domingo, 15 de dezembro de 2013

Seleta Piauiense - Nogueira Tapety (1890 - 1918)


Holocausto

Nogueira Tapety (1890 - 1918)

Eu devia prever que toda essa locura
E esta dedicação com que te tenho amado,
Não podiam mover-ter a impassível ternura
Pois nunca existiu o bem com o bem recompensado.

Entretanto, bendigo a terrível tortura
E os súplicos cruciais por que tenho passado,
Pois sofrendo por ti, eu sinto que a amargura
Tem o doce sabor de um fruto sazonado.

Olha bem pra mim: vê que vinte e seis anos
Não podiam me ter por tal forma abatido
Nem roubar minha força e vigor espartanos,

Se estou precocemente exausto e envelhecido,
É do efeito fatal dos tristes desenganos
E do atroz desespero em que tenho vivido.      

sábado, 14 de dezembro de 2013

Fantásticas profecias messiânicas


José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

          Minha fé cristã, de vivência católica, dispensa fronteiras. Membros da Igreja Batista costumam convidar-me para reuniões em família.  Estuda-se a Bíblia, associada ao cotidiano das pessoas, sem confrontos de igrejas, ora-se, serve-se lanche. Neste dezembro, comemorou-se a tradicional confraternização natalina,  com amigo oculto, reflexões bíblicas, brincadeiras, sucos, a ceia. Espírito natalino do qual papai-noel não faz parte, mas Cristo aniversariante. Pediram-me a palavra, destaquei algumas profecias messiânicas do Antigo Testamento. Fantásticas, porém desconhecidas de muita gente, inclusive de habituais paroquianos.

            Textos bíblicos começaram a ser produzidos, a partir de quase mil e quinhentos anos antes de Cristo. Primeiro autor, Moisés, descendente do patriarca Abraão, educado na alta corte de Faraó, colheu informações da memória coletiva e escreveu o Gênesis, entre outros. No terceiro capítulo, início da civilização humana, Deus revela a primeira profecia messiânica, um libelo contra a serpente (o Maligno): “Porei ódio entre ti e a mulher, entre a semente da tua descendência (filhos do pecado original) e a semente da mulher (o Messias). Ele te visará a cabeça e tu lhe visarás os pés.” Teólogos apontam, nesta profecia, a futura mãe de Jesus, e a luta do Salvador contra o Satanás na descendência de Eva. No Nargum (textos que circulavam nas comunidades judaicas, até 250 anos antes do nascimento de Cristo, que serviam de orientação para leitura da Bíblia), encontra-se uma passagem significativa sobre a profecia: “Quando a descendência da mulher guardar os mandamentos da Lei, eles se voltarão diretamente contra ti (o Maligno) e esmagarão a tua cabeça. Mas quando abandonarem os mandamentos, tu te voltarás diretamente para eles, e tu os ferirás no calcanhar. Contudo para eles haverá um remédio... No futuro, eles estarão em paz com o calcanhar, nos dias do rei, o Messias”.

            Dois milênios antes de Cristo, Deus promete ao patriarca Abraão, raiz do povo hebreu: “Na tua descendência (o Messias), serão benditas todas as nações”. (Gênesis, 22). O projeto da salvação humana não se restringe só ao povo judeu. Jesus enfrentou essa ideologia judaica, comendo com pagãos, visitando e curando romanos imperiais, visitando territórios  inimigos dos judeus.

            Jacó, filho de Abraão, no leito de morte, abençoou cada um de seus 12 filhos. Ao por as mãos sobre Judá, profetizou: “Não se apartará o cetro (reinado) de Judá, nem o bastão de comando, até que venha aquele (Messias) a quem devem obediência aos povos”. Jesus descendia dessa tribo.

Aproximadamente, dez séculos antes de Cristo, o profeta Balaão, em êxtase, profetizou: “Vê-lo-ei, não agora, nem de perto. Uma estrela (o Messias) procederá de Jacó, de Israel subirá o cetro...” (Números, 24). Profeta Isaías, sete séculos antes, anteviu o Messias: “Do tronco de Jessé (pai do rei Davi), sairá um rebento, e das suas raízes um novo rebento (o Messias)” (Isaías, 11). Mais adiante: “Uma virgem conceberá e dará à luz um filho, chamado Emanuel (isto é, Deus no meio dos homens).” Naquele mesmo tempo, o profeta Miquéias anunciava: "E tu, Belém de Éfrata, de ti, tão pequenina, sairá o que há de reinar, cujas origens são desde a eternidade.” Esta profecia me chama atenção para o primeiro capítulo do evangelista João, uma obra-prima da literatura universal: “No princípio era o Verbo (o Messias), e o Verbo estava junto de Deus e o verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus,... e o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Paro por aqui. Um arrepio de espírito natalino me toma conta. Nem a ceia natalina e presentes me seduzem tanto.    

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

José Castello: O rato da roupa de ouro

Flagrante da solenidade de lançamento, vendo-se Dílson Lages  Monteiro, Homero Castelo Branco, Elmar Carvalho, Reinaldo Torres e Antenor Rego Filho

José Castello

Chega-me de Teresina, Piauí, “O rato da roupa de ouro”, narrativa infantil de Dilson  Lages Monteiro (FOTO), com ilustrações de Ângela Rego (Nova Aliança Editora/Portal Entretextos). Um delicado esforço para aproximar as crianças de um dos mais complexos temas do mundo contemporâneo: o poder. Crianças precisam de limites.
A compreensão da opressão, porém, as ajuda a entender melhor os limites desses limites e a distinguir o respeito ao outro do desprezo pelo outro. Um tema doloroso, que Dílson transforma, porém, em um relato inspirador. “A sombra da lua caminhava entre pedras. Galhos secos espreguiçavam seus braços e pernas”, começa Dilson, humanizando a natureza e tornando-a menos angustiante.
Os animais que a habitam vivem sob o jugo de um rato. Ele dá as regras, ele diz como cada um dos bichos deve ser. “Vence os dias o mais adaptado, o mais rápido, o mais atento, o maior em esperteza e sabedoria”, pensa. E é assim, segundo seus próprios valores, e sem considerar os alheios, que governa um casarão abandonado.
Tanto o rato é esperto que, em vez de impor seu governo com a violência, o impõe com a adulação. Sua política é a da submissão de almas. Tira seu poder não tanto da força, que não tem, mas da astúcia, precioso e perigoso veneno. Mas o rato também tem seu limite: a cobra, que desliza pelas frestas do casarão. Diante dela, o rato todo poderoso treme. A cobra é seu inferno e, mais que isso, a fronteira que delimita seus atos.
Talvez — penso aqui — a cobra o leve a experimentar a precariedade do poder.

