, pedindo para eu não me aborrecer com a besteira do Nonato; que eu não precisava mostrar coragem pra ninguém, mas que já estava tarde, e era melhor eu ficar e seguir na madrugada seguinte. Agradeci, desconversei, mas disse que tinha um trato de manhã cedo, e não podia faltar. Me despedi, tomei a saideira, acenei do meu cavalo, e tomei o rumo de casa. Quando me espantei, ao sair da curva que rodeava um capão de mato, já me deparei com o campo santo. A lua estava na fase de quarto-minguante. Porém, deu para eu ver um vulto perto do cruzeiro. Como disse, não tinha medo de alma, mas aquelas histórias de aparições que a gente ouve contar na infância servem para nos sugestionar, para nos arrepiar a pele, para nos fazer ver o que de fato não existe. O fantasma, ou seja lá o que fosse, estava defronte ao cruzeiro, isso eu via muito bem. Havia momentos em que parecia se ajoelhar; depois se levantava; depois, se abaixava novamente, como se seguisse um ritual entremeado de genuflexões. Devo informar que o caminho, em determinado ponto, passava muito perto do cruzeiro, fixado próximo do portão do cemitério.

Pensei: “Ou vou ter que dormir no meio do mato, sem nenhum conforto, ou vou ter de voltar e servir de gozação para o cabra Nonato, ou então vou fazer uma volta, pelo meio do mato, sem muita visão, me arriscando, sem saber direito por onde vou seguindo, podendo cair em algum buraco, atoleiro ou moita de espinhos... Além do mais, o que acho ainda pior, vou ficar na dúvida sobre se realmente vi uma alma, ou se o vulto é de algum vivente, algum maluco pagador de promessa, rezador dessas quebradas...” Mesmo com certo sobrosso, tomei a deliberação de prosseguir, para saber que visão era aquela, e para não contar conversa fiada. Para piorar a minha situação, a lua entrou em densas nuvens e o cruzeiro e o rezador desapareceram de minha vista. Mas não recuei no firme de propósito de descobrir a verdade sobre aquela imagem que rezava tão contrita naquelas horas da noite. Quando já estava quase na frente do portão, a lua saiu das nuvens, e eu pude ver que a alma não passava de uma vaca branca a pastar perto do rústico cruzeiro. Quanto baixava a cabeça para comer, parecia se ajoelhar; quando a erguia para melhor mastigar, parecia, vista frontalmente, à distância e na fraca luminosidade, um homem em pé. Disse, para os meus botões, que se eu não tivesse sido firme em minha decisão de ver o que realmente era o que parecia ser coisa do outro mundo, eu seria mais um a espalhar pelos sertões que havia visto uma assombração.

domingo, 7 de novembro de 2010

NOTÍCIA CULTURAL



A Brigada Mandu Ladino convida os interessados em cultura para mais uma atividade científico-cultural, que ocorrerá no dia 11 de novembro próximo, quinta-feira, às 19:30 horas, na rua São Pedro, 3125, bairro Ilhotas. O prof. Doutor Daniel Loebmann, gaúcho, proferirá a palestra “A Influência das Variações Climáticas do Passado na Formação da Fauna Piauiense”. Também haverá o lançamento do livro “Biodiversidade do Litoral do Piauí”. Será servido coquetel.

SELETA NACIONAL


SONETO I
Paulo Bomfim

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo
O cabo das tormentas de mim mesmo.

MEU DESTINO

ALCIONE PESSOA LIMA


Das artes, “belas artes”,
Sem que alcance a loucura,
Desafia-me a literatura.
Preocupa-me a linguagem,
Na forma culta e exigente ...
Nada me sai de repente.
Navego nas profundezas da mente.
Alegro o espírito pelos caminhos...
Buscando em romances, poemas, prosas...
A resposta para o meu desejo.
Não é fácil o que almejo.
Mas, vielas tornam-se estradas.
Destinos transmudam-se em histórias ou
Enredos para sétima arte...
Então, faço a minha parte, puxando pela memória...
Sou assim um ser feliz!
Vaticinando o que serei, relembrando o que já fiz.
Inspirado pelos trovadores, realistas, modernistas ou contemporâneos...
Percorro um rio subterrâneo sem ainda saber nadar...
E me vem em prosa ou em verso, de frente ou reverso aquilo que quero dizer...
Na expectativa de mostrar o rosto, o gosto pelo teatro da vida...
Deliro, frente à minha escultura plantada no centro da praça...
E acho graça da dor e das aventuras que já vivi.
Nas artes, serei um artista, nas letras do meu caminho...
Das sete, a escolhi desde quando nasci...