Escritores conhecem isso muito bem. Com seus rascunhos, anotações, esboços, eles tentam controlar narrativas e personagens sobre os quais, a rigor, não têm controle algum. Todo escritor tem um limite: sua própria fraqueza. Também o rato, cada vez que se defronta com a cobra, prova dessa fronteira precária que ele, no entanto, logo ignora.
O relato de Dilson é narrado por um frágil gafanhoto que, a toda hora, é obrigado a ouvir do rato uma ameaça: “Quero ver apodrecer cada pedaço de sua folhagem, gafanhoto imprestável”. O poder é cheio de vielas e de becos escuros. Na escuridão de suas entranhas muita coisa parece ser o que não é. “Cheguei a pensar que me poupava em sinal de gratidão”, admite o gafanhoto. “Eu ensinei o rato a pular e isso lhe permitiu saltar para um galho quando, de surpresa, uma serpente deslizava, pronta para o ataque”. Mas se existe algo que o rato — o poder — não tem é gratidão. Não tem limites para seu ódio. Também com os grilos e os caracóis o rato aprendeu a transformar-se em coisa morta, aprendeu a camuflar-se. Julgava não lhes dever nada por isso. Mas o poder vê a piedade como uma forma de medo.
Qualquer leitor, por mais jovem que seja, pode constatar as insuficiências do poder que o rato acredita possuir. A começar por sua veneração pela serpente — “Admiro mesmo os mais fortes” — que, apesar de majestosa, é a fronteira de sua desgraça. O rato admira ainda as borboletas e os insetos voadores, porque, do contrário, com o frágil recurso da leveza, são capazes de escapar de situações que, para ele, pesado e  iludido, se transformam em intenso perigo.
Um dia, uma tempestade arrasta o rato poderoso para um buraco, onde ele se vê prestes a sufocar. A natureza é muito mais forte do que ele, com sua arrogância, supõe. O gafanhoto se protege da enxurrada montado no topo de uma árvore bem alta. “Do rato, só tive notícias no dia seguinte. Para minha surpresa, dava ordens em um palácio”. A arrogância do poder não tem fim e, mesmo da desgraça, um rato pode tirar mais força. No buraco, seu corpo, em vez da lama, se cobre com um estranho  pó amarelo, que ele logo entende tratar-se de ouro. Mais ainda: logo entende que se tornou num pequeno Midas, que transforma tudo o que toca em ouro também. “O rato, então, percebeu que um poder misterioso tornava ouro tudo o que tocava”.
A generosidade do poder parece inesgotável, enquanto, na verdade, ela só se impõe sob certas condições. Se damos atenção a suas palavras, vemos que esse poder gerado pela desgraça se torna ainda mais ameaçador. Mas é ele quem ameaça: “Quem não obedecer transformarei em ouro”.
Só resta a sapos, grilos e gafanhotos, abatidos como escravos, transportar pedaços de ouro para a toca real. “No buraco já não cabia peça de ouro”. Mas o rato irá aprender que o poder é transitório, que a realidade dá bruscas guinadas e, quando menos se espera, inverte o destino das coisas. A realidade é fluida, móvel, e mesmo o mais sólido poder, mais cedo ou mais tarde, pode ser arrastado pela enxurrada do real.
Uma nova tempestade transforma seu buraco de ouro e pureza em um mar de lama. “Parece que as águas de todos os esgotos da cidade andavam juntas, tamanha a força com que entravam no esconderijo dos bichos”. A lama é o reverso do ouro. Ela surge para indicar não só os limites do poder, mas parte expressiva de sua origem.
O poder é fluido porque ele é sempre uma tomada de posição diante do poder. O que faço? O que efetivamente posso fazer? O que faço com o que efetivamente posso? Perguntas complexas atapetam o caminho dos poderosos. A única maneira de tornar-se digno do poder é, em vez de descartá-las, enfrentá-las. Mas o rato, confuso, levado pela lama revolta, desmaia. “Acordou faminto, no antigo buraco em que morava. Olhou ao redor. Ninguém. Ia sair, mas tremeu. Sentiu a respiração das serpentes”. O limite do poder é outro poder.
Enquanto isso, o grilo — que sempre apostou na leveza e nos saltos e se contentou com a precariedade de sua pequena força —, sarado da perna, volta a sorrir. Ele compreende que o poder é leve e transitório. Nunca dele esperou a salvação, mas apenas uma forma precária de proteção. Nunca o viu como destino final, mas como um caminho não para levá-lo para fora de si, mas para trazê-lo de volta a si. Por isso continua livre.
A história de Dílson Lages Monteiro conduz seus pequenos leitores a uma confrontação precoce (e divertida) com a fragilidade dos valores humanos. Mostra-lhes que eles são móveis, que eles são instáveis, que eles são transitórios — que eles são, enfim, o que define o próprio humano.


Fonte: Portal Entre-textos

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SOBRE O JORNAL INOVAÇÃO


Membros do jornal Inovação no bar Recanto da Saudade, do saudoso Augusto (em pé, no 1º plano)


Membros do Jornal Inovação, sob o cajueiro de Humberto de Campos, vendo-se, da esquerda para a direita, no 1º plano: Bartolomeu Martins, Vicente de Paula (Potência), Elmar Carvalho e Canindé Correia; 2º plano: Danilo Melo, Francisco (Neco) Carvalho, Diderot Mavignier, Franzé Ribeiro, Sólima Genuína, Bernardo Silva, Reginaldo Costa e Paulo Martins; 3º plano: Jonas Carvalho, Israel Correia, Porfírio Carvalho, Wilton Porto, Alcenor Candeira Filho e Flamarion Mesquita. Percebe-se, nesta fotografia, a felicidade dos retratados com esse reencontro, posto que vários moravam em outros estados e municípios. Hoje, a maioria já não reside em Parnaíba



DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SOBRE O JORNAL INOVAÇÃO

Quem desejar ter maior conhecimento sobre a história, cultura, administração pública, economia, cultura e literatura de Parnaíba, sobretudo nos anos 1970/1980, deverá ler a dissertação de mestrado “Inovadores Parnaibanos: A Produção do Jornal Inovação de 1977 a 1982”, da autoria de Fábio Nadson Bezerra Mascarenhas. Para tanto, deverá colocar o título no site Google (ou outro sítio de procura) e efetuar a busca. Eu preferi imprimir e encadernar a dissertação, que me permite uma leitura mais confortável e um manuseio mais cômodo.

A obra, na sua parte introdutória e na contextualização, remonta ao apogeu econômico de Parnaíba, razão pela qual abrange os anos que vão de 1890 a 1950, sobretudo. Sua bibliografia é muito vasta e conta com centenas de notas de rodapé, nas quais as fontes das informações são indicadas. A banca examinadora foi composta pelos professores doutores Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz (orientadora), Marcelo de Sousa Neto e Francisco Alcides do Nascimento. Fábio Nadson teve acesso a todos os números do jornal Inovação, publicados no corte cronológico que a dissertação abarca. O periódico foi abordado nos aspectos ideológicos, social, gestão pública, economia, arte e literatura, conforme as matérias que ele publicou.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Discurso proferido pelo Sr. Francisco da Silva Cardoso por ocasião do recebimento do Título de Cidadão Honorário de Teresina



Discurso proferido pelo Sr. Francisco da Silva Cardoso por ocasião do recebimento do Título de Cidadão Honorário de Teresina (*)


O rio atinge os seus objetivos porque
aprendeu a contornar os seus obstáculos.

André Luiz


Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Teresina, digníssimo vereador Rodrigo Martins,
Ilma. Sra. Vereadora Tereza Brito, autora da proposta que me concedeu o honroso título de Cidadão Teresinense, em nome de quem cumprimento os demais parlamentares deste Senáculo e agradeço a todos os amigos que vieram me prestigiar.
Digníssimas autoridades, aqui presentes ou representadas, já nominadas
Minha querida esposa Maria de Lourdes Brandão Cardoso, companheira de todas as horas. Diletos filhos Aline, Elaine e Alexandre. Queridos genros Manoel Paz Filho e Leonardo Bluhm. Idolatrados netos Ingrid, Isabele, Giovanna, Lara, Gabriela e o grande Mateus, com quem, ao lado da minha irmã e segunda mãe Maria Cardoso, do mano velho Antônio Cardoso, companheiro de aventuras, de outros familiares aqui presentes e dos amigos, divido essa alegria, que a Câmara Municipal de Teresina me proporciona neste momento singular de minha vida.
Meus senhores e minhas senhoras,
Conferir um título de cidadão honorário é a maior homenagem que o poder legislativo municipal de qualquer cidade presta a uma pessoa. Razão pela qual ser agraciado com essa importante honraria é motivo de alegria, contentamento e orgulho, especialmente quando se trata de uma das mais importantes cidades do país, como é o caso de Teresina, a querida e encantadora Cidade Verde, capital do nosso Estado.
Este título é um privilégio destinado a poucos. Mas, não somente por ser um desses poucos, como também pela reciprocidade da correspondência do amor que tenho por esta terra, sinto-me pleno de felicidade e profundamente emocionado pela significativa deferência.
Ao me conceder este honroso título a câmara municipal de Teresina me proporciona um dos momentos mais importantes de toda a minha vida, fazendo com que o meu coração transborde de alegria.
Para demonstrar minha gratidão pela benevolência desta Augusta Casa Legislativa, por ter chancelado meu nome para constar na galeria dos teresinenses, inicialmente devo agradecer à vereadora Tereza Brito, minha ex-colega de trabalho na CHESF, pela generosidade em descobrir em mim méritos necessários para o referendum. Agradeço também a todos os demais edis, que de forma unânime acataram a proposta.
Meus senhores e minhas senhoras,
Esta sensibilizadora deferência com que o Parlamento Municipal me distinguiu, patenteia o imensurável gesto de nobreza dos vereadores e das vereadoras, que bem representam o povo desta terra, que agora também é minha.
Este diploma é a prova indelével do bem querer que sempre existiu entre mim e esta cidade, pois desde quando aqui cheguei a adotei como minha terra, e agora, ela, que sempre tão bem me acolheu, adota-me oficialmente como um dos seus filhos.
Em julho de 1957, depois de uma passagem pela cidade de Campo Maior, para onde minha família mudou-se de Barras, em razão da transferência de meu pai, que era funcionário de carreira dos Correios e Telégrafos, decidi tentar a vida em Teresina.