sábado, 6 de novembro de 2010

A MORTE DO CÃOZINHO

ELMAR CARVALHO


Sob a roda do carro
o cãozinho teve seu movimento
violentamente congelado
com seus dentes expostos
e seus olhos saltados
na perplexidade da morte inesperada
com sua cauda projetada
como ponto de exclamação.
Suas vísceras eram pontos de
interrogação espalhados no asfalto.
Na morte do cachorrinho
eu vi a vida esvaída
no seu gesto perdulário.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

UM MORTO ILUSTRE NÃO PODE SE DEFENDER

CUNHA E SILVA FILHO


Não se pode falar de Monteiro Lobato (1882—1921) sem associá-lo à literatura infantil. Isso é já é muita coisa e o suficiente para reconhecê-lo como figura de proa das letras brasileiras. Seu personagem Jeca Tatu foi logo objeto da atenção do jurista Rui Barbosa que nele via um símbolo negativo dos males da nação brasileira: o do homem caipira, abandonado e maltratado pelos poderes públicos, cheio de verminose, vivendo de cócoras, descalço, preguiçoso por conta dos próprios vermes que lhe roíam por dentro.
Essa figura ganhou popularidade pelo país afora, porém uma popularidade que se prestava também para debates políticos, antropológicos sociológicas da constituição do nosso povo no que concerne ao problema da raça e de seus elementos formadores num país que longe estava de identificar e corrigir seus defeitos e suas exclusões, quer dizer, Euclides da Cunha (1866-1909), Lima Barreto(1881-1922), Monteiro Lobato e Graça Aranha (1868-1931), na fase literária a que se convencionou chamar Pré-Modernismo, contribuíram, cada qual à sua maneira, com uma ponderável visão social para melhor aprofundar, pelo viés ficcional, aspectos da realidade brasileira que estavam a exigir mudanças de interpretação isentas de ufanismos e de nacionalismos míopes que só serviam para escamotear as velhas chagas sociais, políticas e culturais que, no mínimo, vinham da República Velha. A vertente social desse período da literatura brasileira é um divisor de águas de estilos literários e de temas relevantes quando a confrontamos com o Parnasianismo e o Simbolismos, movimentos estes por excelência absenteísta nos temas e requintadamente formal na língua.
A primeira vez que tomei contato com a ficção lobatiana foi através do conhecido livro de contos, Urupês (1918), que pertencia à biblioteca de meu pai. Na época, não li o livro. Deixaria pra depois, porém um conto dele, “Negrinha”, o primeiro de um livro de título homônimo, li num manual didático já quando professor do ensino hoje chamado fundamental e médio. Fantástico o conto, e fantástico justamente porque toca num tema polêmico e ainda atual: a personagem central do primeiro conto, ”Negrinha,” que dá nome ao título da obra, é a vítima dos maus tratos da patroa. Nem é preciso dizer por que motivos a patroa a trata assim. Pois bem, essa história põe o dedo na ferida, a do preconceito não só em razão de Negrinha ser pobre, mas também por ser preta.
Numa reportagem de ontem, dia 30 de outubro, no jornal O Globo, leio, estarrecido, uma notícia de um parecer aprovado pelos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão subordinado ao MEC. Segundo esse parecer, a personagem de Lobato, a tia Nastácia, tão conhecida por gerações de brasileiros que se tornaram, desde crianças, fiéis leitores do criador de tantas figuras estimadas por crianças (e adultos), é, agora, vista como um exemplo de construção literária vítima do preconceito racial da perspectiva do “autor.” Ou seja, os membros do CNE, ab initio, cometeram um erro imperdoável, o de confundir autor de carne e osso, no caso, Monteiro Lobato, e narrador, que representa apenas a configuração imaginária que deve ser compreendida do ângulo da narratividade e não a partir da realidade empírica ou referencial.
No mesmo erro incidiu a Secretaria do de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), que, numa “nota técnica” emitiu opinião contrária ao livro Caçadas de Pedrinho,” argumentando que ele só deveria ser utilizado caso o professor esteja preparado(!?)) para fazer a necessária contextualização histórica das causas que provocaram o abominável regime escravagista no país e suas sequelas futuras, as quais resultaram na estigmatização racista ainda de alguma forma resistente entre nós.