Ainda me lembro daquela saudosa manhã em que, como passageiro do ônibus-gaiola da empresa Zezé Paz, chegamos no ponto final da viagem, que no caso era a Praça Saraiva. Ao descer na agência, gerenciada pelo “seu” Zé Baú, pai de “dona” Desterro, viúva do proprietário da empresa, recebi meus pertences constituídos por uma velha mala de madeira e minha bicicleta, que vinham no bagageiro instalado acima do teto daquele transporte de passageiros, que era conhecido popularmente como “horário”.
Ao contemplar a cidade grande, onde já havia estado, tive a certeza que estava no lugar certo para alavancar a minha vida estudantil, social e profissional.
Em Campo Maior, vivi parte da infância e adolescência. Foi lá, na inesquecível “Terra dos Carnaubais”, onde, como aluno do Grupo Escolar Valdivino Tito, concluí o curso primário iniciado no Grupo Escolar Matias Olímpio, em minha terra natal.
Lá também, como estudante do Ginásio Santo Antônio, iniciei o curso ginasial, mas antes da colação de grau, transferi-me para Teresina, onde passei a estudar no Colégio São Francisco de Sales para, enfim, concluí-lo e iniciar o Curso Científico, que teve continuação no Colégio Desembargador Antônio Costa e no tradicional Colégio Estadual Zacarias Góis, o famoso Liceu Piauiense, que à época possuía o melhor corpo docente do Estado, constituído, entre outros, pelos professores Camilo Filho, Paulo Nunes, A. Tito Filho, Nelson Sobreira, João Alfredo e o Dr. Petrarca Sá.
Apesar da falta de oportunidade da época, resolvi seguir em frente nos estudos e com muito esforço me licenciei em Geografia e OSPB (Organização Social e Política do Brasil), pela Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, onde, com apoio dos colegas presidi o Departamento Nacional do Estudante e o Diretório Acadêmico “Dom Avelar Brandão Vilela”. E, como tal, a convite do então governador do Estado do Piauí, Dr. Petrônio Portela Nunes, juntamente com o presidente do Diretório da Faculdade de Direito do Piauí, Pedro Nolasco, e do presidente da Faculdade de Odontologia do Piauí, Vespasiano, fomos ao Palácio de Karnak para cumprimentar o Excelentíssimo Sr. Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, e reivindicar pela criação da Universidade Federal do Piauí, fazendo com que o primeiro mandatário do país empenhasse a sua palavra e viesse posteriormente atender ao nosso pedido.
Ainda como líder estudantil, fui secretário de Educação e Cultura do Centro Estudantal Piauiense.
Na vida funcional trabalhei como funcionário da Casa Marc Jacob S/A, no Colégio Agrícola de Teresina e na Companhia Hidro Elétrica de Boa Esperança, que posteriormente foi encampada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, onde exerci várias funções.
Em 1994, na véspera da minha aposentadoria, enveredei pela seara da literatura, escrevendo meu primeiro livro intitulado “Memórias da Adolescência – Venturas e Aventuras em Campo Maior”.
A obra, fruto das minhas reminiscências, tem como cenário e pano de fundo a “Terra dos Carnaubais” e, como personagens, além do próprio autor e seus colegas de travessuras, inclui muitas pessoas da cidade, especialmente as figuras folclóricas.
Alguns dos fatos narrados nesse livro foram transcritos por Reginaldo Lima, em “Geração Campo Maior – Anotações para uma Enciclopédia”, editado em 1995.
Com a publicação desse meu primeiro livro, que a priori foi feito apenas por diletantismo, ingressei no meio intelectual, passando a conviver com alguns expoentes das letras. Dentre eles, para não me alongar muito, menciono apenas João Alves Filho, atual presidente da Academia Campomaiorense de Artes e Letras; o poeta e magistrado campomaiorense Elmar Carvalho, que muito me incentivou a dar os primeiros passos na carreira literária, e o dicionarista biográfico, historiador, poeta e romancista Adrião Neto, autor da ideia da inclusão da data histórica da Batalha do Jenipapo na Bandeira do Piauí, bem como do “Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos”, editado em 1998 e do “Dicionário Biográfico Virtual de Escritores Piauienses”, editado na Internet, nos quais tenho a honra de figurar, com generoso verbete biográfico, na seleta galeria dos escritores ali imortalizados.
Sentindo-me estimulado pela inclusão nessas duas importantíssimas obras, tomei gosto pela arte de escrever, vindo posteriormente a publicar dois outros livros, intitulados “Memórias de Campo Maior” e “Trajetória de um Guerreiro”. Além do mais, escrevemos também dois outros trabalhos a serem publicados brevemente, sendo um deles sobre minha vivência como estudante pobre em Teresina.
Recordando a minha chegada aqui na capital, que já vai para mais de meio século, guardo gratas lembranças daqueles tempos quando a cidade ainda era “menina-moça”, cheia de alegria, de amor e meiguice. Daquela Teresina sem drogas, sem bandidos, sem violência e sem muita maldade.
Relembro da vida feliz em companhia dos colegas, como Pedro Policarpo, Custódio Prado, Norberto Mendes, Jesus Boaneres, Arimateia Teles, Sales e Aderbal Lopes de Aquino.
Muitas vezes, para sairmos da rotina do colégio, do cinema e da Pedro II, à noitinha, gaseávamos as aulas do Diocesano e, em bicicletas, fugíamos para as quermesses nos festejos das igrejas da Praça Saraiva, da Piçarra e da Vermelha.
Algumas vezes íamos até a cidade de Timon para as festividades católicas em homenagem a São José. A travessia era feita em canoas movidas a varas, singrando as águas claras e espumantes do “Velho Monge”, a nos deleitar ao som da voz de ouro de Aderbal imitando Nelson Gonçalves, o grande seresteiro do Brasil.
Recordo também da panelada do guarda civil Carneiro, no seu “freje”, situado próximo à ponte do Mafuá; do cafezinho e do filé à cavalo, servidos no bar e restaurante Acadêmico, de propriedade de Pedro Quirino; da mão de vaca e da panelada conhecida popularmente como “filé de bainha”, do restaurante Centenário, do “seu” Mário Campelo, ambos situados ao derredor da Praça Pedro II, e do caldo de cana, com pão massa-grossa, do “seu” Sula, ali próximo ao Liceu.
Trazendo o passado para o presente, recordo das “Paradas do Sete de Setembro”, com a participação de todos os colégios a desfilar na Frei Serafim, onde também a briosa Polícia Militar destacava-se, com seu passo cadenciado, seguindo o ritmo das marchas e dos dobrados executados por sua banda, que contagiavam e emocionavam a todos os presentes.
Depois do ato cívico, grande parte dos estudantes concentravam-se na parte de cima da praça Pedro II para paquerar.
Recordo ainda dos carnavais de rua, com o povo a se movimentar nos dois níveis da Pedro II, na Antonino Freire e na Frei Serafim, onde todos dançavam e pulavam numa euforia sem limites.
De lá, a certa hora da noite, parte dos fuliões deslocava-se para o tradicional Clube dos Diários, para brincar e assistir ao desfile dos blocos carnavalescos da alta sociedade, com seus ricos trajes, a desfilar pelo salão.
No entanto, a parte mais interessante do carnaval de rua era os tradicionais corsos em carrocerias de caminhões, sempre muito bem enfeitados, com as raparigas da famosa Paissandu, a dançar e pular extravasando-se de alegria e a saudar a plateia constituída por todas as classes sociais, ocasião em que seus “clientes”, acompanhados dos familiares, viravam a cara para não dar “manchete”.
Recordo das tertúlias domingueiras patrocinadas pelo Clube dos Diários, onde, de cara, os sócios deparavam-se com Marcelino, o porteiro atento e rigoroso, que só deixava as pessoas entrar se estivessem em dias com as mensalidades. Se não estivessem, não adiantava argumentar. Para ele não importava se fosse “filhinho de papai”, o que valia era estar adimplente. Por conta dos “ossos do ofício” e de sua tenaz inflexibilidade muita “gente boa”, foi, literalmente, “barrada no baile”.
Naquele tempo existiam ainda os tradicionais rádios-baile, que aconteciam nas noites de sábado em algumas residências de certas famílias extrovertidas.
Dentre outras reminiscências, recordo com saudade dos banhos nas “coroas” do Parnaíba, bebericando e tirando gosto com piaba frita.
Relembro dos filmes no Cine Rex e no “4 de Setembro”, onde, no escurinho, os casais aproveitavam para fazer uma carícia mais atrevida.
Guardo ainda vivo na memória a própria praça Pedro II de antanho, onde principalmente nas quintas e domingos era tomada por grande multidão, notadamente pela juventude, cuja maioria era do interior do Piauí e do Maranhão. Acorriam ao local para paquerar e para saber notícias de suas cidades.
Recordo dos alienados como Jaime Doido, muito zangado e com mania de ser político; Manelão, também conhecido como Avião, apaixonado por filmes e amigo de crianças; Braguinha, com farta cabeleira e sempre com um paletó surrado ofertado por alguém, a exibir seu horroroso defeito físico que lhe desfigurou o rosto, mesmo assim, considerava-se bonito e cobiçado pelas mulheres.
Relembro dos mendigos que ficavam nas filas dos cinemas, com as mãos estiradas a azucrinar as pessoas, como o Perna de Pistola, o Bebê Chorão e a velha Tustão, que sempre andava com uma rodilha na cabeça.
Recordo de muitas outras pessoas, inclusive das desocupadas, das cinemeiras e das carnavalescas, como Mudinha, Nicinha e tantos outros que vagueavam pelas principais ruas da cidade, especialmente pela Praça Pedro II.
Meus senhores e minhas senhoras, quero lhes confessar que no meu íntimo eu já me sentia cidadão teresinense por conta própria, mas ser reconhecido oficialmente como tal faz uma grande diferença na minha vida.
Estou imensamente feliz e estejam certos, senhor presidente, senhores vereadores, senhoras vereadoras, meus senhores e minhas senhoras que jamais os decepcionarei, continuarei pautando minha vida pela mesma trilha de retidão, só que agora mais enriquecida e com a responsabilidade de honrar este título, que acabo de receber, fruto da generosidade e benevolência dos nobres parlamentares desta terra promissora que tão bem me acolheu.
Finalizando, mais uma vez, quero agradecer de coração a todos que me honraram com suas presenças, especialmente o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Teresina e, principalmente, à vereadora Tereza Brito pela demonstração de amizade e apreço.

(*) Discurso proferido no dia 02 de dezembro de 2013, às 19:30 horas, no Plenário Vereador José Omatti, Câmara Municipal de Teresina.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Elmar Carvalho é filho de Amarante




Foi uma grande festa nesta sexta-feira (06-12) na Terra Azul do Poeta Da Costa e Silva. Na oportunidade, Elmar Carvalho, um dos maiores poetas piauienses da contemporaneidade, recebeu o “Título de Cidadão Amarantino”. Pessoas ilustres de Amarante se fizeram presentes ao acontecimento, como foi o caso do professor Marcelino Barroso que deixou de participar de uma festa de formatura em Teresina para partilhar da alegria de Elmar (seu ex-aluno) em se tornar amarantino. Além de Marcelino, Raimundo Cutrim , Homero Castelo Branco, Dr. Netanias (juiz de direito de Amarante), Dr. Afonso Aroldo (promotor púiblico) e os familiares do neoamarantino estavam presentes.

Na solenidade, o prefeito Luiz Neto usou da palavra para saudar o novo filho de Amarante, tecendo verdadeiros elogios à gloriosa vida literária de Elmar Carvalho. O vereador José Orlando, representando à Câmara Municipal deu as boas vindas ao poeta e disse que todos estavam felizes com aquele momento tão significativo da vida cultural de Amarante. Após a solenidade da entrega do título, Elmar Carvalho fez questão de presentear a todos com sua obra “Amar Amarante” produzida especialmente para o momento do recebimento de sua outorga. Além do livro, Elmar presenteou a Câmara e a Prefeitura com belíssimos quadros com a sua poesia “Amarante”.

Usaram da palavra, no lançamento da obra, o escritor e membro da Academia Piauiense de Letras, Homero Castelo Branco, Marcelino Barroso e Virgílio Queiroz. Marcelino falou de sua admiração pelo trabalho de Elmar, enquanto Homero discorreu sobre a cultura popular de Amarante e da alegria de um novo filho para a sua Terra Natal. Virgílio lembrou os momentos importantes de sua amizade com Elmar Carvalho e de sua admiração pela força literária do grande poeta. Elmar agradeceu dizendo que aquele era um dos momentos mais significativos de sua existência. Após as duas solenidades, todos foram convidados para um banquete na residência do prefeito Luiz Neto.

Fonte: Portal Meio Norte/Blog Amarante     

domingo, 8 de dezembro de 2013

Seleta Piauiense - Alcides Freitas


Hamlet

Alcides Freitas (1890 - 1913)

Não sei que estranha dor meu peito dilacera,
Que esquisito negror meu espírito ensombra!
Tenho sorrisos de anjo e arreganhos de fera,
Sinto chamas de inferno e frescuras de alfombra!

Sou malvado e sou bom! Minh'alma ora é sincera,
Ora de ser traidora ela própria se assombra!
Que clamores de inverno e paz de primavera!...
Escarneço da morte e temo a minha sombra!

Nervo a nervo, a vibrar, misteriosa e vaga,
Anda-me o corpo todo a nevrose de um tédio,
Que dos pés à cabeça atrozmente me alaga ...

Onde um recurso ao mal que me banha e transborda?
Minha dor é sem fim! Eu só tenho um remédio:
O suicídio - uma bala.:. um punhal... uma corda!...   

sábado, 7 de dezembro de 2013

O VAPOR DO PARNAÍBA NÃO NAVEGA MAIS NO MAR


Edmar Oliveira

            Saía um vapor do cais do Parnaíba, que nem trem, puxando várias barcaças. Carregado de gêneros de primeiras necessidades. Como se fosse uma mercearia deslizando no rio. Sabão, óleo, açúcar, sal, e umas brevidades que a cidade anunciava estavam no balcão flutuante. A tarefa era trocar estas mercadorias por coco babaçu e cera de carnaúba, que seriam beneficiados na capital e eram artigos de grande valia. O comboio subia o rio por uma margem e voltava pela outra. Escambo era a forma econômica de então. Não tinha dinheiro na transação. O convencimento, a barganha, o espírito do árabe que habita cada nordestino fazia o acontecer do toma-lá-dá-cá, das negociações. Ia uma barca mercearia, voltava uma barcaça de matéria prima pros ingleses que exploravam os nativos. Meu velho pai fazia o papel do representante do inglês. Enrolando seus conterrâneos, com certeza. Só quem não conhece a leis da economia acha correção no comportamento dos negociantes. Quem se deu bem conta a história, quem fracassou, nem sei.

            E lá se ia o vapor e seus vagões. Barcaça seca, barcaça cheia, sempre que mais cheia do que veio. O querosene valia muito mais que o babaçu. E quem pesava tava quase sempre na barca, não na terra. Me lembro destas viagens, nas que acompanhei meu pai, e do rio. O Parnaíba parecia um mar. Talvez na minha imaginação, mas com certeza no avançar das águas que ainda não tinham sido presas na Barragem de Boa Esperança, que acabou com a esperança do rio correr pro mar e carregar o vapor e as barcaças.