Vejo esse incidente lamentável como um sinal perigoso, ou melhor, obscurantista, para que novos casos semelhantes possam ocorrer com os autores brasileiros. Me lembro de que, certa vez, o escritor Darcy Ribeiro foi também vitima de leitura deformada, que via, na fala de um personagem de uma de suas obras ficcionais, conceitos inadequados do ponto de vista “moral”.
Situações como estas devem receber o repúdio dos que prezam a livre expressão do pensamento, sobretudo em se tratando de obra ficcional. Não estamos mais na Idade Média, nem vivemos num país fascista ou numa ditadura comunista, onde se costumava levar livros às fogueiras, apreendê-los ou punir os autores com prisões ou deportações para os Gulags da vida. O Santo Ofício é coisa para ser sepultada de forma definitiva. O Index librorum prohibitorum, que me perdoe o Vaticano, não foi bom exemplo para países que respeitam os direitos de expressão oral e escrita. Acredito até que os Nihil obstat nem mais aparecem nas páginas do verso de livros didáticos dos maristas. Ainda bem.
Por conseguinte, o Parecer do CNE, que deverá ser ou não homologado pelo Ministro da Educação, após a análise da Secretaria de Educação Básica, não pode ser deferido pelo Ministro, porque isso seria um retrocesso para a democracia que se afirma estar vivendo o Brasil.
O livro de Lobato, afirma a reportagem, já tinha sido distribuído a escola públicas do ensino fundamental através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), entre 1998 e 2003. Cumpre lembrar, segundo a citada reportagem, que a liberação desses livros só se efetuou após seleção aprovada por especialistas recomendados pelo MEC. Como explicar essa mudança agora? Em questões que dizem respeito a seleção de obras para os alunos, cabe aos professores habilitados na área de literatura o encargo de cuidarem de assuntos dessa natureza. Não é porque algum estudante, mesmo de mestrado, com deficiência flagrante dos pressupostos práticos e teóricos de leitura e de conhecimentos sólidos de literatura, venha a fazer leitura unilateral e, aí si, preconceituosa de um autor, que seja levado em conta por órgãos da administração pública na área da educação, e provoque dissonâncias prejudiciais à memória de um dos escritores mais respeitados da história da literatura brasileira, autor querido do público infantil, aplaudido, certa vez, em Buenos Aires por seus méritos de autor para a infância. E não estamos ainda falando do seu papel em defesa do petróleo brasileiro, do ferro, da sua atividade de editor de à frente da Companhia A Editora Nacional. E de outras experiências editoriais, como a Revista do Brasil,
Se observarmos atentamente a condição da escola pública brasileira, quantas mazelas, quantas metas devem ser atingidas para que saia de um situação praticamente crônica que a tornou, aos olhos da sociedade, motivo de piada, de descrédito, tanto em relação à estrutura das escolas em si, a salientar sobretudo a baixa qualidade de ensino e de condições de trabalho, quanto no que tange aos vis salários ainda pagos aos professores brasileiros.Por que o MEC não se volta, isso sim, para esses graves problemas enfrentados pela educação do país? Se o fizesse, não haveria tempo e ócios bem remunerados por técnicos e coordenadores de universidades públicas e de órgãos do MEC para, em leituras apressadas e mal assimiladas, encontrar interpretações literais para textos que exigem um aparato mais complexo além das referencialidades extra-contextuais. É preciso atentar para o fato que não é apenas a aprovação de uma lei contra o racismo entre nós que vai mudar o interior das pessoas. O buraco está mais embaixo, quer dizer, está simplesmente no preparo cívico-moral de nossas crianças, desde a mais tenra a idade, para saber conviver com as diferenças de cor sem que isso implique inferioridade uma ou outra. Instilar a prática da convivência harmônica entre etnias me parece a melhor forma de se cumprir uma lei. O estigma do preconceito deve ser extirpado em definitivo do nosso mundo interior, de nossa ética de cidadania e respeito às alteridades.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