            Ainda me lembro dos vapores de passageiros. O mais famoso deles era o vapor do Rafael. Não sei quem era o Rafael, mas certamente ele tinha orgulho de sua propriedade para botar seu nome no casco. Os vapores eram de aço com uma chaminé fumarenta que apitava na chegada e na saída do porto. Um verdadeiro navio com um convés cheio de redes, balaios com galinhas, potes de barro, malas de couro. Mas um luxo a viagem! Nem todo mundo podia viajar de vapor. De Palmeirais a Teresina era rápido. Voltar contra a correnteza levava mais que o dia todo. Quando me perguntam se nunca fiz um cruzeiro conto as aventuras no Parnaíba. Pobre ia às balsas desfraldadas, feitas com buriti e com uma casinha de palha de coqueiro. E lá iam os balaios de galinhas, potes e outras cerâmicas de barro, bacuri, pequi, pitomba, macaxeira e verduras, que eram comercializados no cais de Teresina. Inclusive as balsas eram desmanchadas e vendia-se até os paus de buriti (pra fazer cerca ou gaiola) e a cobertura de palha, já que balsa só desce o rio e não tem viagem de volta. O retorno era no pau-de-arara ou no lombo de burro. Eu tinha loucura pra viajar numa balsa, mas nunca tive o desejo realizado.

            Diziam que estes pequenos e valentes navios eram fabricados na Inglaterra e vinham navegando até o delta do Parnaíba, onde entravam sertão adentro para fazer do rio uma estrada. E neles viajei muito. Conhecia aquelas beiras de rio, seus povoados, pescadores e lavadeiras olhando do alto do convés do vapor ou de dentro de uma barcaça puxada por um vapor de carga, que funcionava como locomotiva das águas.



            Lembro destas histórias porque outro dia olhava o rio do cais de Teresina. E ele parecia me dizer o quanto estava sofrendo. Os bancos de areia, que nós chamamos de crôa ou coroa, pareciam sufocar o rio. O assoreamento de suas margens, o correr vagaroso do rio, parecem sinais clínicos de falta de ar. O odor fétido de suas outrora luminosas águas anuncia uma grave doença. Desde que prenderam suas águas em Boa Esperança o rio vem perdendo a esperança de viver. Parece que vai morrer. E isto dói muito em mim...  

Fonte: Blog Piauinauta 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Elmar Carvalho recebe o Título de Cidadão Amarantino


 O poeta Elmar Carvalho receberá no próximo dia 6, sexta-feira, às 19 horas, no plenário da Câmara Municipal de Amarante, o Título de Cidadão Amarantino. A honraria foi proposta pelo vereador Inácio Pinto de Moura, e teve a anuência de seus pares e do prefeito Luís Neto Alves de Sousa.

Ao longo de várias décadas, Elmar Carvalho participou de vários eventos culturais em Amarante, escreveu um poema de igual título e várias crônicas em que tratou da cultura e da história amarantinas. Ao lado de vários intelectuais, combateu a construção da barragem de Castelhano, que além de prejudicar o rio Parnaíba poderia causar danos ao patrimônio arquitetônico da bela e bucólica cidade ribeirinha.

Quando presidiu a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI, no final da década de 1980, Elmar Carvalho lançou uma campanha para que os restos mortais do poeta Da Costa e Silva fossem trasladados para Amarante, tendo usado como principal argumento o pedido do poeta, expresso no soneto em que disse: “Terra para se amar com o grande amor que eu tenho!/ Terra onde tive o berço e de onde espero ainda/ Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho!” O poeta Virgílio Queiroz, recentemente, com o apoio de Elmar e outras pessoas, retomou essa luta. O prefeito Luís Neto prometeu construir o monumento do último desejo do poeta e um memorial em honra de Da Costa e Silva.

Na solenidade de outorga do título, será lançado o livro Amar Amarante, da autoria de Elmar Carvalho, que reúne o poema Amarante e vários textos em prosa, sobretudo crônicas, sobre a cultura, a literatura, a história e a paisagem amarantinas. Será apresentado pelo escritor Homero Castelo Branco, membro da Academia Piauiense de Letras, que nasceu na “Cidade Azul de Da Costa e Silva” e é autor do livro Ecos de Amarante.

A obra foi prefaciada pelo amarantino Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que foi mestre do autor, no Curso de Direito da Universidade Federal do Piauí, e traz depoimento do escritor, jornalista e poeta Virgílio Queiroz. Ana Cândida Nunes Carvalho é a autora das fotos da capa.

Elmar Carvalho disse que o Título consolida uma situação fática, pois ele já se considerava um cidadão amarantino, terra à qual se sente ligado por laços culturais e sentimentais, e onde tem vários amigos.   

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

UM POETA NO TEMPLO DE CLIO (*)

Charge: Gervásio Castro
Charge: Gervásio Castro

UM POETA NO TEMPLO DE CLIO (*)