UM CONTO E UMA CONJUNÇÃO

CUNHA E SILVA FILHO


Era na Rua Arlindo Nogueira, espaço da minha memória recorrente por motivos já por muitas vezes mencionados nos meus escritos. Apesar da pouca idade, fiz boa amizade com um senhor idoso, de cujo nome não me lembro mais. Vou deixar mais pra frente e seguir o conselho de Álvaro Lins (1912-1970)
O meu amigo, pela distância do tempo, vejo mais agora como um personagem saído de um romance ou conto regionalista dos anos trinta. Poderia ser José Lins do Rego (1901-1957), Graciliano Ramos (1892-1953), Raquel de Queiroz (1910-2003) ou outro.
Vou me explicar com o leitor por que essa lembrança me vêm à tona. Há muitos anos, depois que deixei Teresina, um dia me despertou a ideia – melhor dizendo, uma tentativa - de escrever uma narrativa, um conto inspirado naquele senhor velho.
O fio do conto situava-se no domínio da gramática. Sem ter, àquela época, a consciência do que hoje denominamos metalinguagem, o fulcro da história centrava-se numa função jakobsoniana. Toda vez que entretinha conversa com ele, meu amigo costumava repetir a conjunção “ao passo que”. O uso exaustivo que dela fazia me chamou logo a atenção. Não era algo que pudesse passar despercebido. O homem tinha mesmo especial mania ou predileção pelo conectivo, agora mais conhecido, pelos linguistas modernos, como conector.
Como era engraçado o amigo velho reiterar a dita conjunção naqueles diálogos cheios de experiência interiorana, recheados de histórias que passavam oralmente de geração para geração! De engraçado chegava a virar histriônico. Mal continha a vontade picaresca de um riso, ou mesmo gargalhada. “Ao passo que.., ao passo que..., ao passo que..” O abuso da conjunção parecia ecoar pelos quatros cantos daquela acanhada Teresina. Ah, meu velho amigo velho, como me divertia aquele vaivém em cena da conjunção! “Ao passo que” era, com efeito, a súmula da proporção ou do contraste do idioleto do amigo velho!
Hoje, penso que meu amigo e vizinho da mesma rua, sem menos dar conta do real sentido da expressão, a usava infinitamente como forma de dar alguma aparência de bom usuário da língua. O certo é que a expressão conectora, de tão repisada, passou a ser parte inseparável de sua figura simplória e cordial.
Se não me engano, tinha vindo de Piripiri, cidade piauiense. Era casado e tinha um filho, um rapazola, e duas filhas moças.
Morava numa casa simples e acolhedora. A porta sempre aberta como se quisesse dar boas vindas a todos que ali fossem bater .Eu próprio o visitava com assiduidade.
O amigo velho, quando não estava ocupado dentro de casa, às tardezinhas, tinha o hábito de sentar-se numa cadeira rústica na calçada, em frente de sua casa. Ali via a passagem de todos, recebia os cumprimentos de conhecidos e amigos. Se eu por acaso ali passasse, ali ficava por uma boa meia hora, indo, depois, me encontrar com colegas, mais adiante, na outra esquina.
Sua fisionomia era típica daquele homem do interior, semiletrado, mas dono da sabedoria dos mais velhos. Era disso que eu gostava. Homem afeito a acordar cedo quando vivia em Piripiri, a ver os primeiros raios da manhã em contraponto com a leve brisa que soprava dentro de sua casa de tijolo, mas com telhado de palha.Os cabelos lisos e brancos, a barba sempre por fazer. O corpo magro. A simpatia em pessoa.
No entanto, o que me ficou dele foi aquele uso da conjunção e um outro fato nada agradável. Essas duas coisas me levaram a escrever o conto com o título “Ao passo que”.
Um dia qualquer do nosso convívio, o filho do meu amigo, o Piripiri, aos prantos, veio até à minha casa avisar que seu pai acabara de falecer. Que eu desse um pulo na casa dele. Lá fui, nervoso e apavorado com a notícia intempestiva. Meu amigo estava deitado na cama do quarto do casal. A esposa, ao lado, chorando e passando-lhe as mãos nos cabelos. As duas filhas não sabiam o que fazer. Só havia choro e tristeza. Inânime, pálido, com os olhos fechados, ali estava o meu amigo. A casa, agora, estava apinhada de vizinhos, amigos, curiosos de passagem pela rua.
Seu filho, Piripiri, apelido familiar daquele rapazinho da minha idade, me pediu um favor: que ajudasse a vestir o pai com roupa nova, uma blusa de manga comprida, cor de rosa, e uma calça de gabardine azul, se não me falha a memória. Aceitei o encargo. Piripiri me agradeceu enternecido, em lágrimas. Não me recordo do seu nome de batismo. Voltei pra casa desolado. Só me lembro de que a morte do meu amigo foi, se não a primeira, a mais forte experiência daquela época e por uma razão a mais, a que já fiz referência: ajudei a tirar a roupa do meu amigo. Nunca pensei que tivesse coragem de fazê-lo. Vê-lo despido e morto foi muito difícil e trágico pra mim naquela idade.
Vestimo-lo da melhor forma possível. Piripiri penteou-lhe os cabelos, arrumou-lhe carinhosamente as vestes. Tudo em silêncio. Estava pronto para receber o carro funerário. Não fui ao cemitério pra lhe dirigir o último adeus e as minhas preces.Todos esses fatos procurei transfundir literariamente no conto, com algumas tintas de tragicidade e de lirismo. Assim, se construiu o conto. Um amigo escritor o leu aqui no Rio. Gostou do entrecho, mas fez sérios reparos quanto à técnica narrativa. O conto nunca foi publicado e, ademais, o perdi em mudanças.

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO



VI

As circunvoluções cerebrais
rompem os crânios
que depois se recompõem
em espiraladas evoluções.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


DE AMIGOS A AMANTES

Elmar Carvalho


Os dois poetas se conheceram na adolescência. Roberto era dois anos mais velho que Suzana. Começou a escrever primeiro, publicando seus poemas no jornal mural do colégio em que estudava, e, um pouco depois, no Diário de Caxingó, que na verdade era um hebdomadário, que muitas vezes não fazia jus ao nome, pois em algumas semanas a sua anunciada periodicidade falhava. Ganhou certa notoriedade na unidade escolar e na cidade, e logo passou a presidir o Grêmio Literário Luíza Amélia de Queiroz. Discursava nos eventos cívicos e culturais do colégio e até mesmo da cidade. Não demorou muito, Suzana se aproximou dele, passou a frequentar o grêmio e a colaborar no jornal mural. Havia entre eles amizade e admiração recíprocas. Entretanto, Roberto já namorava outras garotas, e, talvez por respeito ou por medo de estragar a amizade, esquivou-se de namorá-la. Talvez não desejasse compromisso sério, e temesse que se namorasse Suzana o relacionamento evoluísse para algo duradouro ou mesmo definitivo. Ele se formou em Direito e foi ser professor universitário. Ela se tornou médica de nomeada, totalmente dedicada à profissão; teve seus namoros, mas os anos foram passando, e ela terminou por não se casar. Embora não fosse propriamente tímida, era um tanto retraída, e com o correr do tempo sua dedicação à medicina era quase total. Não disse total, porque ela continuava louca pelos livros de literatura e continuava a escrever suas crônicas e poemas, bem como a comparecer a eventos culturais, sobretudo literários. Com o passar dos anos, Suzana e Roberto perderam o contato. Ela fora morar na capital do estado, polo importante da medicina no nordeste, e ele se mudou para Brasília.