Elmar Carvalho

Ora, direis, entre o espanto e a perplexidade, um poeta tomando assento no templo máximo da História e da Geografia do Rio de Janeiro, na qualidade de sócio correspondente de seu Estado natal, o Piauí!?...
É que os senhores verificaram que, embora eu seja intrinsecamente e sobretudo um poeta, tenho cantado, com muita ênfase e muita determinação, a paisagem física, histórica e sentimental de minha longínqua e humilde província.
Aqui, pois, estou eu, um poeta matuto, em plena capital cultural do país, entre o que há de mais seleto no mundo da História e da Geografia, no firme propósito de honrar e merecer a elevada distinção que os senhores me conferiram, tentando percorrer o caminho que vários de meus conterrâneos seguiram em plagas cariocas. A seguir, a título de ilustração e comovida homenagem, apresento uma sintética amostragem de ilustres membros de estirpes piauienses que perlustraram e ilustraram o Estado do Rio de Janeiro, com o melhor de seu esforço, labor e inteligência, todos aqui presentes, seja apenas em espírito, seja espiritual e materialmente, abrilhantando esta tarde de cultura e saber, tão importante para mim em sua singeleza, cuja memória se fará eterna em minha alma e em meu coração:
O valoroso Bugija Brito, de imorredoura memória, escreveu páginas admiráveis, em seu estilo torrencial e inconfundível, em que abordou, com muita propriedade, os mais variados assuntos, muitos deles referentes ao seu e meu Piauí. Amélia de Freitas Beviláqua, talentosa e irrequieta, talvez a maior expressão feminina do ativismo literário da primeira metade deste século. Um sábio, neurologista de fama internacional, membro das Academias Brasileira e Piauiense de Letras, Deolindo Couto dispensa comentários. Júlio Romão também por aqui espargiu muito de seu talento, sobretudo peças para o teatro. De memória prodigiosa, nesta metrópole viveu, durante vários anos, Cristino Castelo Branco, que presidiu a Academia Piauiense de Letras e a Federação das Academias de Letras do Brasil, cujos escritos, verdadeiros depoimentos, muito contribuíram para o enriquecimento e preservação da historiografia literária de meu Piauí. Assis Brasil, um dos mais fortes e fecundos nomes da romancística atual, nesta cidade maravilhosa esbanja os dons de que é senhor, cabendo evidenciar que muitas de suas obras são romances históricos, nos quais imperam, além da pesquisa, sua imaginação e capacidade de urdir tramas de vigorosa densidade psicológica e emocional. Félix Pacheco, notável político de meu torrão natal, proprietário do Jornal do Commercio, aqui urdiu belos e imortais versos, e tão viva foi a sua presença que terminou por ter o seu nome dado a um Instituto famoso, que grandes e belos serviços presta ao Brasil. Neste Rio de Janeiro residiu o nosso poeta maior, Da Costa e Silva, o poeta da saudade e do “Velho Monge”, que ornou a literatura nacional com os mais extraordinários versos, que algum poeta ousaria escrever. Nesta boa e bela terra mourejaram o Gen. Jonas de Moraes Correia Filho, Secretário de Educação do Rio de Janeiro, Deputado Federal, membro da Academia Carioca de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e o seu filho Jonas de Moraes Correia Neto, também General e igualmente sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que ocupou o elevado cargo de Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Vive aqui Cunha e Silva Filho, arguto e preparado crítico literário, poliglota, mestre em literatura e excepcional ensaísta, que relevantes serviços presta ao magistério carioca. Também nesta plaga, nunca assaz celebrada, vive e labora José Ribamar Garcia, um jurista da melhor cepa, sobretudo no ramo do Direito Comercial, ficcionista de escol, oleiro demiurgo, que do barro de seu torrão natal esculpiu suas criaturas, em cujas narinas infundiu o sopro sagrado da vida. Nesta terra de São Sebastião e do Morro Cara de Cão viveu, durante algum tempo, Mário Faustino, tão cedo arrebatado desta vida descontente, excelso poeta piauiense, que soube fazer um casamento feliz entre a tradição e a invenção em seus versos maravilhosos, e que pontificou no Jornal do Brasil como crítico talentoso e sério, em que, para a pouca idade, já denotava invejável erudição. Mora nesta terra um prezado amigo, cavalheiro de fino trato e esmerada educação, herói da guerra contra o nazi-fascismo, que igualmente pertence ao mundo intelectual, cujo nome declino com reverência: General João Evangelista Mendes da Rocha. Aqui mora e trabalha uma professora, que na verdade é mestra, uma mestra que é doutora, uma doutora que é mais que doutora, porque é uma professora na mais lídima e exata acepção do vocábulo. Refiro-me à professora Miridan Brito Knox Falci, que admiráveis estudos e ensaios tem escrito no campo da historiografia, sempre com muita proficiência, profundidade e ineditismo.
Mais me tenho dedicado a ler do que a escrever, a refletir do que a externar, a ouvir do que a dizer, no longo e penoso esforço de minha literatura. É que prefiro escrever um único bom poema do que várias mediocridades. E isto requer paciência, longa espera, demorada gestação e, muitas vezes, dificultoso trabalho de parto, exigindo ainda o largo uso da tesoura, da borracha e da cesta de lixo, requisitos indispensáveis para quem tem um mínimo de autocrítica.
Ser poeta é perceber as flores e as estrelas que precisam ser percebidas. É ter a antena da sensibilidade voltada para os mais diferentes valores da vida e para as mais variadas formas de manifestação dos sentimentos e da emoção. Descobrir a beleza onde quer que ela se encontre ou se esconda. Garimpar as pedras preciosas que hão de ser garimpadas, e descobrir aquelas que se excedem em pureza e glória. Amar o amor pelo amor do próprio amor. Fugir do trivial e vulgar, sem deixar de ser simples e criativo.
Tenho ainda que explicar por que um poeta se encontra, sem ser um estranho, entre os doutores e sumidades da Geografia e da História, bem à vontade nos domínios da deusa Clio. É que eu, como já disse, en passant, tenho cantado a beleza e a grandeza dos aspectos geográficos e históricos de meu Estado. Tenho divulgado em meus poemas, através de livros, revistas e jornais, um pouco de sua História e Geografia. Sem ser um ecologista renitente e de carteirinha, tenho defendido a sua paisagem natural e arquitetônica. Tenho denunciado os crimes que se cometem contra o nosso patrimônio histórico, arquitetônico e ambiental.
Lá na minha Campo Maior, às margens do Jenipapo, travou-se talvez a mais importante batalha em prol da Independência do Brasil – a Batalha do Jenipapo, injustamente esquecida pelos grandes historiadores de nossa pátria. Eu a celebrei nos versos:

                      O Monumento aos Heróis da Batalha do Jenipapo
recorte de concreto contra a seda azul do céu
em pleno e plano tabuleiro dos grandes campos
de Campo Maior
não obstante bonito é apenas um símbolo da
coragem dos filhos da Terra dos Carnaubais
e de outras terras
(...)

O comandante português, que teve uma vitória de Pirro, pelas conseqüências que lhe adviriam dessa batalha, refugiou-se na Fazenda Tombador, situada nas cercanias da vila de Santo Antônio do Surubim, a velha Campo Maior, a ancestral Bitorocara do saudoso historiador Pe. Cláudio Melo. Essa fazenda existia até bem pouco tempo, quando mão insensível, insensata e cruel a destruiu, no interesse apenas de seu bolso, quando poderia tê-la reformado e preservado, dando-lhe, de preferência, a destinação de museu ou de espaço cultural. Mas se o apego aos metais não permitisse dar-lhe essa destinação, que a reformasse internamente, conservando-lhe a aparência externa, e desse-lhe o uso que melhor sua ganância recomendasse. Também, em versos, combati esse crime imperdoável:

Quando literalmente tombaram
a Fazenda Tombador,
nenhuma voz se levantou,
nem mesmo a voz de alguém,
que clamasse no deserto, clamou.
E a Fazenda Tombador
literalmente tombou.