Certo dia, os dois se encontraram, por acaso, no centro de Teresina. Roberto conseguira sua remoção funcional para esta cidade. Casara e tinha dois filhos adolescentes. Conversaram bastante, colocando os assuntos em dia. A emoção foi grande. Encontravam-se com certa frequência nos eventos culturais. Gostavam de estar próximos. A amizade retornou com força total, como se nunca tivesse sofrido solução de continuidade. Se olhavam, se admiravam, se tocavam, como por acaso, mas não passavam disso. Roberto, conquanto fosse ousado em certas coisas, mormente como intelectual, sempre fora um tanto tímido para iniciar um relacionamento. Certo dia em que Suzana estava com seu carro no conserto, Roberto foi deixá-la em seu apartamento, após um evento literário, que terminara por volta das 21 horas. Suzana o convidou a subir, sob o pretexto de que queria lhe mostrar o apartamento e umas produções literárias. Tomaram uns cálices de vinho e se olharam ternamente, mas não se tocaram. Apenas, na saída, Roberto lhe beijou a face, como já fizera algumas vezes; só que nesse dia as bocas quase se tocaram. Cerca de um mês depois, voltaram a se encontrar num lançamento de livro. Suzana perguntou-lhe se poderia visitá-la no sábado seguinte, pois tinha algo a lhe revelar. Roberto ficou curioso, mas não pediu que ela lhe adiantasse o tema da conversa. Contudo, ficou bastante ansioso, e louco para que o tempo apressasse seus passos imutáveis. Na hora marcada, bateu à porta da amiga.

Ela lhe disse que entraria diretamente no mérito de sua conversa, embora pedindo desculpas pela forma franca como o faria. Falou que se conservara solteira, embora tivesse tido alguns namoros; que já estava com 41 anos de idade; que tinha independência financeira. Contudo, algo importante lhe faltava: um filho. Tinha uma cadelinha que lhe amenizava a solidão, que lhe alegrava os dias, mas ansiava por ter um filho. Disse que poderia tentar conceber um de proveta, mas esse método tinha dois inconvenientes que lhe desagradavam: poderiam vir vários filhos, de uma só vez, e não tinha o contato físico e afetivo entre o pai e a mãe. Por outro lado, não gostaria de que seu filho soubesse que fora gerado numa proveta, mas sim que fora um filho desejado e amado, desde o primeiro instante, e que fora concebido em seu ventre. Acrescentou que não gostaria de arranjar um simples “reprodutor” para ter uma “produção independente”. Gostaria que o pai fosse uma pessoa conhecida, da sua estima e admiração. Entretanto, seu nome jamais seria revelado. Não precisava de que ele colaborasse com nada na criação do filho, especialmente com dinheiro. Toda essa conversa foi desfiada lentamente, entre generosos cálices de vinho. Também disse que não desejava nenhum relacionamento amoroso. Devido sua idade, faria um tratamento de fertilização com um colega famoso, no intuito de que a concepção pudesse acontecer na primeira relação sexual. Deixou passar algum tempo, sondando que efeitos suas palavras e o vinho estariam provocando em Roberto. Este se mostrou ouvinte atento, amável, solidário e compreensivo, e achou justo o que ela pretendia. Ela disse que o acasalamento deveria acontecer no próximo mês, no seu período fértil. A parte mais delicada da conversa foi no final, quando ela perguntou ao Roberto se ele poderia ser o seu parceiro nessa empreitada em busca da sonhada maternidade. O homem era cauto, mas não casto. Com muito gosto aceitou a missão, embora muito ciente de que seria uma espécia de vítima de uma viúva negra; afinal, não teria outra oportunidade de desfrutar do mel de sua abelha rainha, porquanto sua metáfora jamais admitiria o termo aranha. Suzana ficou de lhe dizer o dia do planejado acasalamento.

Porém, o homem propõe ou põe e Deus dispõe. A concepção não se deu na primeira relação. Suzana continuou com o tratamento de fertilidade. A segunda e a terceira tentativas também foram infrutíferas. Embora, conforme o combinado, as relações devessem ter o único objetivo de gerar uma criança, sem maiores efusões sentimentais, as coisas tomaram um rumo inesperado, ou, talvez, esperado. Os parceiros se mostraram excessivamente entusiasmados e fervorosos. A pretexto de que quanto mais relações tivessem mais chances Suzana teria de engravidar, os encontros começaram a amiudar, a se tornar cada vez mais frequentes, cheios de frenesi. Todavia, a planejada criança não dava sinal de vida. Parecia ter-se enleado em alguma filigrana do éter. Quando finalmente Suzana engravidou, Roberto já era seu amante mais que constante. E fora o homem que lhe extirpara a virgindade, até então muito bem preservada, apesar das dúvidas que existiam na cabeça de suas amigas.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Charge de Gervásio Castro, vendo-se o  chargista e o diarista



2 de novembro

É DOS CARECAS QUE ELAS GOSTAM MAIS?

Elmar Carvalho

No cruzamento das ruas Lizando Nogueira com David Caldas, encontrei o Nonato Teixeira, dedicado servidor da Caixa Econômica Federal. Como ele quebrasse um chapéu de lado, como diz a canção popular, disse-lhe que voltaria a fazer uso dos meus. Respondeu-me que usava chapéu por necessidade, uma vez que os raios solares já lhe estavam prejudicando a pele. Contei-lhe que, no dia da eleição, a presidente da seção comentou, ao ver minha carteira de identidade, que eu estava muito novo na fotografia. Disse-lhe, a título de curiosidade, que eu molhara bem os cabelos, para que parecessem curtos, pois na época eu usava uma avantajada e encaracolada cabeleira. Em resposta, ela me disse que hoje eu quase já não os tinha, como se eu próprio não o soubesse. Retruquei-lhe: “E o tempo levou”, em trocadilhesca alusão ao filme “E o vento levou...”. Nesse tempo, após o banho, eu não queria saber de pente, nem de escova; sacudia com força os cabelos, para um lado e para o outro, para cima e para baixo, para que eles ficassem ondulados ao secar. O Nonato, no seu estilo bonachão, aduziu que o tempo nos roubara a juba, ou algo semelhante. Isso me inspirou a fazer estes versos cretinos, sem nenhum valor literário: “Já fui senhor de cabeleira basta, / mas o tempo, que todo me devasta, / a vasta madeixa me desbasta.” Acrescento que o uso de chapéu não deve ser entendido apenas como sinal de vaidade; ao contrário, pode servir como símbolo e advertência de que existe algo ou alguém acima de nós. Apesar da afirmativa peremptória da antiga marchinha carnavalesca, não tenho certeza se é dos carecas que as mulheres gostam mais. De qualquer sorte, pelo menos a minha, foi contra eu fizesse implante capilar. O meu bolso, penhorado, agradece. Não resta nenhuma dúvida, estou mesmo decidido: voltarei a usar chapéu, seja como proteção contra a devastação dos raios solares, seja por vaidade, que já me é quase finda.


E O TEMPO LEVOU...

Elmar Carvalho


Já fui senhor de cabeleira basta,
mas o tempo, que todo me devasta,
a vasta madeixa me desbasta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


1º de novembro

AS CHAMAS E AS BRUMAS

Elmar Carvalho

Recebi, outro dia, e-mail de Afonso Lima. Elogiou-me o Blog Literário, do qual sou titular, veiculado no portal 180 Graus. Tratou de vários outros assuntos, inclusive de que havia publicado, recentemente, um livro de poemas. A primeira vez que ouvi falar no Afonso Lima foi em 1977 ou 1978. Estávamos num processo de aproximação entre os intelectuais e escritores de Teresina e Parnaíba. Os poetas dessas duas cidades participaram de obras coletivas comuns, entre as quais citarei Aviso Prévio, da qual participou o Alcenor Candeira Filho, Galopando, de que participamos o Paulo Couto e eu, pelo lado parnaibano, e o Paulo Machado, Rubervam Du Nascimento e Josemar Neres, pela quota teresinense. O livro Em Três Tempos trazia a participação de Paulo Couto, Elmar Carvalho e Kenard Kruel, que se mudara para Teresina, onde reside até hoje. Pois bem, nessa época de interação cultural entre as duas cidades, havia encontros, palestras, lançamentos de livros de que eram partícipes poetas da capital e do litoral. Por esse tempo, estávamos na praia eu, e creio, se não me falha a memória, que Paulo Couto, Menezes y Moraes, William Melo Soares, Emerson Araújo, e talvez outros, quando um dos poetas de Teresina disse, com entusiasmo e inopinadamente, com certo estardalhaço, que naquele momento, por volta de onze horas daquela manhã ensolarada, na capital, o Afonso Lima estava lançando o seu livro Opressão. O nome tinha tudo a ver com a ditadura militar, então ainda a pleno vapor. Depois, embora à distância, pude acompanhar a sua carreira de sucesso, sobretudo no teatro, para onde direcionou o seu esforço, talento e inteligência, como dramaturgo, ator e diretor, sendo correto afirmar que ele se tornou um dos maiores teatrólogos do estado nas últimas décadas.