Sendo Elmar, eu não sou apenas um amante e amado do mar, mas sou o próprio mar – el mar. Ora, tendo contemplado na infância apenas o espraiar dos longos tabuleiros e ouvido somente o murmurante farfalhar das carnaubeiras, custa-me, a mim mesmo, crer que o oceano me tenha fascinado com tamanha intensidade, quando me mudei para a minha mui amada Parnaíba, de longo passado histórico e de cultivada tradição, sobretudo no tempo do fastígio da Casa Grande dos Dias da Silva, envolta em lendas, superstições e mistério, e no tempo do apogeu comercial, em que as alvarengas e barcaças, com os indefectíveis vareiros e porcos d’água, transitavam pelo Igaraçu, nas imediações do Porto Salgado e do Porto das Barcas, ali onde perambulavam as meretrizes dos bailes azuis e outros bailes dos cabarés da Munguba. Cantei esse tempo, imorredouro na saudade:

Hoje o Porto Salgado
sal’do nominal
do naufrágio
de uma barcaça de sal
é salamargo na lembrança
dos vareiros e embarcadiços.

E a água do Igaraçu

é uma lágrima de saudade
(ou sal’dade?)
do fastígio de outrora.
Os parcos barcos são
poemas de chegadas e partidas
e símbolos da decadência.

Entrando talvez na história do cotidiano ou mesmo na história imediata e popular, ou até mesmo nos domínios da geografia humana, registrei em poema – no épico moderno PoeMitos da Parnaíba – tipos populares e folclóricos, que marcaram época e que ainda hoje vivem cada vez mais vivos na memória de muitos. Nesse longo poema desfilam os bêbados, os loucos de todos os gêneros, as prostitutas e os proxenetas, os trágicos, os cômicos, os ridículos, os pitorescos, picarescos e passionais personagens de uma história que não será contada jamais nos livros da história tradicional, mas que teimam em não morrer, na sucessividade das memórias das gerações, que remanescem renitentes no resgate de meus versos:

Derocy

Derocy, Ofélia da Parnaíba,
não era um orador oral:
era um orador boçal
em seus discursos bestialógicos,
ilógicos, escatológicos. Tirava
do sério o homem sério quando
disparava seus disparates.

Marechal
(...)
Davam-lhe plaquetas e selos
e pequenas chapas de metal:
eram as condecorações e os
distintivos com os quais desfilava
entre continências de
risos e zombarias.

Vários sítios e cidades piauienses foram tratados em meus poemas, nos quais evidenciei os seus aspectos pitorescos e peculiares, com a exaltação de suas belas paisagens. Dentre as várias cidades, enfoquei Barras, Barras das sete barras, dos rios, da Ilha dos Amores, a chamada Terra dos Governadores, por ter dado vários governantes ao Piauí e a outros Estados brasileiros, terra que ofertou ao nosso estado vários intelectuais e poetas ilustres. Assim versejei essa terra, à qual sou ligado por laços afetivos e pela memória atávica de meus ancestrais paternos:

(...)
Terra dos Governadores,
do desgoverno das dores
das ciliadas paixões
deliciadas na Ilha dos Amores.
(...)
Terra dos milagres da Alda,
a que morreu virgem,
na vertigem de um sonho
que num átimo se fez e desfez.
(...)

Desde a minha já distante meninice fui fascinado pela velha Mocha, pela querida Oeiras, a primeira capital do Piauí, terra de muita história e muita tradição, que muitos filhos ilustres tem dado ao nosso Estado, nos mais diferentes campos do saber humano e das artes. Abençoada pela Senhora da Vitória, com o seu cetro fulgurante, do alto do Leme, acariciada pelas águas históricas do Mocha e pelas águas mitológicas do Pouca Vergonha, que hoje só tem vergonha da pouca água que tem, adormece e trabalha a velha urbe, emoldurada pelas colinas, que lhe realçam a beleza do perfil. Retratei a velha capital, os seus casarões vetustos, os velhos sótãos e porões, por vezes esconderijos de ratos e fantasmas, os velhos e rugosos prédios, trêmulos, pelos achaques do tempo, as belas palmeiras imperiais da praça das Vitórias, que elegantemente acenam suas palmas, ao dobre dos sinos do campanário da imponente e antiga catedral. Em versos, assim a vi:

(...)
Atravesso a praça das Vitórias
na hora dolorosa das doze badaladas
punhaladas que também me atravessam.

Da casa de doze janelas
doze donzelas me espiam com olhares
que são setas de medo que
assustam e extasiam.
(...)

É chegada mais do que a hora de freiar este comboio quase desgovernado de frases alinhadas ao sabor do acaso, da memória e da emoção.
Sim, porque é uma emoção formidável estar aqui, entre os doutores e mestres da História e da Geografia, este poeta provinciano, poeta de já escassos cabelos e de nenhum louro, poeta de poucas letras e de muita audácia, pois só a audácia me faria adentrar este Olimpo, que só os privilegiados podem alcançar. À morada dos deuses, poucos mortais têm acesso.
Contudo, meus senhores, senhoras minhas, não me sinto um estranho no ninho. Ao contrário, sinto-me em casa, rodeado de amigos, no aconchego de um lar que chamaria paterno e materno, porque se os senhores são geógrafos e historiadores na geografia, na historiografia, nos livros e na cátedra, eu sou historiador e geógrafo na literatura e na poesia.

(*) Discurso pronunciado por José Elmar de Mélo Carvalho, no dia de sua posse no Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, ocorrida em 27 de agosto de 1998, na sede do sodalício, na condição de sócio correspondente.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Seleta Piauiense - Celso Pinheiro


Crepúsculo

Celso Pinheiro (1887 - 1950)

Crepúsculo. Dlin, dlon... Sinos gemendo aos dobres
Há paisagens no Céu e paisagens na Terra.
A alma branca da Torre e a alma verde da Serra,
Concentram-se a rezar, tristonhamente nobres...

A hemoptise da Luz mancha a toalha do rio...
Caravelas e naus, como enormes aranhas,
Em reverberações magníficas e estranhas,
Sobre as águas, a arfar, têm bailados de cio...

Chove, empastando o mato, uns filetes de sangue
Como cordas de sol do tear da Mocidade:
É a virgem-Natureza estuando em puberdade
Para a fecundação da Noite linda e langue...

Os velhos buritis dos confins da Floresta,
Vão pregando o Evangelho entre cardos e espinhos,
E a árvore seca, a rir, com seus frutos de ninhos,
É uma árvore de Natal engalanada em festa...

Chopin estende as mãos sobre as teclas de Poentex
E arranca a sinfonia estética das cores,
Enquanto nos vergéis as pequeninas flores
São mil bocas a arder na tarde flavescente!...