Somos contemporâneos e conterrâneos, já que nascemos em Campo Maior, mas só viemos a nos conhecer no final da década de oitenta, posto que ele se mudou cedo para Teresina, acompanhando sua família, enquanto eu fui morar em Parnaíba, em meados de 1975. Além dele, pelo menos três de seus irmãos são ligados ao mundo intelectual e jornalístico. Carlos Augusto, recentemente falecido, é um dos mais importantes jornalistas do Piauí. Sua participação no jornal da Rádio Pioneira de Teresina marcou época, pois era líder absoluto de audiência; isso lhe deu grande projeção, e lhe permitiu tornar-se deputado estadual, em mais de uma legislatura; atuou também na televisão, onde, em virtude de ser um estudioso e erudito, fazia comentários judiciosos, com ilações lógicas, pertinentes, recheados de interessantes e anedóticos episódios da História do Piauí, que ilustravam sua fala e atraiam a atenção do ouvinte. Domingos Bezerra, além de jornalista experimentado e talentoso, é poeta de mérito inegável; com ele, quando fui presidente do conselho editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, fizemos notáveis entrevistas, das quais citarei as concedidas por monsenhor Joaquim Chaves, Alcenor Candeira Filho, Celso Barros Coelho, Cineas Santos, padre Raimundo José Airemoraes, Raimundo Nonato Monteiro de Santana, que bem merecem ser enfeixadas em volume. Paulo Henrique é empresário do ramo da comunicação, tendo sido proprietário da rádio Difusora.

Afastado de Teresina há vários dias, em virtude dos meus afazeres na Justiça Eleitoral, surpreendi-me agradavelmente ao retornar a minha residência e me deparar com um volume de A Cidade em Chamas, de Afonso Lima, que dessa forma retorna triunfalmente como o poeta de valor que nunca deixou de ser. A dedicatória, que não transcreverei, são palavras de estímulo. Trata-se de uma bela obra, tanto no aspecto físico, com capa e ilustrações de Paulo Moura, que é um grande artista plástico, também campomaiorense, como no conteúdo. Tem o subtítulo de “Poema trágico de um crime impune”. É um verdadeiro poema épico, tanto pelo assunto, em forma de narrativa, no caso histórica, e não apenas fictícia, como até pelo tamanho, numa época em virou quase exclusividade os poemas curtos, de apenas 3 a 5 versos. Em linguagem trabalhada, de quem conhece o seu ofício, o poeta aborda os incêndios que aterrorizaram Teresina, na década de 1940, quando vários casebres de palha foram misteriosa e perversamente consumidos pelo fogo, sem que se saiba até hoje, com certeza, quais foram os seus autores e mandantes. Várias obras abordam o assunto, mas sempre na base de suposições, de hipóteses, de especulações. O poema foi elaborado em dez movimentos, e a sua musicalidade e diversidade rítmica e rímica, que englobam versos longos e curtos, com poucas ou muitas sílabas métricas, com rimas toantes e consoantes, em ritmos que, em alguns trechos, trazem ressonâncias de cancioneiros populares, remetem a uma espécie de sinfonia poética, ou até mesmo a algo semelhante a uma ópera ou teatralização poética, sendo de se enfatizar que o autor é um dramaturgo experiente e respeitado. Em algumas passagens faz referências a figuras da mitologia greco-romana, o que denota a cultura literária do autor. Pelas notas e pela bibliografia se percebe que o poeta fez uma acurada pesquisa historiográfica, com o que enriqueceu o poema. Ao longo do texto surgem pessoas do povo, os filhos de ninguém, os miseráveis, os chamados pobres diabos, as principais vítimas da tragédia premeditada e criminosa, mas também aparecem os poderosos da época. Em certas cenas, podemos perceber os costumes e o cotidiano de então, tendo por pano de fundo essa história ainda envolta nas brumas do mistério e das especulações do imaginário individual e coletivo. Em síntese, é um belo poema, feito com muito esforço, transpiração, inspiração e pesquisa, mas a que não faltam a habilidade e o talento do mestre que o concebeu.